Ideias para Debate

Thursday, April 26, 2007

ALERTA

O Centro de Integridade Pública lançou este Alerta:

CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA

Alerta nº 1-2007

Tendências contra o pluralismo dos Media em Moçambique*

O ante-projecto da Lei de Imprensa dá ao Governo maiores poderes de controlo sobre os Media, nomeadamente na suspensão do registo e na suspensão da circulação; propõe uma carteira profissional obrigatória, regulada pelo Governo; os julgamentos nos Tribunais vão ser vedados à cobertura jornalística; pela segunda vez no espaço de um ano, a Assembleia da República discute o relatório da Comissão de Petições à porta fechada; a mesma Assembleia da República recusa-se a debater uma proposta de Lei de Acesso à Informação entregue há mais de um ano pelo MISA.

Moçambique caminha para uma nova fase em que o direito e o acesso à informação será limitado e a comunicação social alvo de uma vigia cerrada por parte do Governo. Estaremos a nos zimbabweanizars, nós já fomos elogiados mundialmente pelo pluralismo da nossa sociedade?

O Governo moçambicano está em vias de receber para aprovação e remissão à Assembleia da República (AR) um ante-projecto de Lei de Imprensa que vai representar o maior retrocesso em termos de liberdade de imprensa e de expressão em Moçambique. O ante-projecto está a ser promovido pelo Gabinete de Informação (Gabinfo), que se subordina directamente à Primeira Ministra, e tem o suporte do Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), do Misa-Moçambique e do EditMoz.

Uma das novidades da Lei é o estabelecimento de uma Carteira Profissional para jornalistas. A Ideia de fundo dos proponente é esta: o jornalismo está "infiltrado" de pessoas que não o dignificam, está “mergulhado na selva”, e, para contrariar esse "estado lastimável", é urgente que se estabeleça o imperativo de o exercício da profissão ser reconhecido apenas a quem tiver sido atribuída uma carteira profissional. O ante-projecto de Lei de Imprensa prevê, no seu artigo 38, a introdução de uma Carteira Profissional obrigatória como condição para o exercício da profissão de jornalista. Os pro- ponentes têm explicado que o estabelecimento da carteira profissional é um processo de auto-regulação; mas também admitem que um futuro regulamento da carteira profissional vai ser aprovado por via de um decreto do Conselho de Ministros.


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Mas a questão da carteira profissional não é o único aspecto controverso desta proposta de Lei, como tem sido feito crer. A proposta, em vez de aumentar as margens de liberdade dos Media, pretende limitá-la, dando ao Governo maiores poderes administrativos de tutela.

Tendência de governamentalização dos Media

O ante-projecto de Lei de Imprensa, a ser aprovado como está, vai dar ao Governo maiores poderes administrativos sobre os Media. E o poder judicial só aparecerá a intervir em determinados processos em sequência a processos de ordem administrativa instaurados em primeira instância pelo Governo, através do Gabinfo. É, esta, uma tendência de governamentalização dos Media em Moçambique. Senão vejamos:

O Artigo 31 do ante-projecto, sobre o cancelamento do registo de órgãos de informação, no seu nº 2, reza assim, ipsis verbis:

O registo de órgão de informação é suspenso preventivamente quando seja verificado incumprimento do estatuto editorial declarado no acto do registo

Este artigo 31 tem problemas, uma vez que prevê a suspensão de um órgão de informação no caso de este violar o seu próprio estatuto editorial. Ora, um estatuto editorial é um enunciado de princípios e valores universais; sendo assim, a sua avaliação envolverá sempre considerandos de ordem subjectiva, abrindo-se aqui uma porta para o Governo mandar suspender este ou aquele jornal sem a intervenção do Judiciário. A não ser que o Governo esteja a preparar um check list de critérios a que todos os estatutos editoriais de todo o tipo de jornais deverão responder. Se for isso, a coisa agrava-se ainda mais, limitando-se o pluralismo das publicações.

