Ideias para Debate

Wednesday, June 21, 2006

Lei Eleitoral

Do Carlos Shenga recebi o seguinte texto:

O que é que a Posição das Duas Bancadas Parlamentares da Assembleia da República Dizem-nos Relativamente à Lei Eleitoral?

Essa comunicação é baseada nas posições tomadas pelas duas maiores forças políticas de Moçambique desde 1994 e também apresentadas para a Revisão da actual Lei Eleitoral. E surge no âmbito do seminário relativo à “Reflexão sobre o Processo Eleitoral” do EISA/Moçambique a ser realizado na semana 19-23 de Junho de 2006, anunciado no jornal Notícias de 19 de Junho de 2006.

Resumo:

A despeito das posições da Frelimo e da Renamo-UE divergirem quanto à futura lei eleitoral quanto à composição da CNE; todas elas optam por alternativas não democráticas – i.e. partidarizadas. Apesar de certas alas da sociedade civil defenderem a ideia do Presidente da CNE ser da sociedade civil, a CNE continuará ainda partidarizada (ou seja uma instituição não democrática). Considerando a vontade expressa pelos cidadãos moçambicanos captada a partir do inquérito de opinião pública, a despartidarização das instituições eleitorais não deve ser gradual, mas efectiva. Estamos perante uma sociedade em que mais da metade dos seus cidadãos prefere democracia que qualquer outra forma de governação. Porquê não adoptar instituições democráticas?

Para sabermos se as eleições foram livres, transparentes e justas é necessário analisar o processo eleitoral. E, uma das formas de analisar o processo eleitoral é a partir da legislação eleitoral existente, das propostas ou posições sobre a revisão em torno da lei eleitoral e as instituições eleitorais.

Em 1994, Moçambique teve as eleições fundadoras da democracia geridas por legislação e instituições eleitorais não democráticas — i.e. partidarizadas (de acordo com a regra da representatividade parlamentar). Em 1998, 1999, 2003 e 2004, o mesmo se repete. As duas bancadas parlamentares, nomeadamente a Frelimo e a Renamo-UE degladiaram-se com vista à partidarização da CNE, do STAE e até passamos a ter um judiciário também partidarizado, especificamente o Conselho Constitucional. Graças a estas duas grandes forças políticas (e a indiferença de cidadãos, da sociedade civil e do público em geral) o país vem se tornando menos democrático desde 1994. Consultas públicas e até aos partidos políticos sem representação parlamentar sobre a legislação eleitoral quase que nunca foram realizadas pela extinta Comissão Ad hoc para a Revisão da Legislação Eleitoral, composta por membros da Frelimo e Renamo UE. Contudo, o processo eleitoral não diz respeito apenas à Frelimo e Renamo-UE, mas sim a toda sociedade Moçambicana que também precisa ser envolvida no mesmo.

Contrariamente ao esperado, é uma entidade da sociedade civil – EISA que hoje promove uma reflexão e debate em torno do processo eleitoral de uma forma inclusiva e não a Assembleia da República. Este último limita-se a debruçar-se deste assunto entre os dois partidos políticos aí existentes. As posições partidarizadas das forças políticas representadas na AR quanto à composição da CNE podem ser vistas na página 3 do jornal Notícias de 19 de Junho de 2006.

O perigo da democracia hoje em Moçambique vem da posição tomada por essas duas maiores forças políticas representadas no parlamento que monopolizam a elaboração legislativa e as instituições eleitorais e por conseguinte o processo eleitoral em si. Apesar de existirem alas da sociedade civil que defendem a ideia de que o Presidente da CNE ser da sociedade civil, tornando-a menos partidarizada, a ideia não é essa. A ideia é dispartidarizar por completo a CNE, o STAE e o Conselho Constitucional. Este último é um (tribunal) órgão com competências de administração da justiça, em matérias jurídico-constitucionais, verificação da constitucionalidade; julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberações dos órgãos dos partidos políticos; entre outras.

Considerando o Inquérito de Opinião Pública do Afrobarometer que reporta que mais da metade dos cidadãos Moçambicanos “preferem democracia que qualquer outra forma de governo” (54% em 2002 e 56% em 2005), a AR deve aprovar uma lei eleitoral democrática. Por outras palavras, uma lei na qual as instituições eleitorais como a CNE, STAE e Conselho Constitucional são efectivamente despartidarizadas e assim realizem suas actividades com imparcialidade. Não se trata aqui de uma opinião individual, mas de uma vontade expressa pelos Moçambicanos captada a partir de Inquérito de Opinião Pública (do Afrobarometer), com base numa amostra representativa à escala nacional. Caso a despartidarização não ocorra, mais uma vez, esta será uma evidência clara de “uso das instituições do Estado para tirar proveito próprio” - i.e. corrupção, ou seja acto de corrupção legalmente institucionalizado (desde 1994). E ainda, será uma negação evidente da satisfação do interesse público.

Para finalizar, com legislação e instituições eleitorais partidarizadas é impensável procurar saber se as eleições foram livres, transparentes e justas. Pois falasse de eleições livres e justas se estivermos diante de instituições democráticas. É uma pena que os observadores da União Europeia, nacionais e da SADC, e a Carter Center terem afirmado que as eleições em Moçambique tenham sido livres e justas. As instituições eleitorais não devem por si mesmas mostrar evidências de que irão favorecer este e/ou aquele. Caso contrário os representantes que advirão dessas eleições estarão pouco cometidos com Estado de Direito – i.e. governo pelas leis; participação política; competição política; accountability (prestação de contas/informação); liberdades civis e políticas; e igualdade social e política; e satisfação das necessidades colectivas dos cidadãos. Há muitas evidências de que os representantes moçambicanos não estão cometidos com esses indicadores de qualidade da democracia. Contudo, não é meu objectivo trazer essas evidências nesta comunicação.

