Ideias para Debate

Sunday, February 27, 2005

O SIDA em Moçambique

Há dias alguém comentava o texto sobre o ensino bilingue falando do horror que era a parte que se referia à necessidade de ir substituindo os professores mortos pelo SIDA.
O texto do Mia Couto, publicado no último número da revista MAIS, põe-nos, com clareza, perante os números desse horror:

OS NÚMEROS



Ninguém tem dúvidas: a SIDA é a grande rasteira não apenas ao desenvolvimento do nosso país mas à nossa própria sobrevivência. Nenhum governo, nenhum programa poloítico podem contornar esse obstáculo. Continuaremos perdendo o melhor das nossas vidas, continuaremos perdendo o mais produtivo dos nossos sectores etários. Prosseguiremos gastando milhões que poderiam ser investidos na produção directa de bem-estar e riqueza.
Tudo isto é sabido. Mas vale a pena recorder este cenário para falar do modo como tratamos com ligeireza os números ligados ao SIDA. Recentemente a imprensa puxou para assunto principal a referência a doentes que irão beneficiar de tratamento com anti-retrovirais. E anunciaram-se números. Este ano cerca de 50 000 doentes irão receber “tratamento”. Assim expresso, sem nenhuma relativização, parece uma vitória. Falei com trabalhadores da minha empresa e todos pareciam muito impressionados. Cinquenta mil é um valor de monta.
Ninguém duvida que se trata de uma vitória. Para uma nação pobre e mal preparada para enfrentar uma epidemia de tão grande dimensão não se pode esperar passes mágicos. Contudo aquele número só pode ser olhado no contexto de um universo total de pessoas atingidas pelo virus. E em Moçambique esse número anda à volta de um milhão e quinhentas mil pessoas! Quando se diz que trataremos 50 000 estamos a dizer que um milhão e quatrocentas e cinquenta mil pessoas não terão acesso ao tratamento. Colocado no devido contexto, o tom aparentemente grandioso dos títulos fica, de imediato, destronado. As mesmas contas se podem fazer sobre o número de mulheres grávidas beneficiando de prevenção da transmissão vertical. São cerca de 4 mil. A pergunta imediata sera: quantas dezenas de milhar não terão acesso ao tratamento?
A verdadeira notícia não seria respeitante aos que são cobertos pela capacidade de tartar. Mas antes aos que continuarão sem tratamento. O verdadeiro título, infelizmente, deveria dar conta do milhão e quatrocentos e cinquenta mil que ficam excluidos. O que coloca problemas de ética terríveis: como decider quem beneficia do programa?
O que se passou não é da responsabilidade do Ministério da Saúde. Lidas as comunicações dos seus responsáveis entende-se, desde logo, o tom cauteloso das declarações a a ausência de qualquer grande proclamação de vitória. Pelo contrário prevalece3 em todo o discurso a apreensão extrema, substanciada nas palavras do Ministro da Saúde: “é uma questão de sobrevivência da nação”.
Um assunto desta gravidade não pode ser tratado com ligeireza. Estamos a falar das vidas dos nossos compatriotas.

Friday, February 25, 2005

Chamada de atenção

Para os leitores mais distraídos, ou menos familiarizados com estas coisas dos blogs, chamo a atenção para o comentário que Roberto Tibana colocou no final do texto "Discutir". Embora seja uma resposta a um comentário já antigo de Elisio Macamo a um texto seu, é perfeitamente actual.

Tuesday, February 22, 2005

Discutir

Termino hoje a publicação dos textos do Dr Elisio Macamo que foram uma preciosa contribuição para este blog, permitindo um acrescentar de novas ideias, provocativas de debate, ao longo de um período prolongado.
Sem esta "reserva" talvez a colocação de novas contribuições passe a ser mais lenta. Tentarei manter o nível que foi atingido até agora.
E você, leitor, contribua também, se tem ideias para lançar para a mesa de discussão.
Mas, por agora, fiquemos com o último texto de Elisio Macamo. Precisamente sobre a discussão:

(11) Discutir

Já cheguei ao fim. Há de certeza mais assuntos que merecem atenção por parte do novo chefe de Estado. Pessoalmente, penso que estes são dos mais importantes. Não tenho a esperança de que estas ideias sejam pura e simplesmente aceites e implementadas. Era preciso muita ingenuidade para ter esse tipo de esperanças. Não, a minha esperança é outra. A minha esperança é que haja uma e outra ideia nas várias que apresentei aqui susceptíveis de provocar um debate sério sobre as nossas opções de desenvolvimento. Estes artigos são uma provocação ao que um amigo que comentou uma versão preliminar caracterizou como “... um frelimismo cego, isto é dos que querem saborear a vitória sem pensarem o que ela significa para os próximos 5 anos”.
Não são ideias só para o novo chefe de Estado. São para todos nós, governo, oposição e a famosa sociedade civil. São subsídios para repensar certas coisas que fazemos bem como certas maneiras de fazer coisas. Infelizmente, nos nossos procedimentos burocráticos temos a tendência de fazer coisas da forma como as fazemos porque sempre as fizemos assim. Até há pouco tempo – há sensivelmente dois anos – pagava-se 2,50 meticais pela portagem sobre o rio Limpopo à saída da cidade do Xai-Xai. Com esse valor não dava nem para dar o vencimento ao cobrador da taxa. Agora pagam-se 10.000 meticais, o que é muito mais, mas ridiculamente insignificante nos cálculos que os construtores da ponte fizeram e tomando em consideração a necessidade de sua manutenção. Cobra-se porque sempre se cobrou.
É um pouco contra esta atitude que estou a argumentar nestes artigos. O desenvolvimento não consiste só em fazer aquilo que os doadores esperam de nós. O desenvolvimento é também reflectir sobre o que fazemos. Desenvolvimento é um processo, não tem nada a qualidade escatalógica que a indústria do desenvolvimento empresta aos seus programas, a tendência, portanto, de partir do princípio de que os problemas se vão resolver duma vez por todas: acabar com a pobreza, acabar com a corrupção, acabar com má-nutrição, etc. O desenvolvimento não é a meta, é o caminho. Penso.De qualquer maneira, acho mais útil pensar o desenvolvimento nesses termos. É por essa razão que escrevo estas linhas com o novo chefe de Estado em mente. Talvez ainda não se tenha sentado para pensar o que fazer realmente nos próximos cinco anos, tanto mais que ainda há o problema da “Declaração de Maputo”. Não seria de admirar, pois os problemas do nosso País são tão bicudos que é difícil saber por onde começar. A minha sugestão é que não comece por onde os outros insistem em começar. Sugiro que comece por formular problemas.

Saturday, February 19, 2005

Tribunal Administrstivo

Hoje vou deixar aqui o penúltimo texto da série que Elisio Macamo publicou sob o título comum: O Que a Campanha Não Discutiu.
Desta vez ele fala sobre a utilidade da acção do Tribunal Administrativo na moralização da administração pública:

(10) Reforçar o tribunal administrativo

Marcelo Mosse publicou poucos dias antes das eleições um artigo altamente preocupante no jornal Savana. Nele ele dá conta dos negócios de Armando Guebuza, presidente designado de Moçambique. Não há muitas razões para duvidar da veracidade do que ele relata nesse artigo. A sua preocupação quanto à integridade da luta contra a corrupção numa situação em que o chefe de Estado tem interesses económicos particulares em tantas áreas é justa e legítima. Devia deixar preocupado o próprio chefe de Estado.
Faço parte dos que no País consideram a retórica anti-corrupção bastante exagerada. Conforme defendi num artigo antigo publicado neste mesmo jornal a corrupção no nosso País não é o problema que muita gente pensa que é, mas mesmo assim devemos ficar preocupados. Nesse artigo considerei que uma das coisas que alimentava esta retórica anti-corrupção era a necessidade que a indústria do desenvolvimento tinha de justificar o seu próprio falhanço. Se depois de darem tanto dinheiro e imporem tantas condições o País teima em se manter na cauda das estatísticas internacionais de desenvolvimento, o único que podia explicar isso não poderiam ser os conselhos que nos dão de fora, mas a nossa própria integridade. Tínhamos que ser nós, ou melhor, os nossos dirigentes o problema. Na verdade, a retórica anti-corrupção recrudesceu em todos os Países que se submeteram aos remédios do consenso de Washington. Em todo o lado, África, Europa do Leste e América Latina.
Estas reservas não querem dizer que não haja corrupção. Com efeito, tendo em conta a natureza humana seria simplesmente ingénuo pensar que existam sociedades sem corrupção. Mesmo nos Países que procuram nos impôr esta cultura da integridade não passa uma semana sem que haja um escândalo envolvendo o uso indevido de fundos públicos ou, pior ainda, o aproveitamento de cargos públicos para fins pessoais. A diferença, contudo, é que na maior parte das vezes esses actos de corrupção nesses Países provocam um escândalo. Os perpretadores são expostos, têm que enfrentar a justiça e pagam caro politicamente. Isto tudo acontece sem unidades anti-corrupção de nenhuma espécie.
O que o debate no nosso País nunca abordou de forma consequente é justamente a ligação entre a corrupção e a eficiência do aparelho de Estado. Misturamos tudo. Se nada funciona ou se as coisas andam mal, dizemos que é por causa da corrupção. Pior ainda, contentamo-nos com afirmações do género “são esses corruptos aí”. Os mais activos entre nós prosseguem criando comissões de ética, unidades anti-corrupção, exigem a exposição dos bens privados de funcionários públicos, fazem distinções entre grande e pequena corrupção, seminários, etc. E como nenhuma dessas coisas vai acabar com a corrupção – porque a corrupção nunca vai acabar – temos matéria garantida para um estado de indignação permanente.
Uma parte considerável do que consideramos corrupção está directamente ligada à eficiência do aparelho de Estado. Por eficiência não entendo apenas o uso racional de recursos para o cumprimento das suas funções, mas o funcionamento de acordo com regras juridicamente estabelecidas. Qualquer instituição do Estado funciona de acordo com estatutos que estabelecem as suas funções, competências, limites e prerrogativas. Esses estatutos fornecem às instâncias de controlo os critérios de avaliação do desempenho duma instituição. No nosso País não é incomum que um órgão do estado funcione em completa transgressão dos seus próprios estatutos. Há estabelicimentos do ensino superior, por exemplo, que funcionam há anos sem os órgãos definidos nos seus próprios estatutos e ninguém, a partir do próprio dirigente, se chateia com a situação.
Durante vários anos fiz parte da direcção duma associação de académicos africanos na cidade alemã onde trabalho. Quando fizemos o registo da nossa associação tivemos que depositar os estatutos, os quais previam duas assembleias gerais por ano. Nos primeiros anos não tomamos muito a sério os nossos próprios estatutos e não realizamos as assembleias gerais de acordo com o disposto neles. Outras vezes pura e simplesmente não depositamos os relatórios das assembleias gerais no tribunal administrativo devidamente reconhecidos pelo notário. O tribunal administrativo por sua vez, e sem falta, periodicamente perguntava porque não cumpríamos com o disposto nos nossos estatutos e ameaçava-nos com sanções administrativas previstas na lei. Sem nenhuma necessidade de criação duma unidade anti-corrupção habituámo-nos à disciplina administrativa moderna.
Em Moçambique temos um tribunal administrativo, temos uma inspecção do Estado que, numa situação ideal, deviam tornar supérflua a unidade anti-corrupção. Compete a estas instituições velar pelo bom funcionamento do aparelho de Estado. O ministério X usou bem os fundos? A viagem do presidente para a província Y foi em missão do Estado ou do partido? Os fundos doados pela cooperação suíça foram empregues de acordo com o disposto no acordo de cooperação? A outorgação dum contracto obedeceu aos critérios definidos no concurso e a parte que ganhou fez de facto a melhor oferta? A expulsão dum membro dum partido obedeceu aos procedimentos dispostos nos estatutos do partido? E por aí fora. Um Estado que se pretende moderno e gostaria de fazer da corrupção um escândalo devia ter um tribunal administrativo e uma inspecção de Estado que funcionam.
É verdade que para que cheguemos a uma situação assim precisamos dum sistema judiciário íntegro, um quadro administrativo que funciona, instituições dispostas a controlar e sancionar, enfim, precisamos de alguém com vontade de pôr o guizo ao gato. Esse alguém só pode ser um chefe de Estado interessado não só no desenvolvimento do nosso País como também em manter a imagem de integridade que, apesar dos seus próprios interesses privados, o conduziu à Ponta Vermelha. Moçambique precisa urgentemente dum tribunal administrativo que funciona e que tem a vantagem adicional de expôr menos o punhado de gente que corajosamente vai perseguindo “casos de corrupção” na unidade anti-corrupção.