A alínea h do artigo 39 diz que um dos direitos dos jornalistas é “ser portador da carteira profissional”. Aqui não se compreende como é que uma carteira profissional estabelecida sob o pressuposto de ser condição sine qua non para o exercício da profissão possa ser igualmente um direito. Uma condição necessária é uma condição de vinculação e, por isso, não pode ser um direito. É um dever.

A alínea b do artigo 40 diz que o jornalista deve ter como um dos objectivos “produzir uma informação completa, imparcial e objectiva”; na anterior formulação da Lei de Imprensa, o termo imparcial não existia, e justamente. Na nossa opinião, não há jornalismo imparcial; há jornalismo objectivo. A noção de imparcialidade é bastante difusa, fluída; o jornalismo é uma teia de vasos comunicantes infindáveis; se reportamos sobre o massacre do paiol podemos descrever a matança objectivamente, mas dentro de um substracto ideológico que nos empurra para a defesa da socie- dade contra o Estado. O jornalismo investigativo é por excelência parcial em defesa do bem público.

O artigo 59 do ante-projecto diz respeito às medidas de suspensão de um órgão de informação. No seu nº 1 lê-se, ipsis verbis:

“A circulação de publicações que contenham escritos ou imagens, ou a difusão de programas radiofónicos ou televisivos de conteúdo obsceno ou outro susceptível de incriminação nos termos da lei penal será suspensa imediata e preventivamente, mediante constatação directa da autoridade competente ou denúncia suportada com prova bastante”.

Este artigo tem dois problemas. O primeiro relaciona-se com o conceito de obsceno, que é também passível de interpretação em função dos preceitos morais de cada indivíduo. A jurisprudência norte-americana está cheio de batalhas legais infindáveis à volta do que pode ser obsceno. Por outro lado, o artigo dá poderes administrativos ao Governo para suspender imediata, mesmo que preventivamente, um jornal que tenha cometido uma infracção susceptível de incriminação nos termos da Lei. Ou seja,


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mesmo antes de o Judiciário intervir, e pontapeando-se o princípio da presunção de inocência, o Governo vai poder decidir encerrar este ou aquele jornal, através do Gabinfo. Esta formulação só encontra paralelo em regime autocratas, centralizados, repressivos.

Se assim for, o Gabinfo vai ser uma espécie de julgador dos Media em Moçambique, em vez de órgão de licenciamento e registo de publicações (num debate recente, Ricardo Malate, técnico do Governo que participa na elaboração desta Lei, disse que a intervenção administrativa do Governo neste domínio era uma forma de evitar que os jornais fossem sempre parar aos tribunais, pois isso era desprestigiante para os jornais).

Legalizar a limitação das liberdades

Relativamente à carteira profissional, os proponentes têm vindo a declarar que se o Governo, no actual contexto legal, quisesse limitar a liberdade de expressão e de imprensa, fa-lo-ia. É claro que fa-lo-ia, mas violando os preceitos estabelecidos constitucionalmente; fa-lo-ia ilegamente. E mais: a recusa de registo de jornais ligados a figura críticas ao Governo seria vista como uma grosseira limitação da liberdade de imprensa; a cassação da licença de jornais potencialmente críticos seria uma prova clara de limitação da liberdade. E o mundo revoltar-se-ia, como fazemos com o Zimbabwe.

É claro que também entendemos que o Governo poder limitar os jornais, no actual contexto legal e sem violar a Lei, nomeadamente através de práticas selectivas de publicação de anúncios do Estado, fazendo, por um lado, com que jornais críticos percam uma fonte de rendimentos e, por outro, aumentando a sua influência nos jornais onde publica esses anúncios - esta é, de resto, uma prática hoje reportada em algumas democracias latino-americanas, onde as mãos da censura aumenta todos os dias os seus tentáculos contra os Media independente.