Por Carlos Shenga, cshenga@gmail.com

21 de Junho de 2006

3 Comments:

  • Caro Carlos Shenga

    Eu gostaria de dizer que colocas uma questão pernitente e oportuna. Sempre achei que esta questão de lei eleitoral devia agora que nunca engajar mais aos moçambicanos, isto à sociedade civil, , pois pela experiência, sabemos qual tem sido a consequência duma lei eleitoral que só satisfaz ao poder estabelecido e quanto mais, só aos partidos com assentos na Assembleia da República.

    Estando eu fora do país não sei de como a discussão sobre o processo eleitoral decorreu, mas posso imaginar, mas sem desejar, que passos importantes não tenham se dado como sempre tem acontecido. O grande problema é que em muitas discussões o paternalismo rege no nosso país. Em discussões dessas os protagonistas são os mesmos.

    O problema da nossa sociedade civil reside na dificuldade de se definir, pois em alguns casos, organizações civis são como um braço dos protagonistas. No fundo elas mostram-se delegadas por estes e não pela sociedade civil. Por essa razão poucos são os que acham que a presidência das CNE, da nacional às distritais, tenham tido algum impacto positivo nas eleições de 2003 e 2004. Que as missões nacionais e internacionais o digam.

    Pode ser a minha ilusão, mas ouso dizer que parece-me também que a nossa sociedade civil, os nossos concidadãos não querem fazer um trabalho voluntário (sem envolvimento de dinheiro vindo de outrem) como forma de exercer o seu direito de cidadania. Sabendo, do que tem acontecido nas discussões anteriores sobre a lei eleitoral, não seria agora a altura da sociedade civil manifestar abertamente que quer uma lei eleitoral que produza processos eleitorais livres, transparentes e justas? Será que se espera que se aprove uma lei torta para se murmurar? Ou que a lei torta produza enúmeras irregularidades previstas para se manifestar? E qual tem sido a consequência disso.

    Mas a grande dificuldade do nosso país é encontrar uma instituição que seja independente e democrática. Nos países democráticos uma instituição do estado administra todo o processo eleitoral e não há grandes problemas como por exemplo fraudes eleitorais. Mas em Moçambique não vale a pena pensar nisso porque o estado se confunde do partido e pior ainda de uma empresa familiar e clube de amigos. Aliás, isto tudo parte da confusão dos partidos onde muitas vezes a constituição e aderência não são regidas por ideologia.

    Saudações

    By Blogger Reflectindo, at 3:20 AM  

  • Questão pertinente.

    Já dizia um clérigo que a postura de “todo o grupo que se fecha em si, leva à insanidade”, e eu acrescentaria, com conseqüências drásticas para si mesmos e, sobretudo, para a colectividade, na medida em que as acções passam a ser governadas por interesses dos “grupos de força” e não pela política.

    Lembro-me, de memória, de uma entrevista do de Klerk, em que dizia que até para o mais cético dos boers, a decisão política de pôr fim ao regime do apartheid foi benéfica. Claro, isso não quer dizer que o fim do apartheid tenha se dado por questões humanitárias, mas que, pelo menos, entre a política adoptada e a defesa sistemática dos interesses do grupo (prática do Botha), a política livrou-os da insanidade. Lição que poderíamos tirar proveito.

    Mas, por outro lado, não cabe à sociedade civil desempenhar o papel, nem dos partidos e nem das instituições políticas. Isso – sobretudo numa política já debilitada – desloca ainda mais o espaço da polis. Ou seja, não é com a entrada de novos atores (extra-sufrágio) na ágora que o exercício da política será a contendo, mas com a sua pressão (da chamada sociedade civil) para que os atores com mandato cumpram o seu papel. Por outras palavras, fazer o TPC do filho, ainda que muito bem feito, não o ajuda muito a crescer. A ajuda do pai deve ser noutro sentido, para que a satisfação de hoje não seja a frustração de amanhã e, na analogia, evitando, com isso, que o país ande de frustração em frustração.

    Abraços,
    Manuel Mangue

    By Blogger Mangue, at 9:18 AM  

  • O texto que é apresentado pelo senhor Shenga representa de facto preocupações e ansiedade de uma "camada" de moçambicanos preocupados com o desenvolvimento político e econômico de Moçambique e que de facto é digno de respeito. Destarte, segundo o que consta na minha memória discursiva, existem interesses partidários acentuados no sistema político moçambicano e que pode custar-me a antever o desfeixo deste "de momento". Estou me referindo à partidarização que é caracteristica da sociedade "moçambicana", os funcionários públicos em especial e ate os chamados intelectuais, ou suaja, os abragidos da famigerada slogan - Educação como alavanca para o desenvolvimento, neste ponto o Brian Street viva em mim e nao irei adiante com este, dado que nao é meu intuito discutir a questao da educação, por enquanto. Estive ai em Moçambique de fevereiro à abril e presenciei inscrições, "convite" à reuniões da/s células de partido nas instituições públicas que chega-se a interromper actividades normais devido a estes e pior, sem questionamento ou crítica. afinal de contas quem pode atrever-se à tamanha atitude se temos connosco enraigada as espectativas da eligibilidade nos cargos das instituições que se confunde ou que Estado e Governo é mesma coisa?
    A questao que coloco é: haverá em Moçambique oportunidade ou clima para/da democratização nata se mesmo a comunidade internacional no seu observatório considera as eleições moçambicanas livres e justas? Haverá um sujeito conhecido que é da praça que possa ser imparcial ou mesmo finjir se imparcial se permeia no nosso pais filiações partidárias ate de quem nao se suspeitava?
    É tudo Kudjà hikuyenguetà

    By Blogger XIKHOSA, at 1:30 PM  

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