Friday, February 18, 2005

Ensino bilingue

A questão do ensino bilingue é polémica desde que se começou a falar do assunto.
Fátima Ribeiro publicou hoje, no Savana, o texto que abaixo transcrevo sobre esta questão:


ENSINO BILINGUE DA REFORMA CURRICULAR: UMA APOSTA VIÁVEL?

Fátima Ribeiro



Cento e muitos livros diferentes só para as três primeiras classes do EP1. Já a caminho, um pesadíssimo sistema nacional de ensino de viabilidade e qualidade duvidosas à partida. Alguns aspectos que reclamam urgentemente mais atenção.


Ainda a tempo, ou já tarde demais, a ver vamos se é viável o ensino bilingue em Moçambique como está preconizado pela reforma curricular e já em fase experimental. À tona virá também se conseguirá garantir um mínimo de qualidade para atingir o principal objectivo que levou à sua criação: reduzir o insucesso escolar.

Imperiosa é, sem dúvida, a introdução das línguas locais no ensino, pelas mais diversas razões que têm sido apontadas. Permitir à criança expressar-se na língua que domina para facilitar a sua inserção na vida escolar, fazer com que a criança adquira uma base sólida na sua língua materna com vista a uma melhor proficiência nas outras línguas, e valorizar as línguas moçambicanas. Razões, todas elas, suficientemente importantes para nem sequer as pormos em causa. O que pretendemos é, tão-somente, chamar a atenção para questões que se prendem com a viabilidade e a garantia de qualidade do sistema proposto, que são, em Moçambique, e nos tempos que correm, igualmente relevantes.

Considerando já alguma, mas ainda ténue, experiência prática, o modelo agora pensado para o ensino bilingue está assim desenhado: as línguas locais - oralidade e escrita – são línguas de ensino e simultaneamente uma disciplina curricular nas três primeiras classes do ensino básico. Neste primeiro ciclo do EP1, o português é apenas uma disciplina de 4 horas de aula semanais em que, na primeira e segunda classes, se desenvolve a oralidade e, na terceira classe, se introduz a escrita. A partir da quarta classe, o português passa a língua de ensino, mantendo-se as línguas locais como disciplina(s) no segundo ciclo do EP1.

Paralelamente ao ensino bilingue, de facto com tantas variantes quantas as línguas locais (fala-se de 20 línguas), o estado oferecerá um sistema monolingue, em que o ensino é ministrado em português desde as primeiras classes. Haverá, portanto, programas, livros, turmas, professores, formadores de professores, órgãos/responsáveis do Ministério da Educação e Cultura a vários níveis, inspectores, apoio pedagógico, exames, etc. para o sistema monolingue e para o sistema bilingue. Aos pais dos alunos caberá optar por um ou outro sistema. Enfim, todo um sistema muito democrático, justo, sensível a questões de ordem psicológica, cognitiva, política, mas…

A enormidade de livros
A título de exemplo, peguemos nos livros. Um simples exercício de aritmética sugerirá imediatamente os tremendos recursos financeiros e humanos a mobilizar. Se considerarmos apenas a primeira classe do ensino básico, serão necessários, no mínimo, para o sistema monolingue, 2 livros em português (disciplina de Língua Portuguesa e disciplina de Matemática); e, para o sistema bilingue, 20 livros nas línguas locais para a disciplina correspondente, mais 20 livros de Matemática também nas línguas locais, mais 1 livro de português oral, isto é, 41 livros. No total, serão, pois, necessários 43 diferentes livros. Do mesmo número terão de dispor a segunda e terceira classes, que completam o primeiro ciclo do ensino básico. Contas feitas, irão ser elaborados 129 diferentes livros apenas para Língua Portuguesa, Matemática e Língua Local das três primeiras classes do nosso sistema nacional de ensino, e tal enormidade somente falando de livros do aluno. Além destes, haverá certamente manuais do professor, e ainda algum material para educação visual, educação musical, ofícios e ciências.

Em quanto orçarão a concepção, a testagem, a execução e a distribuição de todos estes livros? Estará Moçambique capaz de reunir tão elevado montante, e de o fazer a custo zero para o utilizador, como se comprometeu no âmbito da Educação para Todos? E conseguirá fazer chegar todos esses livros às escolas, sistematicamente, no início de cada ano lectivo? Mesmo agora, em Fevereiro de 2005, e funcionando apenas o sistema monolingue, escolas há que vão receber livros com 45 dias de atraso, como se pode ver num comunicado do Ministério da Educação recentemente publicado na imprensa .

É possível que já nos tenham sido dadas garantias de fundos para o arranque do sistema, mas todos estes livros terão de ser reproduzidos, actualizados e também substituídos à medida que forem ficando ultrapassados. Se diminuírem ou forem reorientados os fundos dos doadores consagrados a Moçambique, e à educação em particular, não cairá imediatamente por terra todo um pesadíssimo sistema entretanto já em marcha difícil de reverter? Quanto tempo e recursos não se terão perdido? Que sequelas ficarão? De quantos anos mais precisaremos para instalar um novo sistema?

O problema dos docentes e outros técnicos de educação
Às já conhecidas dificuldades que o Ministério da Educação tem na angariação de professores qualificados e, sobretudo, na sua manutenção na actividade docente, outras se juntarão. Em primeiro lugar, desencantar todos os que constituirão o enorme corpo de autores, revisores e avaliadores de todos os manuais escolares. Em seguida, recrutar professores para o sistema bilingue, sabendo-se desde já que cada professor só poderá ensinar na área correspondente à língua local que domina, e que muitas das zonas mais populosas são das mais carentes em recursos humanos. Depois, não só dar aos professores e outros técnicos a preparação em metodologia e didáctica do ensino bilingue, mas também instruí-los na própria escrita das línguas locais, que praticamente todos desconhecem. Finalmente, contemplando a elevada mortalidade e morbilidade provocada pelo HIV/SIDA e a sua evolução nos próximos tempos, pensar tanto na reposição dos professores que forem falecendo, como na substituição corrente dos que por doença não puderem leccionar. Recordemo-nos que a fase em que nos encontramos é de epidemia de HIV, estando ainda a caminho a verdadeira epidemia da SIDA. Terão sido devidamente equacionados todos estes problemas?

Qualidade em questão
Moçambique obrigou-se a dar a todas as crianças um lugar na escola, mas comprometeu-se também a prestar um serviço educativo de qualidade. Num sistema como o previsto, tal objectivo não passará de um sonho distante, talvez uma utopia, e com o risco de, estando o sistema finalmente montado, não dar já resposta à realidade de então. Num futuro próximo, permanecerão os livros feitos à pressa, a formação necessariamente “a despachar” dos professores para o ensino bilingue, os crónicos lamentos da falta professores com formação para a docência, agora exponencialmente reforçados, e, claro está, os consequentes resultados no sistema educativo.

E se a fundamentação de todo o sistema está na construção de alicerces para se alcançarem melhores resultados, essa pretensa base sólida parece minada à partida. Basta pensarmos se com apenas 15 dias para adquirir noções de ensino bilingue e aprender a escrever nas línguas moçambicanas, como está presentemente a acontecer, conseguirão os professores ganhar um mínimo de segurança nas regras de ortografia para as transmitir a crianças que têm o seu primeiro contacto com escrita. Além disso, com a reforma curricular, o contacto dos alunos com a língua portuguesa da primeira à terceira classe do ensino bilingue reduz-se a quatro horas semanais, sendo todo o tempo lectivo restante preenchido pelas línguas locais. Com uma redução em cerca de 80% da exposição do aluno à língua portuguesa nos três primeiros anos escolaridade, relativamente ao que hoje se faz, conseguirão essas muitas centenas de professores em regime de formação hiperacelerada garantir crianças com melhores bases em português para terem melhor aproveitamento nos níveis subsequentes (com português como língua de ensino), pressuposto básico de todo o novo modelo?

Precaução necessária
Sendo um sistema nacional de ensino uma das realidades que mais afecta, molda e condiciona a vida presente e futura de cada cidadão, e do país em geral, todas estas questões deveriam ser alvo de profunda e cuidada reflexão, antes que entremos por um beco escuro, cujo fim pode vir a ser um verdadeiro caos. Posição avisada seria pensar-se desde já num modelo alternativo, e, paralelamente à aplicação experimental actualmente em curso, testá-lo também em algumas escolas anexas a instituições de formação de professores. A nosso ver, tal modelo, bilingue sem dúvida, terá necessariamente de responder a três requisitos: exigir menos recursos financeiros, humanos e técnicos; ser mais fácil e rápido de implementar; e contemplar um quadro que, infelizmente, não pode ignorar a dramática realidade da SIDA no nosso país. Isto é, terá, sobretudo, de contar com o que nós próprios possuímos, somos capazes de fazer e podemos pôr imediatamente em acção. Terá de contar muito mais com a nossa realidade concreta, com as nossas dinâmicas de sustentabilidade e com a nossa própria vontade. A um modelo alternativo contamos voltar num próximo artigo.

Thursday, February 17, 2005

A Renamo por dentro

O dr. Benjamim Pequenino publicou, no Savana, uma análise sobre a situação interna da Renamo que tem cabimento neste blog:

O que hoje penso da RENAMO: Carta a todos militantes patriotas no Partido.