O que os proponentes pretendem é que o Governo não reprima a liberdade de expressão violando a Lei; os proponentes pretendem que é dar ao Governo força legal através da qual o executivo aumenta o seu poder de intervenção sobre os Media; em vez de uma repressão ilegal, os proponentes preferem a repressão legal, em que a liberdade é legalmente limitada como no Zimbabwe, onde a Lei limita aos jornalistas críticos o exercício da profissão.

Alguns argumentos enunciados

Um argumento que tem sido veiculado é o de que é preciso responsabilizar, através da carteira profissional, os jornalistas pelos seus actos. É um argumento falacioso pois a Lei de Imprensa em vigor contém cláusulas suficientes para a responsabilização de jornalistas nos casos em que estes incorram em práticas proibidas por Lei (cláusulas contra difamação, contra a incitação ao ódio e a obrigatoriedade do direito de resposta).

Também se diz que se trata de um processo de auto-regulação; ora um processo de auto-regulação não requer a aprovação pelo Governo de um decreto; se for esse o procedimento não estaremos perante uma auto-regulação; tratar-se-ia de regulamentação governamental com efeitos vinculativos; um processo de auto-regulação é um processo de codificação de comportamentos, cujo fim último é o estabelecimento de códigos de conduta e ética profissional. Enquanto a Lei de Imprensa estabelece os deveres e os limtes do jornalistas, um código de conduta é um conjunto de princípios e valores morais.

Também se tem argumentado que em Portugal, onde existe uma carteira profissional para jornalistas, há mais liberdade no exercício do jornalismo que no Zimbabwe, onde não existe. Curiosa comparação!!! Todos sabemos que no Zimbabwe o Governo emite licenças anuais para jornalistas e em Portugal não; e é justamente esta intervenção do Governo zimbabweano que coarcta o exercício do jornalismo naquele país.


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A introdução da carteira profissional é inconstitucional pode ser matéria de foro constitucional, tal como se diz que é a descriminalização da difamação, assunto pelo qual os proponente deveriam bater-se a todo o custo. A Constituição da República é muito clara: todos os cidadãos podem criar órgãos de informação. Todos, e não apenas aqueles que têm uma carteira. O estabelecimento de uma carteira profissional vai abrir espaço para que sejam os Governos (o actual e os futuros) a definir quem pode exercer a profissão em Moçambique (atenção: não se trata de definir o que é ser jornalista; trata-se de definir quem deve exercé-lo).

A remoralização do jornalismo não passa pela Carteira Profissional

A remoralização do jornalismo moçambicano pode ser feita apenas com a observância da actual Lei. Outras práticas incorrectas dos jornalistas podem se enquadradas no domínio da Ética e Deontologia profissionais e, nesse sentido, a codificação de comportamentos dentro da classe é de extrema importância. Por outro lado, caberá a cada órgão de comunicação social identificar claramente quem são os seus jornalistas e exercer a devida autoridade sobre eles.

O estabelecimento de uma carteira profissional não leva automaticamente à mudança de comportamentos; não é carteira que dignifica o jornalista, mas o conteúdo do que escreve, o produto do seu trabalho. A ideia da carteira profissional é uma importação da legislação portuguesa (e é mais restritiva do que a portuguesa), mas a maior parte dos países democráticos não tem nenhum sistema de licenciamento de jornalistas, mas apenas formas de identificação de trabalhadores dos Media.

Os proponentes argumentam que o Governo não vai ter nenhuma intervenção numa tal comissão da carteira profissional, a ser constituída por representantes da associações profissionais de jornalistas. Mas é, no entanto, difícil estabelecer o princípio da carteira profissional sem se estabelecer previamente o perfil dessa comissão e o regulamento dessa carteira. Trata-se de uma rasteira em potência. Primeiro porque o facto de ser o Governo a aprovar o regulamento implica a possibilidade de o mesmo meter a sua colher na panela; por outro lado, sendo este processo de natureza mimética, inspirada mais na legislação portuguesa e menos na dos que países que nos rodeiam, era fundamental saber se, no nosso caso, a comissão seria presidida por um magistrado, como é o caso de Portugual.

