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Por Trás da Música
Confesso que esta é uma questão que quanto mais escuto ou leio, mais fico em dúvidas. É questão sobre a qual tenho mais perguntas do que respostas, sobretudo pela sua simplicidade complexa, paradoxalmente.
A primeira delas é de saber se é, de facto, a questão da música moçambicana que está em jogo ou uma outra coisa que a precede.
Muitas vezes fala-se, por exemplo, que se vive uma crise de ideologias – da qual ficamos a discutir as ideologias, em especial as de “cartas marcadas”, socialismo, capitalismo, etc – e pergunto-me se, na verdade, o que faz a crise não seria a quase ausência de utopias, seja de que tipo for. Fala-se da crise dos sexos e me pergunto se esta não seria uma crise secundária subjacente a uma outra que, na verdade, seria a de identidade (sendo individual) psíquica, no caso. Mas a intenção não é debater isso, mas fazer entender o ponto de vista de que a “crise” na definição da música moçambicana pode não ser solitária; isto é, a dificuldade em se definir o que vem a ser musica moçambicana pode estar ancorada à dificuldade em se definir o que é ser moçambicano. É uma dificuldade ou crise que, na verdade, pode ser a de formação de uma identidade (sendo colectiva) cultural moçambicana, da qual a música é apenas um aspecto. Dito de uma outra maneira, o que está em dificuldade é a formação e até o papel dessa identidade, visto que toda cultura (e arte associada - música, etc.) só tem sentido na medida em que se exprime numa identidade, e que ao subordinar essa identidade à combinação de alguns acordes corre-se o risco de tornar absoluto aquilo que, na realidade, é só um aspecto.
(Sobre esse aspecto também pergunto-me se os limites não estão na linguagem – linguagem como essência, isto é, como, ao mesmo tempo, língua, palavra e a própria linguagem - próximo do que Wittgenstein declara ao referir que os limites do pensamento são os limites da linguagem e em que, no caso, as dificuldades estejam na capacidade de pensar e exprimir o mundo (nosso como moçambicanos) que somos capazes de fazer. A dificuldade pode estar em como nomear inclusive as metamorfoses pelas quais passa esse mundo).
Ainda sobre a questão específica da identidade, parece-me que esta seja a marca pela qual nos dirigimos para a realidade. É por ela que enraizamos a nossa cultura na realidade; cultura que, por sua vez, está inserida num jogo identitário; está inserida num contexto de ações identitárias (e extra-identitárias quando esta cultura é definida pela diferença, isto é, quando esta é situada em relação às outras) e ao mesmo tempo apresenta-se como parte de um cenário total que é pertencente a uma forma de vida; é pertencente a uma espécie. Com isso, a cultura se torna uma referência, de tal modo que cultura e arte (musical, literária, plásticas, etc.) se tornam indissolúveis. Por outra, cultura e arte (indissolúveis) não é o mesmo que - e ao mesmo tempo transcende - cultura + arte (representando, por um lado, o todo e, por outro, o total, respectivamente) e em que, neste último aspecto, a arte pode, inclusive, “viajar” sem a cultura.
Assim posto, e lembrando-me da proposta de que faz-se necessária uma revolução musical em Moçambique, pergunto-me se (1) seria evolução ou revolução (ou revolução fruto de um processo prolongado ou intenso de evolução); (2) esse processo se daria com que referências?
Pergunto-me também, se essa forma de debater a música, em que em citado, por exemplo, que o reggae é tocado em toda a parte, não seria esse um debate apenas estético? Quando escutamos uma música e a seguir perguntamos o nome, a nacionalidade, etc. do autor, mais do que esses dados, será que não há nisso um exercício de saber a “quem” ele pertence?
Pergunto-me ainda se não é a dificuldade em construir (e exprimir) uma identidade cultural nacional que nos leva a propor uma espécie de pluralidade musical - acima dessa nacional – em que as pessoas possam se refugiar onde se sentirão melhor acolhidas? (lembro-me que uma vez, depois de 2 horas de Tupac, um amigo pergunta-me se “Moçambique não tem uma música fora a essa?”. Claro que ele sabia que essa não era música de Moçambique, tanto quanto pareceu-me que, na verdade, o “Dj” da hora estava em seu “porto seguro”, como refúgio - assim como os demais que se reuniam em clãs musicais, em função de onde se sentiam acolhidos; em que a primazia era pela identificação estético-musical em contraposição à cultural que se mostra dispersa e quase ausente). Feita uma analogia com o plano pessoal, se o individuo não é capaz de desenvolver uma identidade psíquica, esta é assumida pelo grupo, e este pode ser qualquer um, desde que melhor o acolha.
Por outra, parece-me que numa sociedade em que não se impõem os limites identitários, não há auto-censura; se não há auto-censura, não há sublimação; sem sublimação não há cultura; e sem cultura, esta pode ser qualquer uma, isto é, a música, no caso, fica a cargo de cada um. O que surgir é isso mesmo. Portanto, uma sociedade sem fronteiras identitárias, a estética (musical ou de outro tipo) é que impera.
Além da crise de identidade nacional como pressuposto, também me pergunto se de facto não vivemos essa crise em função de um processo de descolonização paralelo a um outro de globalização que transforma os micro-padrões de identidade (que iam sendo associados para dar uma certa cara de identificação nacional) em partículas atômicas que reagem indiscriminadamente (e entre as quais, pela própria globalização, algumas partículas contêm o elemento catalisador), sustentando-se apenas as reações economicamente viáveis, ainda que fugazes? Com isso, teriam, estas sociedades, que desistir de oferecer padrões (referências) de identidade nacional e passarem a oferecer padrões de identidade estética, conquanto que estas sejam lucrativas e/ou hedonísticas?
Em jeito de fim, uma frase mais ou menos sobre estas questões é atribuída a um professor de japonês para executivos. Segundo ele, “vocês podem até aprender a língua falada no Japão, mas nunca aprenderão japonês”. Portanto, parece haver uma identidade japonesa que vem ao de cima e que serve de referência e filtro ao modo ser e estar de um povo em que quaisquer evoluções permitidas sejam por agregação de valor a essas referências e não por dispersão ou aniquilamento (por outros processos e variáveis) das simbioses locais. Só é japonês quando cultura/língua (cultura/arte), nessa ordem, são indissolúveis. Se existe uma essência, esta não está na arte, língua ou outra expressão, mas sim na identidade subjacente e essa só adquire dimensão local quando cultura e arte são uno/sincrônicos. Mas, pode-se dar o caso de uma sociedade não saber quais as fronteiras dos seus padrões únicos. Nesse caso, e a semelhança do machimbombo, para quem não tem destino, qualquer caminho serve, especialmente se o machimbombo for rápido e confortável. É moderno e, como tal, dá status.
1 Comments:
Fala Patrício,
Nada pessoal. Mas, confesso que se estivesse na sua posição também não entenderia.
Não há nenhum problema em importar. A diferença é que a "ordem dos tractores altera o viaduto", como se brinca por aqui.
Abraços,
By Mangue, at 7:27 AM
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