De facto, o Jornal Savana publicou nas suas edições de 21 de Janeiro e 4 de Fevereiro do presente ano, uma carta de há cinco anos, dirigida ao Presidente Dhlakama contendo minha opinião sobre as eleições de 1999 e as abortadas negociações com o Chefe de Estado na qual tive a oportunidade de participar pela via duma das comissões então criadas. A carta em referência fora entregue, pessoalmente, ao Presidente e os considerandos em torno da revisão Constitucional enviados por intermédio do fax do Dr Orlando Graça no ano 2002 do Reino Unido, onde me encontrava em formação. Dr Graça me assegurou, na altura, ter feito chegar o fax ao destinatário.
Mas o interessante, hoje, é que algumas figuras acham que devido a minha posição de servente superior do Estado, não deveria fazer pronunciamento público sobre assuntos políticos. Ainda ha dias meu amigo Maiopué censurava-me tendo até chegado a acusar-me de ter sido comprado pela Frelimo e advertindo-me então a preparar-me quando esta me mandar “passear”. Disse-lhe que nenhum deles, Frelimo e Renamo, chegara a “comprar-me”, se é que alguma vez me havia colocado à venda. Mas é complicado isto de se exigir a sermos o que não somos, com vista a não colocarmos em risco o tacho. Acomodar dentro de nós essa pessoa artificial que não somos e irmos a cama e dormirmos em paz, é terrivelmente irreverente. Não conseguiria ser desonesto comigo mesmo!
Talvez seja aqui relevante dissipar equívocos. Pessoalmente me interesso pela política e foi para tentar, pela via da Renamo, dar o meu contributo na construção de políticas alternativas de desenvolvimento para o nosso País que entrei nela! Esta foi e continua a ser the driving force do meu estar em política. Mas, infelizmente, a liderança da Renamo não está a favorecer a realização deste objectivo e sinto que não devo me manter em silêncio, como se tudo estivesse bem. Por isso, que se tolere e se aceite o meu direito de não ficar calado!
Na verdade, cinco anos depois daquela carta, hoje, a minha infeliz conclusão é a de que o problema da Renamo não foi e não é Raul Domingos, Lemane, David Aloni, Jafar Gulamo, Maximo Dias, Machambisse e outros bodes expiatórios. O problema da Renamo tem haver com o seu chefe máximo, Afonso Dhlakama. E da análise concluo que enquanto Dhlakama estiver à frente da organização esta não logrará êxito em eleição alguma – autárquica ou geral. Esta é a realidade que os militantes e simpatizantes do Partido têm, se quiserem, de resolver. E sem a Renamo (isto pode não agradar meu amigo Maiopué) nenhum partido da oposição pode sonhar ser governo, pelo menos nos próximos 15 anos.
Evidentemente que alguém perguntará: “e quem é você?”. O meu “eu” não é aqui importante. Agora a única coisa que eu cidadão Pequenino sinto, é que não tenho outro país que este – e os erros de descomando que a Renamo, o segundo mais importante partido político do meu País, comete, com reincidência, custam vidas, tempo e dinheiro à sociedade para resolvê-los e atrasam o nosso desenvolvimento. No ano 2000 morreram concidadãos nossos, apoiantes da Renamo, em Montepuez e Dhlakama parece não se ter achado, moralmente, responsável pela perda daquelas vidas, quando fora ele que incitara a se levantarem contra o Poder. Desta vez, ficamos mais que um mês com o País quase paralisado porque ele havia apresentado queixa no Constitucional, o que impedia a tomada de posse dos órgãos eleitos. E para o espanto de todos, sem mais nem menos, sem precisar reunir o tal Conselho Nacional, Dhlakama, vir a público dizer-nos, na manha de 21 de Janeiro, que ele e os seus deputados iam tomar posse. Afinal ele, sozinho, é o Conselho Nacional e utiliza os outros quando lhe apetece! Mais grave ainda é que mesmo depois de ter mudado de discurso ele não foi à tomada de posse do Chefe de Estado Eleito, o que chocou a consciência de todo cidadão que quer paz e concórdia neste País. E com ele nem um dos “seus” deputados. Mas o facto é que, ele aceite como não, Guebuza é, neste momento, o Presidente da República. E como tal Pai e Símbolo de todos moçambicanos, a quem Dhlakama, como aspirante a Estadista, deveria ter obrigação de ensinar os seus filhos a respeitar. Portanto com tanta incoerência querem-me calado? Calados não ajudamos Moçambique a crescer e lembremo-nos que este é o nosso País, nós que não temos Pátria alternativa!
1. E porque, mais uma vez, a Renamo perdeu estas eleições?
Há a meu ver varias razoes, mas eu avançaria apenas algumas:
a) Excesso de confiança, falta de organização e direcção, com improvisações a mistura. Todos na Renamo olhando pelos graves problemas particularmente o elevado índice de crimes impunes, corrupção rampante e pobreza no País, com um povo cada vez mais saturado da inacção de quem de direito para dar resposta as suas preocupações, estavam convencidos na sua vitoria. Dai que não precisassem de se organizar? A falta de organização e o espirito de improvisação são a maneira de gestão na Renamo. A minha carta, a Carta de Londres, de Dezembro de 1999 entitulada Porque Precisamos de Reorganizar a Renamo, publicada no Joranal DEMOS, abordava esta matéria e no entanto nada, até aqui, mudou. Mais de doze anos que a Renamo está na cidade o estilo de gestão militar se mantém nas mãos dum único homem, o comandante Dhlakama.
E o conflito entre a organização militar e política se revela com ausência de direcção efectiva e orientação clarividente para os quadros políticos sobre o que fazer, porque está tudo nos mapas secretos do chefe, culminando depois com improvisos a ultima hora.
Dhlakama é imprevisível e como tal os investidores, aqueles que tem interesses económicos aqui, não podem apoiar pessoa deste temperamento para Presidente. Ele diz hoje uma coisa e acorda no dia seguinte diz outra. Lutou pela democracia, mas ele não a pratica. Por isso ele não pôde ser democrata. Confesso que tentamos, incluindo vós jornalistas, moldar o homem, mas penso que foi um exercício inútil! Chego a pensar ser algo que tem haver com o berço. Se calhar precisaríamos fazer um estudo sobre como nasceu e cresceu este homem, até pelo menos os seus 12 anos, para podermos compreendê-lo.
Aqueles que dizem que o Presidente Dhlakama é mal assessorado, bastante, se enganam. Há cinco anos, também admito que tinha lido mal as coisas. Cada chefe escolhe assessores à sua imagem e deles exige a qualidade de assessoria que deseja. Presidente Dhlakama não quer gente de qualidade porque ele não quer ser qualidade. Ele adora os “miúdos” lambe-botas, os yes-men, e os intriguistas. Gente com mente independente e estruturada que lhe diga os factos como eles são, esses não podem ser seus colaboradores directos!
Afonso Dhlakama como pessoa privada é excelente, mas como político é mau. As velhas tácticas da contra-inteligência com quem se guia não se adequam ao momento político contemporâneo! Este é tempo de ciência política, do marketing político e, terminada a guerra fria, da convergência política e por isso da concertaçao e dos lobbies e parcerias quer a nível interno, dentro das nações, quer a nível internacional.
Outro elemento é a estratégia errada de sobrevivência que chefe Dhlakama utiliza. Raul Domingos foi a primeira vítima em tempo de paz e a olhos de todos. A “casca de banana” foi manadá-lo (sozinho, vejam isto!) negociar o reconhecimento dos vencedores das eleições de 1999 a troco de dinheiro – viria a revelar-nos o Chefe de Estado naquela conferencia de imprensa em Gaza. As vitimas, apesar destas não terem sido expulsas do Partido, mas marginalizadas, se seguiram Jafar Gulamo, Vaz, David Aloni(coitado do velho!), Quitine, etc; e outros se seguirão. Uma luz para os novos colegas Namburete e Araújo – mind the gap!
É assim: quando o chefe se apercebe que você está a crescer, internamente, e pode estar em posição de apresentar ideias alternativas, fecha-te as portas ou, se estiveres a desempenhar alguma função, prepara-te a “cama”! Quantas vezes se solicitava uma audiência ao Chefe de Gabinete, na altura o Dr Aloni, para ouvir este a lamentar que ele próprio está há meses sem poder falar com o seu chefe? Diz-se que Raul, na qualidade de chefe de Bancada, ficava semanas a tentar concertar com o seu Presidente sobre assuntos parlamentares e não conseguia. Depois é o que aconteceu aos dois homens!
b) Lutas “canibais” internas. As lutas são agudas que me fazem pensar que se estivéssemos ainda em tempo de guerra estaríamos a perder homens com ataques cobardes internos. As lutas são atiçadas de cima e colegas nossos instrumentalizados iniciam o fogo antes ou durante uma programada reunião, aparecendo depois o chefe como quem quer apagá-lo. Faz parte da táctica de aniquilamento do “adversário” interno, parte da estratégia de sobrevivência. A pergunta é até quando isto tem que continuar? Os autores da carta Tira o Piolho da sua Cama Senhor Presidente e da suposta e vergonhosa Carta de Zambezianos contra, respectivamente, as figuras de Raul Domingos e David Aloni sustentam este pensamento. E o efeito trickle - down se faz até ao pequenino. A má língua, as acusações de agente ou espião da Frelimo são argumentos baratamente utilizados para se destruir um quadro. É assim que vimos um Aloni a ser marginalizado porque ora é amigo da Frelimo ora porque é do IPADE de Raul Domingos, etc. Mas esquece-se que chefe Dhlakama, ele próprio, foi da contra-inteligência militar da Frelimo na Beira! Compatriotas, não podemos continuar assistir, em silencio cúmplice, estas coisas!
Durante o processo que antecedeu o veredicto dos dias 1 e 2 de Dezembro, transmiti a minha preocupação pelas fortes clivagens que os Media iam reportando à volta de figuras como as de Aloni e Quitine. Disse aos colegas do Gabinete Eleitoral que com suas intervenções na Assembleia da República durante os mais que cinco anos, estes homens haviam conquistado simpatizantes nas províncias donde eram oriundos que os viam como seus líderes. E que engendrar seu afastamento neste momento era um erro político. A resposta foi de que o Presidente disse que não queria conflito com a Comissão Política. Entretanto, dois membros dessa Comissão Política do Presidente estiveram afectos em Inhambane e como resultado brindaram o Partido com a eleição de apenas um e único deputado. Que vergonha meus senhores! É esta gente que faz guerra com Aloni e Quitine? E depois o que aconteceu em Tete e Nampula? A Renamo naqueles círculos ganhou com o afastamento destes homens?
Quando digo Comissão Política do Presidente é que os seus membros foram escolhidos ao gosto e pelo Presidente e este vai se recusar a dar mão à palmatória? É esta gente que decidiu pela não inclusão de Aloni e Quitine(e para os substituir com o quê?) e o posicionamento inelegível de quadros como Quelhas, Linet(esta substituída pela cozinheira do Presidente?) que poderiam dar mais valia à Bancada na AR?
Meus amigos, penso que o general Dhlakama tem que, em definitivo, reconhecer que já fez o sua parte da historia deste País, ao ter liderado a longa marcha que culminou com o estabelecimento da democracia multipartidária no nosso País. Pelo sacrifício consentido, dele estaremos eternamente reconhecidos. Mas hoje, a arma de fogo do general deve ceder e dar lugar à caneta, ao saber científico-técnico que cria o desenvolvimento e produz riqueza para as nações. É esta revolução intelectual que está a ser difícil de acontecer na Renamo.
c) A marginalização do intellect.
No momento mais difícil de 1992 muitos quadros foram a Gorongoza encontrarem-se com Dhlakama(lembra-se deles?) e voluntariamente se juntaram a esta organização, hoje onde estão e o que fazem?
Pergunta-se como é que o Presidente Dhlakama constituiu mandatário nacional do Partido no Machambisse, para tratar assuntos de lei quando a organização possui juristas de formação e advogados de profissão? Herminio Morais (está de parabéns este general), Jafar Gulamo, Eduardo Elias, Máximo Dias, Francisco Dias, teriam recusado? Até Maiopué lhe deu a mão e sentiu-se definitivamente ludibriado por um homem que ele apelida de viva voz de “traidor do Povo”. Orlando Graça e Manuel Frank do Conselho Constitucional não poderiam, nos bastidores, ser úteis para obter seus conselhos técnicos? Mas a resposta é simples: o Presidente e alguns na Comissão Política e no Conselho Nacional, os donos da Renamo, não querem gente formada porque deles têm medo. Quando os convidam, o fazem para mero exercício de relações públicas ou para serem mata-borrão.
Mas não há saída meus compatriotas! Podem resistir, os factos mandam dizer que os moçambicanos cresceram em termos de formação, relativamente a 1992, tal que hoje até temos licenciados desempregados. Estes moçambicanos não permitirão que o país venha a ser desgovernado a espelho como se desgoverna a Renamo. Uma pergunta que o cidadão comum tem o direito de fazer é esta: se a um clube político não conseguem organizar e gerir o farão ao País?
Portanto, é extremamente crucial e sem manipulações, que se dê chance às poucas mentes estruturadas para se afirmarem no partido. A não acontecer os poucos quadros abandonarão a casa e por fim ficarão os donos a se baterem até a morte definitiva da Renamo. E que se esqueçam de futuras aquisições, às pressas, de mais Namburetes e Araújos à porta de eleições. Penso que foi decepcionante para estes meus dois amigos que sonhavam ser heróis da primeira vitória da Renamo! Mas a estes digo: coragem (there’s no way out)! A luta tem que ser convencer o chefe a ceder!
Outro aspecto que me preocupa é a falta, por parte da Renamo, de comportamento de cavalheiro para que a Frelimo a sinta parceiro de desenvolvimento deste País e não um inimigo, como é até aqui.
2. Que se cultive, com o Poder, um relacionamento político de gentlemen
Presidentes Dhlakama e Chissano assinaram o Acordo de Paz em 1992, mas Chissano deixou de ser Chefe de Estado, sem algum dia juntos terem tomado café, em publico. Dizem que em privado falam, mas para eu cidadão, o que me interessa não é o encontro privado, mas sim o público que pode transmitir a mensagem de paz e reconciliação efectiva entre os dois, a olhos do povo. Se alguma vez isto tivesse acontecido, de certeza que os membros da Renamo não experimentariam tanto as horripilantes perseguições que sofrem um pouco ao longo deste país. Esta falta de diplomacia de engajamento construtivo mina a confiança entre as direcções dos dois Partidos que acaba afectando o relacionamento entre membros e simpatizantes dos dois até lá em baixo da pirâmide.
E mais ainda: há, da parte da chefia da Renamo, uma certa falta de humildade. Quem tem o Poder, até aqui, é a Frelimo! Como é que a Renamo acha que pôde obter o que quer como, por exemplo, aquela hipotética nomeação de governadores, à força?
Como é que diz, o Presidente Dhlakama, vamos negociar com a Frelimo para nos dar mais assentos no Parlamento se os assentos foram distribuídos pela CNE, legalmente, com base nos votos que cada partido recebeu nas urnas? Não acham que até dariam ao PDD de Raul que dizem ser amigo que a Renamo? Sugere que é só a Frelimo decidir distribuir os assentos, passando por cima dos resultados eleitorais? Porque então serviram as eleições? É este tipo de abordagens do chefe Dhlakama que nos envergonham e nós outros que não concordamos com elas, apesar de sermos pequeninos, não podemos ficar calados!
Como se vai negociar com Guebuza se Dhlakama não o reconheceu como Chefe de Estado eleito(a mesma asneira que cometeu com Chissano após as de 1999)? Como vai negociar com este homem a quem ele desvalorizou e o quis humilhar naquela entrevista quando disse que Guebuza não era nada, não o tinha medo e que precisava de quinze anos para chegar aos seus calcanhares? Não estávamos ainda em campanha eleitoral. E lembram-se Guebuza perguntado qual foi a sua resposta? Que estava muito ocupado a organizar o seu partido para as eleições e que não tinha tempo para falar de pessoas!
Por tudo isto digo: urge mudar a maneira de se estar em política. A linguagem e o relacionamento com o Poder têm que mudar – diplomacia e pragmatismo são necessários para se criar um relacionamento saudável entre as partes. E à força não se consegue nada e no meio disto tudo quem sofre somos nós, os pequeninos.
3. Agora que futuro para a Renamo?
Não se vislumbra! A Renamo foi transformada, pelos seus responsáveis, numa coisa menos séria, numa organização de “bobos de festa”. Pessoalmente não acredito que a Renamo venha a atingir boa performance com Dhlakama como chefe máximo.O problema não é o voto do povo. O problema é a ausência de direcção e efectiva liderança no Partido. E o povo não pôde continuar, eternamente, à espera que Dhlakama mude porque ele não vai! O seu estilo de gestão não tem nada haver com o Estado moderno que os moçambicanos pretendem construir neste País. Eu tenho fortes reservas que ele venha aprender isso porque não me parece lhe ocorrer tal necessidade. E a idade também não perdoa, pois com tempo mudam-se as vontades os interesses!
Cabe aos militantes patriotas, aqueles que não estão em política para se servirem a si mesmos, desenvolver um tremendo esforço (porque pelas suas declarações de que iria esperar o 2009 não vai ser fácil a sua saída), implorá-lo e convencê-lo para que ele se vá, em paz, descansar! Penso que os militantes e o povo moçambicano precisam duma Renamo melhor organizada e gerida, actuante e politicamente construtiva o que, mais uma vez isto está claro quanto a mim, não pode ser alcançado com a presente chefia!
Mas depois desta humilhante derrota parece-me que está claro que se Dhlakama não pôr o seu lugar à disposição como o fariam os homens de bom senso, se ele quiser insistir em se manter chefe só poder-se-á acreditar que ele está conspirando contra o Partido e contra o Povo Moçambicano, que ele está ao serviço de interesses hostis à democracia, o que nós outros não estamos dispostos a colaborar. Esta democracia custou sangue de muitos dos nossos compatriotas que não podemos permitir a sua extinção pela Renamo. Com três derrotas consecutivas e com a Renamo a perder, em cada eleição, mais assentos no Parlamento, Presidente Dhlakama já demonstrou ser incapaz de vencer o adversário e, por isso, não pode continuar a humilhar o Partido, seus membros e simpatizantes com derrotas após derrotas. Se ele resistir pôde, sem se dar conta, estar a abrir portas para uma grande sisão dentro da organização. Penso que ele vai poder decidir, brevemente, sobre a sua saída da chefia do Partido, ainda, com dignidade.

