Ideias para Debate

Thursday, February 08, 2007

Lei Eleitoral

Interrompo a série sobra a Frelimo para incluir um texto que recebi do Carlos Shenga sobre a Lei Eleitoral:

Novo Pacote Electoral: Melhoria/Estabilidade Democrática?

Como muitos dos cidadãos Moçambicanos deverão saber, a Assembleia da República (AR) aprovou na sua Segunda Sessão Ordinária de 2006 a nova lei eleitoral. A aprovação dessa lei foi referida como melhoria ou talvez aspecto da consolidação da jovem democracia Moçambicana. Enquanto que a anterior lei eleitoral baseava-se na aquisição de 5 porcento de votos para os partidos políticos adquirirem assentos ou representação parlamentar, a nova lei caracteriza-se pela inexistência de qualquer barreira no sistema eleitoral Moçambicano de Representação Proporcional (RP). Isso sugere que os pequenos partidos políticos, caracterizados pela fraca mobilização do eleitorado e fraca institucionalização ao longo do país entre outros aspectos, terão mais chances de obter assentos parlamentares. Na verdade, isso significará, por outro lado, maior competição política dado que mais forças políticas surgirão na arena política oferecendo bens diversificados ao eleitorado. Ainda, a maior competição política siginifica por sua vez maior mobilização eleitoral e consequentemente maior participação política.

Não há dúvidas que isso melhora uma democracia. Participação e competição política são considerados como um dos indicadores/dimensões chaves da qualidade de democracia (veja Assessing the Quality of Democracy editado por Larry Diamond e Leonardo Morlino). Quanto mais partidos políticos estiverem a competir oferecendo bens políticos e económicos durante ou entre as eleições maior mobilização pública estes farão e por conseguinte maior será a participação pública. O público participará apoiando este ou aquele competidor político em função da percepção sobre a qualidade dos seus bens politicos e económicos. Por outras palavras, quanto mais lojas de calçados existirem na praça, maior será a publicidade feita por elas sugerindo maior competição e finalmente maior clientela ou aderência/participação. Contudo, como estudante da democracia e sua consolidação, e ainda cometido à democracia questiono se uma simples remoção da barreira eleitoral melhora uma democracia, mas antes de tudo permitam-me brevemente analisar o funcionamento da instituição que aprova e revê e aprova as leis eleitorais, isto é, a AR.

Antecedentes

Na segunda legislatura multipartidária (2000-2004), a AR fez a revisão e aprovou as leis eleitorais. A apreciação e debate na especialidade ocorreu na commissão ad-hoc para a revisão da legislação eleitoral, a qual nesse processo consultou simplesmente a opinião das duas bancadas parlamentares representadas no parlamento (veja Strenghtening Parliamentary Democracy in SADC countries: Mozambique Country Report por João Pereira e Carlos Shenga). A opinião do eleitorado assim como dos pequenos partidos políticos foi marginalizada e excluída pela referida comissão ad hoc. Na legislatura multipartidária corrente (2005-2009), a AR extinguiu a comissão ad-hoc para a revisão da legislação eleitoral e passou as responsabilidades de apreciação e debate na especialidade à comissão (regimental) de agricultura, desenvolvimento regional, administração pública e poder local (CADRAPPL). Por influência das opiniões das entidades que funcionam à margem das instituições que caracterizam o poder do Estado, a CADRAPPL removeu a barreira dos 5 porcento no sistema eleitoral Moçambicano de RP. De recordar que o Electoral Institute for Southern Africa (EISA) promoveu alguns seminários e debates envolvendo políticos e especialistas para analizar as fraquezas da lei elitoral perante a democracia. Isso mostra que melhorias de governação são só possíveis quando ela é inclusiva, ou seja, aqueles que directamente participam na governação auscultam a opinião do resto da sociedade.

Terá a remoção da barreira eleitoral contribuido para a melhoria da democracia Moçambicana?

