GUERRA CONTRA O POVO
O que se passou, na quinta feira passada, em Maputo, foi mais uma batalha da guerra que, há muitos anos, se desenvolve entre a Incompetência, o Deixa-Andar e a Negligência, por um lado, e o Povo Moçambicano pelo outro.
Uma guerra que, até aqui, se desenvolvia ao nível das repartições públicas, do funcionalismo do Estado, e que, de repente, saltou para a praça pública com o seu cortejo de morte, sofrimento e destruição de propriedades.
O que a Renamo nunca conseguiu, nos 16 anos de guerra, conseguiu-o o Ministério da Defesa sem precisar de ter nenhum inimigo pela frente. Com a agravante de terem sido destruidas as linhas de transporte de energia para as províncias de Gaza e Inhambane, que ficaram totalmente às escuras.
Porque o que aconteceu em Maputo não foi uma catástrfe natural, imprevisivel.
O que aconteceu em Maputo já rinha acontecido antes, quer em Maputo quer na Beira. Tinha acontecido, em nível muito menor, em Maputo há menos de dois meses.
E, para além do paleio do costume, ninguém tinha feito nada, o que resultou nesta gigantesca roleta russa em que os projecteis levantavam voo, descontrolados, sem ninguém saber onde iriam parar. E sabendo, pela boca do Ministro da Defesa, que poderiam atingir qualquer lugar num raio de 30 quilómetros.
No Jornal da Manhã, da Rádio Moçambique de 23 de Março, ouvi, estarrecido, o mesmo Ministro a dizer que todo aquele material homicida estava ao ar livre, ao Sol e à chuva.
Será que nunca ninguém explicou ao senhor Tobias Dai que há formas especiais de armazenar explosivos para evitar este tipo de incidentes? Para os isolar uns dos outros impedindo o rebentamento por simpatia de todo o paiol se, por um acidente, um dos projecteis rebentar?
E Tobias Dai não pode dizer que herdou essa situação do governo anterior, dos tempos do deixa-andar. Ele próprio transitou desse tempo para o actual.
Não sei se Tobias Dai foi um bom guerrilheiro na luta contra o colonialismo português. Se calhar, foi.
Mas isso não lhe dá a competência para ser, hoje, Ministro da Defesa, no nosso governo. Administrador de uma área sensivel em que tem que lidar com homens armados e com equipamento letal em grandes quantidades.
O facto de ser cunhado do Presidente da República pode ser importante, em termos de garantir um certa fidelidade das forças armadas ao governo central. Mas não lhe dá a competência para o cargo que ocupa. Sem ter, aparentemente, nenhuma preparação para isso.
E a primeira prova dessa falta de preparação, Tobias Dai deu-a logo na tarde de quinta-feira. Quando falou na Rádio Moçambique, que vinha desde há algum tempo, avisando que se deviam manter as janelas e portas abertas, para evitar as consequências das explosões. O que, até onde sei, é correcto. Mas o senhor Dai aconselhou que, pelo contrário, as pessoas deveriam manter as janelas das suas casas fechadas. Quantos mortos e feridos terão derivado destes palavras de Tobias Dai?
A informação de que toda aquela porcaria mortífera estava ao Sol e à chuva é prova cabal do nível que atingiu a irresponsabilidade, a negligência e a incompetencia entre nós. Que pagámos agora com mortes, mutilações, ferimentos e destruição de bens materiais dse valôr impossivel de calcular. Para não falar já do valor das próprias munições, pagas com os nossos impostos.
Nada do que aconteceu era imprevisivel. Pelo contrário, as explosões de Janeiro anunciavam este desastre.
Agora não adianta vir com desculpas de temperaturas altas. Esse tipo de temperaturas temos todos os anos. Piores do que esta semana. E se se sabe que as temperaturas altas podem provocar este tipo de coisas, é preciso também saber como se pode evitar que isto aconteça. Apesar das temperaturas altas.
O que ninguém imaginava era que houvesse material letal, ao Sol e à chuva, no paiol.
Descobrimo-lo agora, da pior maneira.
E se, am Maputo, é assim que se “armazena” o material de guerra, como será no resto do país?
Mas, apesar de todo este estendal de negligência e incompetência crimonosas, nem se ouve o Ministro a pedir a sua demissão nem o Presidente da República a demiti-lo.
Se calhar também nunca ninguém lhes explicou que, em democracia, as pessoas devem assumir as responsabilidades pelo que acontece nas áreas que dirigem.
Mas se esta situação se mantiver ficaremos a saber que não vivemos numa democracia, como tanto se apregoa, mas numa qualquer república das bananas em que ser cunhado do Presidente é muito mais importante do que ser responsavel pela morte de cerca de uma centena de cidadãos inocentes.
A ver vamos...
9 Comments:
Que mais é preciso acontecer para se pedir uma demissão?
By Fernando Ferreira Mendes, at 8:51 AM
Respondendo ao Sr. Mendes, talvez alguém pedir o divórcio, para deixarem de ser cunhados, já que levantou-se a importancia para o cargo a confiabilidade da proximidade "parentesca".
Não podemos agora, com esta tragédia, é deixar misturar duas linhas. Uma é não deixar de cobrar com todas as forças as responsabilidades sobre o que aconteceu. Segundo, não misturar na confusão o nome da Renamo porque senão até vão dar asas para se pensar que quem é o culpado pelo clima tropical da região é o sempre incompetente partido da oposição, que também nunca conseguiu demonstrar em que perigo a população moçambicana estava (continuava)submetida, nem mesmo quando nos primeiros incidentes aconteceram no início deste ano. Tudo aconteceu, falou-se em criar por ali um jardim, mas ninguém se mexeu. Agora morreu perto de uma centena de pessoas, até um poeta que heróicamente salvou a sua família...talvez no tal jardim coloquem um busto em homenagem ao Fernando Pedro, transfiram finalmente o Paiol para um lugar mais adequado, e, quem sabe, estudem uma forma eficiente de acomodar armamento de forma decente.