Tuesday, February 15, 2005

Equilibrio

Estou a chegar ao fim da série de textos que o Dr. Elisio Macamo publicou sob o título comum: O Que a Campanha não Discutiu.
Hoje vai o texto dedicado ao equilibrio étnico-regional:

(9) Estabelecer o equilíbrio étnico-regional

Alguns amigos com quem falei sobre esta série de artigos sugeriram-me que acrescentasse à lista de assuntos a serem considerados pelo novo presidente a questão do equilíbrio regional e étnico na ocupação de cargos. Uma sugestão foi, por exemplo, de diversificar a origem étnica dos ocupantes dos cargos de chefe de Estado, primeiro ministro e presidente do parlamento. A minha reacção instintiva a esta proposta é de rejeição. Perante os argumentos desses amigos, contudo, sinto a necessidade de me debruçar com maior seriedade sobre o assunto. Gostaria, porém, de tentar fazer uma abordagem equilibrada que exponha ambos os lados da questão e proporcionar, dessa maneira, alguns subsídios para uma reflexão mais generalizada nos meios políticos nacionais.
Florentino Dick Kassotche adiantou-se-me e publicou uma interessante reflexão sobre o assunto. Nela ele propõe várias formas de regulamentar a questão baseando-se, largamente, na experiência de outros países em assuntos afins. Embora oportuno e interessante, o seu argumento é algo problemático. Ele defende a consideração do equilíbrio étnico-regional com base na ideia de que dessa maneira se eliminará a exclusão social. Ao longo de todo o artigo, porém, não fica claro o que ele quer dizer com “exclusão social” e, dessa maneira, é difícil de perceber em que medida a distribuição de cargos nos moldes que ele sugere poderia contribuir para o desiderato da inclusão social.
Penso que a ideia central da preocupação por detrás do equilíbrio étnico-regional é de que há necessidade de diversificar as nomeações. Até ao presente os chefes de Estado foram todos provenientes do sul com a agravante de pertencerem a um grupo étnico que, para simplificar as coisas, podemos chamar de “tsonga”. Por outro lado, existem assimetrias na distribuição da riqueza nacional que colocam as regiões centro e norte em desvantagem em relação ao sul. Para os efeitos do argumento, não importa, neste momento, verificar até que ponto isto se comprova empiricamente. O argumento por detrás da necessidade de diversificar as nomeações seria, portanto, de que uma medida dessa natureza pode contribuir para a promoção da unidade nacional através do fomento duma maior identificação com os órgãos nacionais de soberania.
Este argumento, por sua vez, assenta em várias coisas. Primeiro, ele assenta na ideia de que a distribuição de cargos nestes moldes pode resolver os problemas de assimetria regional. Segundo, parte-se do princípio segundo o qual as regiões ou as etnias seriam os principais polos de referência identitária para a maioria dos moçambicanos. Um terceiro aspecto seria, talvez, a ideia de que militantes de partidos, associações e outro tipo de actores institucionais da arena pública representam, fundamentalmente, interesses étnico-regionais.
Críticos de nomeações com base étnico-regional poderiam recear que a competência técnica passasse para segundo plano. Este receio não me parece suficientemente forte, pois a competência técnica pode ser incluída como critério fundamental. Não basta ser sena para ocupar o cargo de ministro de não sei quantos; é preciso ser de comprovada competência técnica. Mais difícil de derrotar seria um outro tipo de interjeição, por exemplo, o receio de que uma política desta natureza crie ela própria os sentimentos étnico-regionais. Ainda não está provado se este problema é geral ou apenas dum grupo relativamente restricto de intelectuais que usam o argumento étnico-regional como trunfo na concorrência por cargos.
Este último receio pode servir de ponto de partida para a exposição da outra posição em relação a este assunto. Na verdade, pode-se dizer que a diversificação das nomeações promove ressentimentos étnicos, pois impõe a etnia e a região como as principais referências. Pode-se apresentar como argumento central a ideia de que a identidade regional e étnica compromete a unidade nacional na medida em que coloca em primeiro plano um discurso virado para a instrumentalização do assunto. Não é que a identidade étnico-regional constitua um problema de princípio. Folclore não é má coisa, com efeito, associações como Nguiana ou Naturais da Zambézia são, pela diversidade que representam, uma condição essencial da moçambicanidade.
Penso ter colocado os dois pontos de vista de forma equilibrada. Continuo a pensar que o assunto é algo artificial, mas precisa de ser discutido. Julgo, porém, que a discussão tem que ter em conta alguns critérios fundamentais. Os ingleses têm um ditado segundo o qual não se deve concertar o que não está estragado. Nesse sentido, falta à este debate sobre as assimetrias regionais e étnicas uma exposição clara do que está estragado. Qual é o problema? Há, como assevera Florentino Dick Kassotche, exclusão social com base étnico-regional em detrimento do norte e centro e de todas as etnias dessas regiões? O que significa essa exclusão social? Que quando se é do norte ou centro, se é macua ou ajaua se é mais propenso a viver na pobreza, a decidir menos politicamente, enfim, a levar uma vida de enteado desta nação? O inverso, já agora, seria verdade? Se se é do sul ou pertencente a uma etnia dessa região é-se mais propenso a viver em menos pobreza, a participar mais nos processos decisórios, enfim, a ser o verdadeiro filho de Moçambique?
O que o novo presidente pode fazer é, talvez, insistir na necessidade de saber em que medida as assimetrias regionais e o facto de os chefes de Estado serem todos oriundos do sul constitui um problema. Até aqui a discussão sobre este assunto tem sido pouco produtiva. Baseia-se simplesmente em palpites informados pela situação existencial de quem gostaria de discutir o assunto. Isso é muito pouco para a formação duma maior coerência nacional.

Monday, February 14, 2005

Roubei do maschamba este bocadinho de uma fotografia. Reparem no nome do patrocinador a esquerda do cartaz.: Posted by Hello

Sunday, February 13, 2005

Diáspora

De Paulo Azevedo, se bem entendo um moçambicano a viver no Reino Unido, recebi um comentário a respeito da integração dos moçambicanos na diáspora. Aqui vai:


Quando era puto vivia numa urbe cheia de alegria e muita dinâmica social.
Ouvia sempre falar de turras e que ai vêm os russos. Coisa que não tardei a ver e compreender , pois a independência bateu à porta e o jubilo foi tanto. Até recordo haver chorado. Não sabia porquê mas o certo é que hoje sinto orgulho das tais lagrimas. Pelo chão ficaram o meu amor e paixão por Moçambique.
Hoje aqui, longe do meu coração, que deixei enterrado algures na mãe Pátria, revivo os triste anos após a independência com muito desdém de tudo .
Uma das coisas é a liberdade de expressão. Como ela foi-nos proibida e como ela foi manipulada. Hoje, martirizados pela intimidação pelo que "disse e deixou de dizer " muitas perguntas há por fazer. Mas será que vale a pena?
Ideias e debate acho um copo de água onde todo tipo de liquido cabe , embora reconheça o seu valor ético e moral . Mas não sendo a água benta do pluralismo da liberdade de expressão.