Voltando a anàlise do pacote eleitoral, avanço que este ainda está distante de contribuir positivamente para a democracia em Moçambique, especialmente competição e participação politicas, apesar da AR ter removido a barreira eleitoral de 5 porcento. O controle e o domínio de todas as instituições eleitorais (tais como conselho constitucional, CNE e STAE) pelo partido governante reduz o âmbito da competição política. As chances dos partidos da oposição de ganhar as eleições são mínimas, pois essas instituiçoes dominadas pelo partido governante tendem a irrelevar as irregularidades levantadas pela oposição e defender o partido no poder. Evidências sobre irregularidades podem ser encontradas nos relatórios e editais publicados pela AWEPA e Joseph Halon sobre as eleições de 2004. A consciencialização pública que as instituições eleitorais existentes favorecem o partido no poder tem estado a contribuir para a reducão de sua participação no processo político. De facto, desde as eleições fundadoras da democracia (1994) até as últimas (2004), o nível de participação política baixou significativamente. Os Moçambicanos devem estar desiludidos e desgastados com a forma como a reforma política tem sido conduzida pela elite política. Outro impacto negativo da redução do âmbito da competição política é o surgimento de manifestações violentas e sangrentas, instabilidade política e caos, tal como os acontecimentos de 9 de Novembro de 2000 em Montepuez, e Setembro de 2005 em Mocímboa da Praia.

Ainda, essa redução do âmbito da competição e participação políticas através do controle e domínio das instituições eleitorais reduz por sua vez a probabilidade de existência de alternância de poder, o qual é um outro aspecto importante para a consolidação democrática. Uma democracia consolida-se quanto mais houver alternância de partidos no governo e o anterior partido governante aceita a derrota, ou seja não contesta os resultados eleitorais.

Para finalizar, a redução da barreira eleitoral só pode contribuir para a estabilidade democrática especialmente competição e participação políticas e ainda alternância de poder no contexto moçambicano, se e só se todas as instituições eleitorais forem independentes e imparciais. Para tal é necessário que estas não sejam dominadas e controladas pelo partido governante; ou seja, é importante que a composição dos órgãos eleitorais não se baseie na quantidade de assentos parlamentares que cada partido tem. Moçambicanos devem estudar outra formula para a composição das instituções eleitorais. E acho que é aqui onde os doadores deveriam canalizar seus fundos e capacitar Moçambique para fortalecimento dessa democracia. “Consolidação democrática requer uma limitação na autoridade do Estado, não importa que partido ou facção política venha exercer o poder” (veja Problems of Democratic Transitions and Consolidation por Juan Linz e Alfred Stepan). A elite política deve estar cometida com esta ideia e implementá-la. Aliás, a constituição da Republica de Moçambique preceitua no seu artigo 135 que as eleições são supervisionadas por órgão indepedente e imparcial. Assim, questiono a constitucionalidade da existência de uma lei eleitoral que governamentaliza as instituições eleitorais. Relativamente ao conselho constitucional, que é um órgão com competências de “apreciar e declarar a inconstitucionalidade das leis e julgar as acções de inpugnação de eleições” (artigo 244 da constituição), questiono a governamentalização, partidarização e politização manifesta de um tribunal e ao mesmo tempo instituição eleitoral. Ainda, sendo o STAE uma instituição eleitoral também questiono a sua governaentalização.

Os problemas de adopção de instituições democráticas não estáveis não resultam apenas na redução do âmbito da competição e participação política, falta de altenância de poder e instabilidade política como observamos acima, mas também na ausência de governo pela lei/estado de direito e constitucionalidade. De facto, os altos níveis de corrupção (envolvendo a alegada elite intocável) e crime organizado, e ausência de prestação de contas e ou transparência em Moçambique indicam que a lei não é igualmente aplicada a todos. Contudo, este é um outro tema que não é abordado aqui detalhadamente.

Este pequeno artigo explorou o pacote eleitoral Moçambicano vigente e traz evidências que eleições sem instituições democráticas estáveis reduz competição e participação políticas, a probabilidade de ocorrência de alternância de poder, e provoca instabilidade política, manifestações políticas violentas e sangrentas e desordem. Se os Moçambicanos pretenderem viver numa sociedade pacífica, justa e livre deverão começar a procurar e apoiar a democracia e influenciar a elite política a cometer-se aos procedimentos democráticos, neste caso adoptar instituições eleitorais independententes e imparciais. A ausência de limitação da autoridade do Estado em Moçambique tem estado a contribuir negativamente para a democracia e sua sustentabilidade. Ainda, o artigo questiona a constitucionalidade das leis eleitorais, particularmente a da composição dos órgão eleitorais. Mas também recomenda a imparcialidade e indepedencia do conselho constitucional assim como do STAE. Por Carlos Shenga, cshenga@gmail.com