By Zé Paulo Gouvêa Lemos, at 12:40 PM
Transcrevo o post em Do Mirante
OS MILITARES E A ESPECIFICIDADE DAS SUAS MISSÕES
Explosões em paiol de Maputo
Maputo, capital de Moçambique, entrou em pânico na tarde de 22 devido a sucessivas explosões num paiol militar, numa das saídas da cidade, que em tempos era considerado uma instalação modelar em todo os pormenores da segurança. Fonte do Ministério da Defesa moçambicano disse que o paiol guardava material bélico pesado, designadamente obuses e morteiros, tendo parte desse material foi projectado para uma vasta área residencial em redor do quartel, sem que chegasse a deflagrar, o que exigiu de imediato intensivo trabalho de busca e recolha.
Segundo observadores era um ruído ensurdecedor e uma nuvem que fazia lembrar Hiroshima ou Nagasaki". Malhazine, zona densamente habitada em redor do quartel onde se deram as explosões, passou, de um momento para outro, de bairro de lata a bairro fantasma. Esta descrição veio recordar-me da explosão ocorrida, há cerca de 54 anos, em Lisboa, no paiol da Ameixoeira, que observei a partir da Amadora, durante muitos minutos, que pareceram horas. Um espectáculo preocupante, terrível!
Houve alusão a "altas temperaturas" como explicação das explosões, mas tal causa foi desde desacreditada, tendo Afonso Dhlakama , o líder da Renamo, que também esteve no local e visitou as vítimas no hospital, dito "Como seria o acondicionamento de munições em países com temperaturas muito mais altas que Moçambique?" Em sua opinião, na origem das explosões está a falta de ordem nos quartéis moçambicanos, "onde os militares se misturam com civis, num ambiente sem regras nem regulamentos".
Perante a extensa área de espalho de munições e destroços, houve que iniciar, sem demora, a limpeza tendo sido removidas por brigadas militares centenas de ogivas e destroços, e os especialistas estimam que vão ser precisos vários dias para completar a limpeza. Houve projécteis que foram atingir viaturas que circulavam numa estrada a mais de dez quilómetros.
Os números de vítimas crescem à medida que o tempo passa. Com os desaparecidos ainda por quantificar, 83 mortos e 350 feridos (42 necessitando de "cuidados muito especiais") compunham o último balanço fornecido pelo Governo moçambicano. Um balanço provisório e, presume-se, contido, a avaliar pelos relatos trágicos que, durante o dia 23, foram chegando de Maputo.
Do lado do Governo, foi anunciada a criação de uma comissão de inquérito independente para estudar as causas do acidente e propor recomendações e medidas futuras para situações do género.
Mesmo que não tenha havido intenção, este caso mostra que os militares devem ser devidamente motivados a serem cuidadosos, rigorosos e inflexíveis com os seus materiais, e todos os aspectos da segurança. São coisas de tal maneira sensíveis e perigosas que não toleram desleixos. É mais um aspecto que deve levar os governantes a não os tratar como vulgares funcionários públicos. Têm especificidades que devem ser tidas em consideração e que devem ser devidamente compensadas, pois não estamos em época histórica que tolere a escravatura. A cada um segundo o seu esforço, sacrifício e restrições de direitos, liberdades e garantias.
A vida dos militares não é cor-de-rosa, é feita de espinhos, dores e desgostos, que só são superados quando existe um acrisolado Amor à Pátria e inabalável espírito de missão, de servir, de doação total de si próprio, coisas que exigem forte motivação e apoios pessoais e familiares mas que escapam à compreensão dos políticos e da maior parte dos cidadãos vulgares, que teimam em os considerar, nos aspectos remuneratórios, como simples funcionários públicos.
Posted by A. João Soares
By A. João Soares, at 1:08 AM
EM momento algum esse senhor irá pedir demissão. Em Moçambique, "os mandatos são para cumprir".
ironicamente, iremos vê-lo a transferir-se para o ministério do interior! Triste.
By Egidio Vaz, at 4:48 AM
Boa análise!
Desta vez a negligência foi consciente.A culpa não deve morrer solteira.
By ilídio macia, at 7:18 AM
Olá, João.
Como calculas, estou desolado com as explosões.
Gostei do teu post no teu blog. O que dizes das janelas abertas está correcto. Foi o que fizemos em 1980 e tal quando aí estávamos. Mas há o factor calor. A desculpa imediata, no próprio dia, dos 35 graus não é verdadeira. Se os explosivos no interior das granadas, quer de morteiro, quer de bazooka, quer de canhão rebentassem por apanharem 35º. de temperatura durante horas, os americanos tinham morrido todos no Kuwait quando estiveram aqueles dias todos ao sol à espera da ordem para avançar sobre o Iraque, com os tanques e os cunhetos das granadas ali no chão, no deserto, os aviões carregados de bombas nas pistas, sem uma aragem para fazer dominuir o impacto do calor. Eu fiz duas vezes fogos reais em St. Margarida e nunca vi qualquer militar, com ou sem trapalhadas nos ombros, preocupado com o sol a bater nos cunhetos. Um especialista poderá dar-te a temperatura necessária para a explosão mas não me façam rir com os 35º! Acho que o senhor Dai já fez do seu povo estúpido demasiadas vezes..
Alvaro Marques
By Cine-clube Komba Kanema, at 12:00 PM
Caro Machado,
O vosso blog "Guerra contra o Povo" é briliante. Muito obrigado pelas palavras claras.
Um abraco
Oxala
By Oxala, at 12:43 AM
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