A diáspora

Hoje em dia vivem muitos moçambicanos fora das fronteiras nacionais. Com o alargamento do direito de voto a eles, deu-se um passo importante na sua inclusão nos assuntos da terra. É tão alta a consideração que por eles se nutre que até são chamados “moçambicanos na diáspora”.
Pois, a diaspora........... outro contexto outra querela. Diz-se inclusão, qual coisa qual ela !
Inclusão de quem? Os deportados por inconveniências políticas ou os que vivem na diáspora sob a efígie da realeza governativa?
Visitei Portugal e a África do Sul no período pós-eleições deste ano e lá anda uma pergunta no ar: QUEM FORAM OS QUE VOTARAM E ONDE FORAM VOTAR ?
Bem , o mesmo na tuga, em Londres, Havana ,Moscovo, Madrid ou nos States.
Será mesmo que nós, a diáspora, temos lugar no novo contexto ou é uma fantasia de fazer desenho para agradar o alheio?
A avó Nicha foi deportada para a tuga porque nunca concordou com dizer "VIVA A FRELIMO". Mas quando ouviu que os moçambicanos em Portugal podiam votar, ela lá foi, com todos os sacrifícios, desde os do transporte, até ao Porto. Procurou saber onde registar-se e acabou indo a Lisboa. Chegada lá o desgosto foi tanto quando lhe disseram que quem podia votar era malta estudante e os que tinham emigrado para a tuga há menos de três anos. Para alem disso ela já era passado.
Então e eu , que ando nestas paragens ...fiquei fora. Pois:
“alargamento do direito de voto a eles”... “deu-se um passo importante na sua inclusão nos assuntos da terra”. Que passo importante? Talvez mais importante é ser aceite pelos alheios que pelos nossos.
Bem , Elisio Macamo ou Olivia Faife podem ler o seguinte e reinterpretar as duas faces da diáspora hoje!

“Nós, portanto os moçambicanos que se encontram fora do país actualmente, somos aquilo que na Europa chamam de “refugiados económicos” ou que a indústria do desenvolvimento considera manifestação de “fuga de cérebros”. Embora por razões mais do que óbvias prefira a segunda designação, ambas são profundamente problemáticas”

Pois quem é a diáspora ,nós ou os representantes da corte governativa
(filhos , diplomatas e os amigos de conveniência)?

Presente & futuro

Adivinhar é coisa difícil de fazer. Recordo há algum tempo o FRENANDO GIL ter perguntado a alguém no forum do site : www.maputo.co.mz se antes como era possível um tal proclamar a victória do Guebuza.
Bem, que era verdade era , e já é realidade. Portanto será que há necessidade de fazer eleições nos próximos cinco anos? Marcelino dos Santos já anda aí dizendo: “o Partido é que decide”. Então já fica o recado que Afonso Dlakama é um elemento da Frelimo e a Renamo é tambem criação da mesma.
Ora vejamos , eu sou burro em matemática , mas essa de 1+1 = 30%, disculpem mas ninguém engole. É difícil ,mesmo que tenha que ir à escola dia e noite. Há quem prefere esquecer o futuro ,embora sabendo estar aí a porta.
Há dias um indivíduo perguntou-me quem eram Mário Araújo, Numburete, Linet, B. Pequenino , Devis Simango... enfim, uma lista deles.
A minha resposta foi única : São filhos de Deus.
Simplesmente, porquê essa resposta?

CUBA 1990

A História é mãe de muitas barbaridades e uma delas é o principio e o fim do Instituto Moçambicano, na Tanzania, coisa que voltou –se a repetir na minha pele, e de muitos outros moçambicanos hoje encurralados na desgraça em Cuba, nos fins de 1990.
Muito pouco sabe-se desde o Dezembro vermelho que estremeceu a diplomacia moçambicana e a hoste cubana.
Portanto, os tais acima mencionados são mesmo filhos de Deus e nós os esquecidos por Deus.
Aqui ficam marcas de uma verdade, como também foi o Instituto de Moçambique.
Porque milhares estudaram a ideologia da hoste , mas não a comungam.
Então quem comungará?

Wednesday, February 09, 2005

A diáspora

Continuo hoje a trazer para o blog a série de artigos que Elisio Macamo publicou no Notícias, sob o título comum: O Que a Campanha não Discutiu.
Hoje o tema é a integração dos moçambicanos na diáspora, questão a que o autor é sensível, sendo ele próprio um moçambicano a viver na Alemanha:

(8) Integrar a diáspora

Quem não viaja vai casar com a própria irmã. Este é um ditado xangan que se refere aos que ficam presos à sua aldeia natal e não sentem a necessidade de descobrir o mundo. O sentido não é literal. O ditado quer, na verdade, dizer que quem não viaja não tem outras referências senão aquilo que já conhece. E isso é pouco. O ditado reflecte também uma forte e longa tradição de contacto externo. Os moçambicanos andam. Há vários séculos. E nessas andanças encontram novas formas de viver, de se comportar, de ver o mundo que trazem de volta para a terra natal e lá domesticam. Há anos o meu coração derreteu-se numa zona recôndita da província de Gaza quando deparei com uma barraca com as seguintes inscrições “Take Away Macamo”.
Moçambique foi feito por gente que anda. O sul, o centro e o norte do País são impensáveis sem a história da migração de trabalho. A nossa libertação é impensável sem o papel dos que atravessaram fronteiras. A contestação do tipo de libertação que tivemos é impensável sem o papel dos que se deixaram ficar no exterior. Somos um povo em marcha. Na verdade, vistas as coisas neste prisma é difícil perceber porque nos anos oitenta no aparelho do Estado se impunha a “experiência de viagens” como condição para fazer parte duma delegação para o exterior. O que define um moçambicano é justamente a viagem.
Hoje em dia vivem muitos moçambicanos fora das fronteiras nacionais. Com o alargamento do direito de voto a eles deu-se um passo importante na sua inclusão nos assuntos da terra. É tão alta a consideração que por eles se nutre que até são chamados “moçambicanos na diáspora”. Esta metáfora é interessante, apesar de que o seu significado provavelmente ande perdido por aí. A palavra “diáspora” vem do grego e refere-se à qualidade do que se espalha. Foi empregue para descrever o destino do povo judeu que se espalhou pelo mundo fora e ficou condenado a viver como minoria. Os próprios judeus deram ao termo um significado emocional ainda mais forte. Viver na diáspora fazia parte dum destino traçado “das alturas”, para parafrasear um autor moçambicano, pelo qual todos os judeus deviam passar para poderem merecer o estatuto de “povo eleito”.
A história dos judeus está prenhe de metáforas profundas para os africanos. Não admira, por exemplo, que os descendentes de escravos africanos levados para as Américas tenham usado esta linguagem da diáspora para dar sentido ao seu sofrimento. Os que regressaram nos meados do século XIX para fundar a Libéria e a Serra Leoa, interpretaram a escravatura como um acto providencial ordenado por Deus. Eles tinham sido eleitos para trazer a redenção ao seu povo. Não era sofrimento de borla, fazia sentido. Daí também a forte atracção que teologias como a dos Rastafari exercem sobre muitos. Estes também vêem no destino dos povos africanos uma promessa divina cujo desfecho será a terra prometida.
Insisto na etimologia da palavra “diáspora” para forçar a ideia de que o conceito é muito mais profundo do que o seu uso descuidado no nosso quotidiano sugere. A diáspora é uma comunidade moral que se identifica profundamente com o seu povo e com o seu lugar de origem. O seu exílio é apenas uma estação na longa marcha pela redenção do seu povo. Neste sentido, só num sentido verdadeiramente metafórico é que os moçambicanos fora do País podem ser considerados de diáspora. Mais próximo do verdadeiro significado deste termo foi talvez a condição dos moçambicanos que abandonaram o País para lutar pela sua liberdade. Nós, portanto os moçambicanos que se encontram fora do País actualmente, somos aquilo que na Europa chamam de “refugiados económicos” ou que a indústria do desenvolvimento considera manifestação de “fuga de cérebros”. Embora por razões mais do que óbvias prefira a segunda designação, ambas são profundamente problemáticas.
Refugiados económicos sugere a ideia de que os não-europeus que procuram fixar residência na Europa não têm outra razão senão a fuga às más condições de vida nos seus países de origem. É uma atitude tipicamente europeia, sobretudo quando tomamos em consideração o facto de que desde o século XV que a história de África é determinada por refugiados económicos europeus. Fuga de cérebros é apenas um erro de argumentação. Parte-se do princípio algo enigmático segundo o qual se os africanos formados que vivem além fronteiras tivessem ficado nos seus países de origem teriam sido melhor aproveitados. O atraso africano não se deve apenas à falta de quadros; é também devido ao mau aproveitamento dos quadros existentes.
Israel, o País que detém os direitos de autor sobre o conceito de “diáspora”, é um exemplo daquilo que as comunidades imigrantes podem ser para o nosso País. Se não houvesse tanto judeu fora do País apostado em dar o seu melhor pelo seu próprio povo, Israel não seria o que é hoje. Israel já há muito teria sido esmagado pelo despeito árabe. A diáspora é um ganho para quem sabe a usar. Durante a viagem que fez à Alemanha dois meses antes das eleições o presidente incumbido, Armando Guebuza, pediu ao empresariado alemão para ajudar na integração da “diáspora” moçambicana. Algumas coisas já estão a ser feitas neste sentido. O mais importante, contudo, é que dentro do País se discuta uma política clara e consequente de como vincular de forma institucional mais forte a nossa diáspora para que contribua ainda mais para o fomento da nossa terra.

Monday, February 07, 2005

Subsidios à economia?

Numa altura em que o novo governo Aponta como sua prioridade o combate à pobreza absoluta, G. Muthisse defende uma política de subsídios à economia, embora necessitando de ser praticada com equilibrio e algumas precauções.
Penso que o artigo abre interessantes portas de pensamento:

Os Subsídios e a Competitividade

O apoio dos governos às empresas nacionais, na forma de subsídios ou não, não pode deixar de estar na ordem do dia dada a incipiência dos sistemas financeiros de países como o nosso e devido ainda à situação de descapitalização crónica em que se encontra a esmagadora maioria dos empresários. Existirá alguma compatibilidade entre a concessão de subsídios e o esforço que se requer dos industriais, no sentido de identificarem e mobilizarem as reservas internas de produtividade dos seus empreendimentos? Como salvaguardar os interesses das camadas que acabam “subsidiando” as empresas dada a fraca capacidade dos nossos Estados para assumir esse papel?

Por: Gabriel S. Muthisse

A assistência que os países desenvolvidos têm dado às suas agriculturas, na forma de subsídios, alcança vários biliões de dólares. Em países pobres como o nosso é comum ouvir empresários a reclamarem com alguma insistência daquilo a que eles consideram falta de apoio do governo. Embora, quase sempre, não se elabore por aí alêm quanto ao conteúdo do apoio reclamado, fica sempre na ideia de qualquer pessoa que, se não se circunscreve apenas aos subsídios, não os exclui porêm.

É sabido que as tarifas têm sido, historicamente, a mais importante via de impôr barreiras comerciais que os países utilizaram ao longo dos tempos. Porêm, à medida que, por via de negociações bilaterais ou multilaterais, as tarifas se vão reduzindo, a importância das barreiras não tarifárias tem crescido substancialmente. Os subsídios à exportação integram este último conjunto de barreiras.

A abordagem e o quadro de subsídios não é comum entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. Nos primeiros os subsídios à exportação tomam a primazia. Estes subsídios assumem, cada vez mais raramente, a forma de pagamentos directos às empresas devido ao facto de serem contrários aos acordos internacionais. Assim, muitas nações dão estes subsídios em forma disfarçada, embora em alguns casos nem tanto. Eles se destinam a proteger o rendimento dos produtores e operários desses países desenvolvidos da erosão derivada da competição com produtos mais baratos.

Os financiamentos com taxas de juro bonificadas que alguns países exportadores dão aos compradores externos para financiarem as compras de seus produtos são um exemplo desses subsídios, os quais podem ser medidos pela diferença entre o juro que as nações importadoras haveriam de ter pago num crédito comercial e aquilo que efectivamente pagaram numa taxa bonificada. Noutros casos, os países industrializados estimulam suas exportações através de isensões ou reduções nos impostos devidos por rendimentos provenientes das exportações.

O subsídio à exportação constitui pois uma das formas de restrição comercial, sendo apresentado como um meio de proteger o emprego doméstico dos países industrializados da competição da mão-de-obra mais barata localizada nos países de periferia. Para o caso dos países desenvolvidos este argumento é falacioso na medida em que mesmo que a sua mão-de-obra seja mais cara, a sua competitividade continuaria salvaguardada pela incomparável produtividade do trabalho, que é suficientemente alta nesses países. De referir que a falência da agricultura moçambicana, incluindo a de commodities como o algodão, o açúcar, e outras, que outrora foram relativamente competitivas, pode, em parte, ser explicada por este fenómeno. O impacto desse subsídio nas nossas exportações é no mínimo desastroso, nomeadamente para a viabilidade económica do país. Com efeito a redução cada vez maior da capacidade de exportação do país tem implicações óbvias na viabilidade económica das empresas nacionais, nos elevados índices de desemprego, na capacidade do país de ampliar e manter suas infra-estruturas e, em geral, no rendimento dos seus cidadão. O mesmo se pode dizer da perda de competitividade da indústria textil e de confeções que levou à falência de empresas como a Texlom, Textáfrica e outras e o subsequente desemprego de vários moçambicanos.

O argumento de que é necessário proteger a mão-de-obra local contra a mão-de-obra mais barata que os países industrializados apresentam para subsidiar suas agriculturas e outros produtos que usam mão-de-obra intensiva, é ainda falacioso por ser contrário à lei da vantagem comparativa (que esses países insistem em impingi-la às nações subdesenvolvidas), a qual ensina que os indivíduos ou os países devem especializar-se na produção e venda das mercadorias que conseguem produzir a um custo relativamente baixo. Semelhantemente um indivíduo ou país deveria comprar, em vez de produzir, os bens que só consegue produzir a um custo relativamente elevado. Assim, mesmo que uma nação seja menos eficiente do que a outra na produção dos bens a comercializar, continuaria a haver bases para trocas comerciais mutuamente vantajosas. As nações se especializariam na produção e exportação dos bens nos quais a sua desvantagem absoluta é menor e importariam as mercadorias nas quais sua desvantagem absoluta é maior.

A opção dos países subdesenvolvidos pelos subsídios tem a ver, em muitos casos, com a necessidade de estimular a sua indústria, urbana ou rural, de substituição das importações. Um argumento para a sua prática seria o de que uma vantagem comparativa potencial que nossos países possam ter num determinado produto poderia ser ofuscada devido a questões de know-how, e à auséncia de economias de escala numa primeira fase, consubstanciada em baixos níveis de produção. Nestas condições, o produto careceria de condições para uma competição com sucesso no mercado internacional.

A indústria ligeira e alimentar para o caso moçambicano seria um exemplo de tentativas de estabelecimento de um sector que contribuisse para a substituição de importações dada a existência de potenciais vantagens comparativas derivadas da característica intrínseca dessa indústria, nomeadamente a possibilidade de estrutura-la com base no uso intensivo de mão-de-obra. Argumenta-se que medidas proteccionistas temporárias seriam necessárias para estabelecer essa indústria ou produto durante a fase inicial até que possa competir externamente, alcançar economias de escala e reflectir a real vantagem comparativa do país.

Só que nos nossos países os subsídios podem tender a substituir um trabalho de maior profundidade, orientado no sentido de quantificar e procurar resolver as reais causas de perda ou falta de produtividade que ocorrem nas indústrias nascentes e não só. Muitas vezes os industriais minimizam o efeito de não se cuidar adequadamente do ambiente em que os seus empreendimentos irão operar, com realce para questões como o quadro institucional, a auséncia de especialização horizontal e consequente não geração de sinergias e de externalidades. Poderão ainda não estar a prestar a atenção requerida a aspectos como a capacidade técnica de gestão e o nível de produtividade/tarefa na força de trabalho. Todas estas questões são, frequentemente, fontes de desvio em relação às boas práticas e são os factores básicos de perdas significativas de produtividade das empresas.

Conforme se vê, diferentemente dos países industrializados, o que implicitamente se reclama em Moçambique e noutros países subdesenvolvidos não é um subsídio à exportação e não é uma restrição comercial directa. É sim um subsídio à produção que sómente pode ser justificado pelo facto de os mercados de capitais não funcionarem adequadamente.

Outra grande diferença é que, enquanto os paíse industrializados podem, com mais ou menos dificuldades, accionar o mecanismo dos subsídios através dos seus sistemas de finanças públicas, países como Moçambique não dispõem de receitas públicas suficientes, susceptíveis de serem canalizadas para um programa sério e equilibrado de apoio às suas indústrias e agriculturas de substituição das importações e/ou de exportação.

Esta última diferença é crucial para se entender os contornos que a protecção da indústria toma nos nossos países. A reclamação dos industriais moçambicanos do caju, no sentido de o governo desliberalizar o comércio da castanha em bruto, pode ser apresentada como o paradigma do tipo de “subsídios” exigidos pelos empresários, porque os únicos possíveis. Com efeito, na impossibilidade de Estados como o nosso desembolsarem valores dos orçamentos públicos para proteger suas economias incompetitivas, os “subsídios” acabam por ser concedidos pelos camponeses ao venderem a matéria prima que eles produzem abaixo do seu valor real (de mercado). O caso do caju apresentado como exemplo pode ser encontrado também no algodão, nos camponeses produtores de cana de açúcar em regime de concessão, nas matérias primas para as agro-indústrias,etc. Os pacotes salariais que vigoram nos nossos países são, muitas das vezes, algumas das formas de subsidiar indústrias que, de outro modo, seriam insusceptíveis de competir no mercado mundial, ou seja, acabariam por falir.

Estas são as formas de “subsídio” que existem nos nossos países e que, por serem encobertas, acabam passando despercebidas aos industriais e outros agentes económicos que delas beneficiam.

Não se pode negar a importáncia que os diferentes tipos de subsídio podem ter na viabilização de indústrias e produtos nascentes. O que carece de correcção é a tendência de transformar uma medida económica que poderia ser justificável se considerada no curto prazo, num modo de viabilização permanente dessas indústrias e produtos. Pegando o exemplo do caju em Moçambique, podemos referir que a compra da matéria prima a preços baixos aos camponeses não deveria ser a única forma de sobrevivência da indústria de processamento do caju, nem essa prática se deve manter no longo prazo. Os industriais de todas as áreas terão, complementarmente, que identificar e mobilizar as enormes reservas internas de produtividade. Adicionalmente, o papel do Estado na viabilização das empresas deverá ser reforçado, nomeadamente na manutenção e ampliação das infra-estruturas, no investimento público em capital humano e no estabelecimento de um quadro institucional adequado para um pleno exercício de actividades económicas privadas.

Aliás, qualquer medida de protecção de uma indústria ou produto não deveria resultar da capacidade de lobbying de qualquer grupo mas sim de um processo sério de negociação, no qual ficasse claro para todos o seguinte: Qual é o montante de subsídios que é necessário para essa indústria? Quanto tempo de protecção é requerido? Donde é que provirão os recursos para a protecção? Quais as contrapartidas para o grupo que sofre com a protecção e quando seriam pagas?

De outro modo, os grupos melhor organizados e mais articulados acabariam passando os custos de ineficiência das suas indústrias ou produtos para os grupos mais dispersos e frágeis. É importante referir que, por os industriais e outros agentes económicos serem em número relativamente reduzido e , em simultâneo, serem também os que mais ganham com qualquer forma de protecção, acabam tendo um forte incentivo para exercer lobbies junto dos governos a favor de medidas proteccionistas. Por outro lado, em virtude de que os custos de protecção são distribuidos por um grande, difuso e disperso número de camponeses e consumidores no geral, é pouco provável que estes se juntem para resistir organizadamente contra as medidas restritivas.

Advogamos pois um processo de concertação económica que envolva todas as partes envolvidas, orientada para o alcance de um substancial grau de harmonia política e cometimento em relação a objectivos partilhados, sempre que as políticas ou decisões a adoptar tenham efeitos negativos em alguma dessas partes.

Saturday, February 05, 2005

Cidadania

A Olivia Faife mandou um texto que, embora longo, merece ser lido e pensado. Fala-nos do que é a cidadania moçambicana, com base no nosso percurso histórico. Leiam aqui abaixo:

MOÇAMBIQUE: AS METAMORFOSES DA CIDADANIA OU EM BUSCA DE UMA CIDADANIA? [1]

Olívia Maria Faite*

“O que se passa, e isso parece inevitável, é que estamos criando cidadanias diversas dentro de Moçambique” (Mia Couto).

1. Introdução
Falar de cidadania em Moçambique significa rebuscar inúmeros aspectos da história de um País do século XX e tentar condensá-los para justificar o conceito, sendo assim, não se mostra tarefa fácil e muito menos algo que possa ser esgotado numa reflexão apenas, contudo, a necessidade de abrir esta página, e tentar entender o real significado de cidadania em Moçambique apresentam-se-nos algo irresistível, devido aos conturbados momentos que marcam o quotidiano moçambicano.
Este artigo procura de forma resumida reflectir sobre o tipo de cidadania que se foi construindo e, para sustentar a nossa argumentação, baseamo-nos nalguns factos da história de Moçambique. Não se trata, porém, de uma análise aprofundada, uma vez que a mesma requereria maior espaço e tempo. Mesmo assim, não pretendemos furtar-nos a um debate que se têm tornado cada vez mais premente.
Ao invés de descrever detalhadamente o estado da arte sobre o conceito de cidadania e suas tipologias, apresentaremos o conceito de cidadania cunhado por Marshall, a tipologia adotada por Turner, as contribuições de Rosário e, Murilo de Carvalho.
Apesar dos estudos de Marshall terem um cunho etnocentrista, por ter generalizado a sua análise com base no caso inglês, o seu esquema interpretativo é ainda considerado relevante para muitos enfoques sobre cidadania, por ter contribuído grandemente para o avanço na discussão teórica e nos estudos históricos sobre cidadania. Por essa razão resolvemos trazer a sua abordagem.
Marshall (1967:66) divide o conceito de cidadania em três partes ou elementos, que são: o civil, o político e o social. O primeiro composto pelos direitos à liberdade individual-liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça; o segundo constituído pelo direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo e o terceiro e último se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar económico e segurança ao direito de participar por completo na herança social e levar a vida de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade.
Rosário (1994:62) acrescenta ao conceito de cidadania a dimensão psicológica que, segundo ele, “permite ao indivíduo considerar-se membro da sua cidade, saber quem é e o que deve fazer e ainda que lugar ocupa”.
Portanto o conceito de cidadania usado para a nossa reflexão será resultante de uma combinação do conceito de Marshall e o acréscimo de Rosário.
Turner (1990) define duas tradições de cidadania: a passiva (que é o resultado da obtenção da mesma, via Estado) onde o Estado gere o espaço público, mantém a iniciativa de mudança e vai incorporando aos poucos os cidadãos à medida que vai ampliando os seus direitos, e a activa (que é a obtenção da mesma como resultado de uma luta pelos direitos civis, políticos e sociais) [2]
Buscando um exemplo, que de certa forma se aproxima de Moçambique, teríamos o caso da cidadania brasileira. Nas palavras de Murilo de Carvalho (1996:340) “nossa tradição oitocentista está mais próxima de um estilo de cidadania construída de cima para baixo, em que predominaria a cultura política súbdita, quando não a paroquial”. Carvalho faz uma incursão pelos primórdios da história brasileira e mostra como a ditadura militar no seu país contribuiu para que se criasse uma cidadania passiva, onde o brasileiro se tem mostrado cada vez mais passivo e, constitui-se como actor social com base nas demandas estaduais.

2. A cidadania em Moçambique

Sendo Moçambique um país resultado da dominação colonial portuguesa, a diversidade étnica é algo conflituoso, de tal forma que os moçambicanos transfronteiriços vivem quase sempre num dilema, pois acabam não sabendo a que realidades efectivamente pertencem, por partilharem com os cidadãos dos países vizinhos não só a mesma língua, como também a mesma cultura.
Apesar dos inúmeros e sobejamente conhecidos percalços constatados quando se procura enquadrar uma determinada teoria a um caso totalmente diferenciado, tentaremos harmonizar o caso moçambicano numa das tipologias Turnianas e, nesse ponto, a contenda seria: que tipo de cidadania foi construída em Moçambique? Passiva ou activa? Será que lutamos para nos tornarmos cidadãos ou somos cidadãos estado-cêntricos?
Partimos da seguinte premissa: factores convergentes contribuíram para que, em Moçambique, se criasse uma cidadania passiva, via Estado. Para melhor defendermos a nossa postura adoptámos uma cronologia provavelmente conflituosa. Entenda-se que não se trata aqui de criar balizas cronológicas definitivas. Consideramos apenas algumas etapas que melhor se enquadrariam à nossa reflexão. Eis os factos:

I. De finais do século XIX [3] até ao início da luta armada em 1964. (período colonial)

· A principal característica deste período seria o início da ocupação efectiva de Moçambique pelos portugueses, como marco inicial. O marco final seria o início da luta armada.

De um modo geral, nesta fase ser cidadão significava ser assimilado, isto é saber falar português, saber sentar-se à mesa, ter o IVº nível de escolaridade, etc. Muito embora a maior parte da população não reunisse esses requisitos o governo colonial apenas considerava cidadãos os assimilados. Os demais ainda eram considerados indígenas. [4]
Parte significativa destes assimilados acabou sendo a precursora da revolução moçambicana, em vários sentidos (social, político e cultural). Daí que a eles se delegue a paternidade da cidadania moçambicana. [5] Naturalmente que neste período a cidadania estava vinculada aos propósitos da administração colonial.


II.De 1964 a 1975

Com a criação da Frelimo [6] (1962) e o início da luta armada (1964), os indígenas e alguns assimilados, pela primeira vez, tiveram a oportunidade de comungar os mesmos ideais, lutando por uma causa comum, na esperança de poderem viver num país livre e sentirem-se cidadãos em toda a sua plenitude. Houve aqui uma mudança significativa onde os indígenas tiveram que aceitar uma entidade abstracta, a pátria, como objecto de lealdade suprema, acima da família e de outros grupos primários. Este já era um ingrediente mais do que crucial para a criação da cidadania. A Frelimo era, para os indígenas (de ora em diante moçambicanos), o seu representante único e legítimo, o aglutinador de todas as aspirações e vontades, enfim o único veículo para a obtenção da cidadania. O surgimento de um inimigo comum despertou sentimentos de patriotismo nunca antes vistos. Não se questionava aqui o que era ser cidadão, quais os direitos e deveres, mas a pátria acima de tudo.

III.De 1975 a 1986.

Quando o país se tornou independente em 1975, a Frelimo declarou, como prioridades: a eliminação dos vestígios coloniais, das formas de poder tradicional, que passaram a ser consideradas supersticiosas [7] e a formação do homem novo com base numa orientação socialista.
A formação do homem novo não ocorreu de forma pacífica, como a Frelimo almejava, de modo que alguns moçambicanos dissidentes [8] revoltaram-se e formaram a Renamo [9], que desencadeou uma guerra civil que durou dezasseis anos (1976-1992). A guerra civil significou uma ruptura com o sentido de cidadania que havia despontado apenas como um esboço. Nesta altura passaram a existir cidadãos dentro do horizonte da Frelimo e outros que, sendo moçambicanos, reivindicavam a sua cidadania pela força das armas. Houve aqui uma fissura e os moçambicanos que se encontravam dentro do território controlado pela Frelimo, sentiam-se cidadãos de acordo com os ideais da Frelimo. A outra parte constituía uma espécie de não-cidadãos.
Note-se que os moçambicanos que nós consideramos cidadãos, não eram automaticamente pró-frelimistas, mas por motivos vários viviam sob a égide da Frelimo, que era o aglutinador e envidava esforços para acabar com a guerra. Após a morte do primeiro Presidente da República, em Outubro de 1986, o discurso da Frelimo toma rumos diferentes e a sua tendência socialista vai esmorecendo.

IV.De 1986 aos nossos dias.

A partir de 1986 a Frelimo passou a agregar nos seus discursos a reintegração das autoridades tradicionais, a abertura de um espaço de diálogo entre as diversas sensibilidades (nesta altura ainda considerava a Renamo como bandidos armados).
Em 1990 entrou em vigor a nova Constituição que reza o direito à participação dos cidadãos na vida política, o direito a livre associação, etc. A nova Constituição foi, para muitos moçambicanos, a grande oportunidade de, pela primeira vez, participarem activamente na vida política, formar grupos de interesse ou, até mesmo, voltar a acreditar num Moçambique onde se pudesse consolidar a democracia. Em 1994, realizaram-se as primeiras eleições livres e multipartidárias. O moçambicano, que não conhecia o voto secreto e directo, sentiu-se livre e simultaneamente desordenado, por confrontar-se com uma nova realidade [10].
Muito provavelmente, para alguns moçambicanos este poderá ter sido um dos grandes momentos de questionamento da sua cidadania enquanto factor psicológico. Isto é, enquanto consciencialização dos seus direitos e deveres. Portanto, a guerra acabou favorecendo a solidificação da cidadania passiva, uma vez que todo o esforço do Estado visava eliminá-la, fazendo, uma vez mais, com que a população partilhasse os ideais comuns, isto é, do fim da guerra como pressuposto para a liberdade e a democracia.

3. Que resultados?
Analisando os quatro momentos podemos notar que em Moçambique a cidadania foi construída de cima para baixo, isto é, foi construída uma cidadania passiva e/ou estado-cêntrica. Tal passividade resulta de vários factores. Entre eles: a delimitação das fronteiras (imposta pelo Estado colonial); o período da revolução socialista, onde o processo de construção da nação foi através da submissão da população ao Estado; o facto de a Frelimo ter agido numa lógica de partido único, no qual a manifestação do movimento social, na sua diversidade, era inaceitável; a crença numa ”revolução” [11] do Estado, que se transformou no instrumento privilegiado e o lugar de realização da unidade nacional e construção da cidadania. E, por último, a guerra civil que dividiu os moçambicanos, fazendo com que, uma vez mais, o Estado continuasse a dirigir os destinos do País seguindo uma nova realidade, mas criando uma cidadania cada vez mais passiva.

4. Cenário Actual
Com os desafios da globalização ou mundialização, como alguns pretendem designar, nos quais os países em vias de desenvolvimento se vão tornando cada vez mais periféricos, a classe burguesa em formação, busca o Estado para o atendimento dos seus interesses privados e a classe média e baixa equaciona a questão da cidadania apenas como uma vontade do Estado. Apesar de existir integridade territorial ela não garante a coesão nacional, que passa pelo respeito e aceitação da diversidade étnica, cultural, religiosa e linguística.
É necessário que desapareça o sentimento de exclusão que vai surgindo no país em que um dos sinais evidentes é a criação de várias associações de amigos e naturais de todos os pontos do país. O que se verifica é que quiçá apenas nesses locais alguns moçambicanos se sentem cidadãos e construtores da cidadania.
Será que continuamos em busca da nossa cidadania ou já a edificámos? Em que medida o moçambicano do norte do país, se sente tão cidadão quanto o do sul?
Não quisemos aqui concluir que não existe reacção popular às iniciativas governamentais, mas sim mostrar que até mesmo o desenvolvimento de tais acções, ou atitudes contestatórias têm sempre o viés da aquisição da nossa cidadania. Portanto a via estado-cêntrica é intrínseca ao desenvolvimento da nossa história cidadã.
Quando se questiona a falta de agressividade do cidadão perante os inúmeros acontecimentos do quotidiano, uma das respostas que se pode dar é que tal atitude seria, sem dúvida, resultado do nosso percurso, que acabou contribuindo para a criação de uma cidadania súbdita e, às vezes, paroquial. Dai a inferência de termos desenvolvido uma estadania. [12]
Sem dúvida que cabe a nós lutar por uma verdadeira cidadania como contraposição à estadania construída.
Claro que se pode questionar, como é que um povo, que se rebelou e lutou pela independência do seu país, pode ter constituído uma cidadania passiva? Ou como é que um povo que, mesmo durante o período colonial, de manifestava organizando greves, pode ter adquirido a cidadania via Estado? O que aconteceu na verdade foi que todas essas conquistas foram reivindicadas e aglutinadas num Estado que, com o decorrer do tempo foi favorecendo algumas elites transformado-se num Estado elitista e clientelista, como resultado da adopção da via socialista. E como o socialismo concentra uma burocracia complexa, que segundo Weber (2000), após a sua instalação está entre as formas mais difíceis de destruir, o que agora vivemos não é nada mais do que apanágio do nosso percurso.

Friday, February 04, 2005

Política de trabalho

Agora que temos um novo governo, com novos responsaveis da área do trabalho, este texto de Elisio Macamo ( da série: O Que a Campanha não Discutiu) tem bastante actualidade:



(7) Repensar a política de trabalho

“Muluki a pfumala lihlelo” (a pessoa que faz cestos não tem peneira), “Muvatli a nga na xitulu” (o escultor não tem cadeira), diz-se em xangan. Um dos maiores empreendimentos económicos do País está orçado em mais de 2 bilhões de dólares americanos. Emprega cerca de 200 pessoas, um terço ou mesmo metade das quais são estrangeiras. Muito pouco. O jornal Zambeze publicou no início deste ano uma reportagem que dava conta da pobreza em que viviam os habitantes duma ilha em Inhambane que conseguiu atrair duas grandes instâncias turísticas. Um refresco custava quase 30 mil meticais e uma média de cerveja 75 mil. Não tem posto de saúde, a escola está mal apetrechada, as pessoas vegetam. Os investimentos pioraram a situação das populações.
Estamos sentados sobre riquezas, mas passamos mal. Somos como os profissionais aludidos pelos ditados xangan acima mencionamos.
Um outro ditado xangan diz que quanto maior for a área da machamba cultivada, maior será a superfície por sachar. Em Moçambique há uma atitude algo curiosa de partir do princípio de que o único que é necessário para que o País se desenvolva é simplesmente atrair o investimento estrangeiro. Tudo o resto se seguirá. Basta um grande projecto aqui, um investimento acolá para que, magicamente, as condições de vida da população melhorem substancialmente. Não é uma atitude generalizada, tanto mais que as pessoas que procuram atrair o investimento parece terem consciência de que o trabalho não termina com a assinatura do acordo de investimento, mas sim começa justamente aí. Atrair investimentos é, acima de tudo, atrair trabalho.
Porque é que somos incapazes de tirar proveito dos investimentos? E porque é que poucos se preocupam publicamente com o facto de grandes projectos orçados em milhões de dólares trazerem tão pouco ao homem da rua? Porque não existe entre nós o hábito – porque não, a cultura – de medir a utilidade dum investimento não só pelos lucros que são transferidos para o exterior, mas pelo impacto que esse investimento tem no perfil socio-económico duma comunidade? Qual é a utilidade de instâncias turísticas de luxo que tornam mais precária a existência das pessoas? Que mal fizeram os ilhéus mencionados no artigo do jornal Zambeze para merecerem um destino daqueles?
Não tenho solução para este problema. Tenho apenas um palpite que merece uma maior atenção do que tem sido o caso no nosso País. É o uso e aproveitamento dos recursos humanos nacionais. Não me refiro à necessidade de dar prioridade a quadros nacionais em detrimento dos estrangeiros. Precisamos de todas as mãos que nos possam ajudar a domesticar o progresso. O único critério deve ser a competência técnica, independentemente da origem, cor da pele, etnia, religião ou filiação partidária. Não é, portanto, dum tratamento preferencial que os moçambicanos precisam, mas sim da capacidade técnica para competirem no mercado de trabalho e no aproveitamento de oportunidades de negócios.
Durante muito tempo acreditámos que dispúnhamos de vantagem no mercado internacional de investimentos pelo simples facto de sermos um País pobre. A ideia era de que por sermos pobres a nossa mão de obra era barata e que isso, por sua vez, era razão mais do que suficiente para influenciar a decisão dum investidor a nosso favor. A fórmula era um pouco assim: recursos naturais+mão de obra barata+facilidades fiscais= investimentos e progresso. É verdade que nos últimos tempos conseguimos atrair grandes investimentos. Contudo, por detrás desses investimentos não está esta fórmula. A MOZAL veio mais por causa do porto e das dificuldades de se instalar noutros sítios por razões ambientais; A SASOL veio por causa do gáz natural de Pande e não por causa da mão de obra. Em quase todos os casos o preço da mão de obra é o aspecto menos interessante da decisão de investir em Moçambique. O preço e a qualidade.
As grandes empresas como Nike, DaimlerChrysler, Siemens, General Motors, etc., investem na China, em Taiwan, Coreia do Sul, Malásia, etc. não porque esses países tenham melhores recursos do que nós. Elas investem lá porque esses países têm uma força de trabalho qualificada e capaz de fazer trabalho de boa qualidade. Os nossos operários, artesãos e engenheiros são bons, mas não o suficiente. Moçambique precisa duma política de trabalho virada para a formação profissional e vocacional. A nossa vantagem não está no facto de a nossa mão de obra ser barata. Uma mão de obra pouco qualificada é cara, pois os investidores gastam mais dinheiro corrigindo erros e recuperando perdas de produtividade do que vendendo os seus produtos barato.
Nos anos imediatamente a seguir à independência fez-se, por necessidade, um esforço enorme neste sentido. A necessidade não desapareceu, mas a vontade de continuar a investir na formação parece bastante fraca. É uma pena. Mesmo os tristemente famosos “madjermane” são uma manifestação desse compromisso passado. Perversamente, a incapacidade de os integrar é, para mim, uma clara manifestação da falta de vontade de fazer algo pela qualificação da mão de obra. Nas batalhas campais a que se livraram os “madjermane” e as autoridades não se passeou apenas a insensatez. Passeou-se também a indiferença que mão de obra qualificada causa a quem de direito.
Gente qualificada e apostada a ganhar o seu sustento pelo seu próprio esforço constitui a base para se tirar proveito dos grandes e pequenos investimentos. A nossa história foi feita por trabalhadores; muitos momentos importantes do nosso devir histórico foram determinados pela questão laboral. A política de socialização do campo não encalhou nas tradições culturais africanas, ela encalhou na incapacidade de tomar a sério a grande massa assalariada que mesmo no campo se havia constituído; a guerra da Renamo foi alimentada por jovens sem muitas alternativas. Devíamos aprender a aprender da nossa história, pelo menos isso.

Thursday, February 03, 2005

Uma nova geração

Em Agosto do ano passado escrevi, para a revista MAIS, o texto que se segue, apenas ligeiramente adaptado devido ao tempo que passou entretanto:


UMA NOVA GERAÇÃO

Uma série de fenómenos que vou observando na nossa sociedade me leva a pensar que estamos a atravessar um importante momento de mudança.
De mudança na forma de pensar e agir que regulou a nossa actividade ao longo dos últimos 30 anos, isto é desde o fim da guerra colonial.
E este número de 30 anos não é, na minha opinião, indiferente às mudanças de que falo. Pelo contrário pode ser a razão determinante dessas mudanças. Isto porque começa a chegar hoje às portas do poder toda uma geração de gente que já nasceu depois da independência nacional ou, tendo nascido antes, era demasiado criança para se aperceber do que a rodeava.
Hoje temos já uma camada importante de jovens, com uma preparação académica bastante acima da média nacional, que não viveu o colonialismo. Para quem ser independente é um facto desde que se lembram e que, portanto, dá muito menos importância à luta que foi preciso travar para que essa independência fosse uma realidade.
E, logicamente, dando menos importância à luta dá, também, menos importância ao partido que a conduziu e aos seus dirigentes históricos.
Enquanto a luta armada de libertação foi o culminar de um longo processo de resistência ao colonialismo, o mundo do pós-independência é outra coisa. Mesmo se o tempo de Samora prolongou essa continuidade histórica, através do apoio aos países da zona ainda oprimidos. Mas tudo isso acabou já há muito.
Para esta camada social o que importa é o futuro e as oportunidades que este lhes reserva. Querem conhecer o passado mas não têm, na maior parte dos casos, uma apreciação emocional sobre esse passado, na medida em que não o viveram nem dele foram contemporâneos.
É gente que quer saber o que aconteceu de uma forma racional, sem interpretações ideologizadas de um lado ou do outro. E quer saber, muitas vezes, para avaliar o grau de confiança que pode ter naqueles que, ainda hoje, estào na primeira linha do governo e da oposição. Quer saber do passado para avaliar em quem votar no presente para conseguir um melhor futuro.
É gente que frequentou as universidades e tem um ou mais graus académicos. Gente que vê a forma como são geridas as áreas do poder e pensa que, muito provavelmente, é capaz de fazer melhor do que aquilo que vê.
Para eles os dirigentes “históricos” já não são pessoas admiradas pelo que fizeram mas apenas obstáculos à sua própria subida aos patamares do poder.
E não creio que as principais forças políticas do país estejam a dar a devida importância a esta camada. A esta gente que já não gritou vivas nem abaixos (ou o fez apenas na infância) nem andou no mato às ordens da Renamo. A estes jovens que cresceram nas escolas de todo o país e hoje ocupam já lugares de alguma responsabilidade nas diversas áreas da vida nacional.
Se bem analiso, são pessoas que não se sentem vinculadas a nenhuma das principais formações políticas, mantendo-se, como jovens que são, à espera de algum projecto novo e sério que as possa entusiasmar para uma participação mais activa na vida nacional.
Mas que podem também entrar na idade amarga da desilusão se esse projecto não surgir dentro de uma perspectiva temporal aceitável.
E a verdade é que, após as eleições de Dezembro passado, só voltará a haver possibilidades de uma mudança real, daqui a 5 anos.
Isto se se frustrar a expectativa da Força da Mudança...



Tuesday, February 01, 2005

Socializar o risco

Mais um texto de Elisio Macamo, da série: O Que a Campanha não discutiu. Desta vez sobre a segurança social e áreas à sua volta:

(6) Socializar o risco

Há momentos na nossa vida em que prolifera um certo tipo de espíritos. Chamo a estes espíritos “imprevisíveis” por razões que vão ficar claras ao longo deste artigo. A nossa religião tradicional, pelo menos a do sul de Moçambique, identifica três tipos. Os espíritos naturais, os espíritos dos antepassados e os tais “imprevisíveis” ou, para utilizar a terminologia local, espíritos de “mudhliwa” (do que foi comido”). Os naturais dominam os fenómenos naturais. São eles que decidem quando deve chover ou não; são poucos os magos capazes de os dominar, na verdade, é preciso o concurso de toda a comunidade para influenciar estes espíritos. Cerimónias como “Mbelele” – para afugentar gafanhotos ou mandar vir chuva – apelam a estes espíritos.
Seguem-se os dos antepassados, o grande sonho de cada um de nós. Na nossa religião tradicional quando alguém morre transforma-se num espírito. A vida começa com a morte. Os espíritos dos antepassados é que determinam todos os aspectos da nossa vida. Se tropeçamos e caimos não é porque não vimos o entulho que os carros de lixo do concelho municipal se esqueceram de recolher. É porque um espírito nos empurrou. Eles empurram-nos porque nos querem dizer qualquer coisa. Quando esse tipo de incidentes se multiplica temos que consultar um vidente que vai exorcitar os espíritos dos nossos antepassados. Depois de beberem vinho, coca-cola e fumarem do melhor tabaco que os nossos bolsos podem comprar, esses espíritos vão nos dar instruções sobre o que devemos fazer. Normalmente, temos que cuidar da nossa família, observar certos rituais, etc. Estes espíritos não matam ninguém porque são os nossos avôs, pais, tios, etc. Protegem-nos, sobretudo a tia paterna.
Finalmente temos os espíritos que me interessam hoje. São cantados, por exemplo, por Xidiminguana no seu tema “xikwembu xa mudhliwa”, embora como sempre, com muita ironia e hipérbole. Estes espíritos são responsáveis por tudo quanto corre mal na nossa vida. Trata-se de pessoas que morreram longe dos seus lugares de origem e que se prestam a serviços diversos na esperança de que o cliente depois lhes acompanhe de volta à casa. Pessoas que querem enriquecer, promoção no serviço, sucesso na vida amorosa, etc. podem se servir destes espíritos.
Para o efeito, crê-se que tenham que praticar actos abomináveis tais como manter relações sexuais com os próprios filhos ou irmãos ou mesmo matar parentes. Depois de feito o trabalho, e se o cliente não é capaz de continuar a satisfazer as exigências dos espíritos, estes querem ser levados de volta à casa. Podem não manifestar este desejo durante gerações e, de repente, perturbar uma determinada família. Não é preciso que uma pessoa tenha usado os serviços destes espíritos para ser cobrado. Daí o facto de eu os chamar de “imprevisíveis”.
Muitos de nós, pelo menos no sul de Moçambique, passamos uma boa parte do nosso tempo a acompanhar espíritos de volta à casa. Nos últimos quinze anos o espírito com maior conjuntura é o de “Mungoi” que está presente em quase todas as famílias do sul. Estes espíritos, ao contrário dos outros dois, matam. São perigosos se não se faz a sua vontade. Uma particularidade muito interessante destes espíritos é que costumam ser identificados com gente que por uma razão ou outra é bem sucedida nas coisas que faz. Sobre estas pessoas contam-se as histórias mais bizarras e quanto mais bizarras forem, mais plausíveis são aos ouvidos das pessoas.
Moçambique está a atravessar um momento em que há uma forte predominância destes espíritos. A minha explicação para isso não é de que se regista um aumento substancial nos níveis de irracionalidade entre nós. A minha explicação é funcional. A atracção que estes espíritos exercem sobre nós vem do facto de constituirem uma excelente resposta à precariedade da nossa existência. A nossa vida é dura, imprevisível e quase que isenta de sentido. Os espíritos imprevisíveis ajudam a cada um de nós a explicar o infortúnio individual e a encontrar gente a quem responsabilizar. Todos nós estamos a viver num contexto social moderno, mas na base de referências sociais tradicionais. É um contexto extremamente individualista, mas a nossa resposta a essa condição é a família e a comunidade. O problema, contudo, é que a família e a comunidade, no seu estado original – se é que já existiram assim – não estão disponíveis. Suspeito, inclusivamente, que esta ideia de família alargada seja uma resposta recente às dificuldades actuais. É muito provável que no passado tenha havido uma forte dose de individualismo na nossa conduta que teve que ser abandonada, contudo, como reacção às condições precárias impostas pelo colonialismo. A ideia do colectivismo natural africano pode não ser bem verdade.
As sociedades modernas responderam aos processos de individualização com sistemas de segurança social. Noutros termos, elas socializaram o risco, isto é distribuíram os perigos duma existência precária devido a todo o tipo de infortúnios por toda a sociedade numa base monetária. O risco, numa acepção mais simples, é a probabilidade de algo vir a correr mal. As seguradoras vivem dessa probabilidade. Da mesma maneira, os sistemas de segurança social criam segurança manipulando essa probabilidade. Não reforçaram os laços colectivistas como nós reagimos ao colonialismo, mas sim reinventaram o colectivo na sociedade. É disto que o nosso País precisa, menos de PARPA com a sua visão escatalógica, e maior vínculo político prático entre o indivíduo e o Estado. Repensar o nosso sistema de segurança social seria um importante passo nesse sentido.