E se for assim? Será que moçambique tem uma magistratura judicial independente do executivo? O nosso Conselho Superior de Magistratura Judicial, um órgão que devia ser de oversight, é um entidade amorfa e, pior, é presidida pelo Presidente do Tribunal Supremo, o qual, teoricamente devia ser “fiscalizado” por esse Conselho (mas isto é um outro debate).

Dois exemplos de fora

A acreditação de um jornalista na Comissão Europeia não exige um “Professional Card”; so se exige isso no caso de jornalistas em visita breve e em caso de nos seus países de origem haver um tal documento; se não houver, basta uma carta da empresa onde trabalha, assinada pelo Editor ou pelo Director para que esse jornalista em visita seja acreditado.

O exemplo da Inglaterra é ainda mais interessante: o press card é um documento voluntário e não obrigatório; por outro lado, são várias as entidades que o podem emitir, nomeadamente empresas como a BBC, a SkyNews, agências de informação e de fotografia, e associações profissionais. O conceito inglês é o de que qualquer pessoa que faça jornalismo pode obter o press card. Não se trata do inverso; não se trata de o press card ser um documento obrigatório, condição sine qua non para o exercício da profissão. O principal critério de elegibilidade é ser-se jornalista, não importa a formação académica, a experiência profissional; importa é que o jornalista viva de jornalismo; não importa que


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faça parte de uma associação profissional; não interessam as opiniões de um órgão público ou privado sobre esse jornalista.

E sobretudo, a ideia central do press card britânico não se baseia nessa ataque de elitismo que encerra o processo moçambicano, na ideia de que “há infiltrados” no jornalismo moçambicano que devem ser banidos, que vão aos coquetéis sem serem convidados, e que isso “suja a nossa imagem”, como se o jornalismo moçambicano fosse propriedade de meia dúzia pessoas e como se não tivessemo assuntos mais importantes para investigar e debater..

Novos tempos difícies

A comunicação social moçambicana vai atravesssar momentos defíceis nos próximos tempos. É uma tendência de centralimo, de redução das liberdades, que deve merecer mais debate. Um dos sinais é o facto de que é ainda muito difícil obter informação de fontes ligadas à administração pública, onde continua a vigorar uma cultura de secretismo herdada do anterior Estado monopartidário e vincada pela excessiva partidarização do Estado. Por outro lado, o direito à informação sobre determinados processos judiciais é negado aos cidadãos sob pretexto do segredo de Justiça, quando esta prerrogativa não impede, nunca, que se forneça informação sobre o curso de uma dada investigação judicial.

Grave é o facto de o próprio Governo estar já a estabeceler a urgência de se restringir a cobertura directa de julgamentos. É uma tendência de sonegação de informação que começou com a famigerada Comissão de Petições da Assembleia da República, a qual decidiu fechar as suas portas, no ano passado, aquando da apresentação de um relatório, privando a informação aos peticionários e ao público em geral. Esta situação repetiu-se esta semana com o beneplácito da maioria parlamentar. De repente, o Estado sentiu-se na obrigação de proteger o “bom nome” de potenciais prevaricadores, mesmo quando há indícios bastantes, como acontece nos casos da gestão do Banco Austral e do assassinato do economista Siba Siba Macuacua. Quando falamos na necessidade de melhor a admnistração da Justiça, o Estado diz que é desprestigiante ir parar aos tribunais.

A ideia da protecção do “bom nome” radica da consciência de que a maior parte dos casos de injustiça e prevaricação que chegam à Comissão de Petições e aos Tribunais provém do campo do poder. Mas a noção de “bom nome” não é estática; o bom nome conquista-se pela via da não prevaricação; não é depois da prevaricação (em que se afecta milhares de cidadãos) que o bom nome deve ser protegido. Por outro lado, o fechamento da Comissão de Petição é um convite ao fechamento da AR. Não tem paralelo em nenhuma democracia.

Uma nota final: questões relativas a liberdade de imprensa e de expressão, carteira profissional de jornalistas, acesso à informação etc, não são exclusivas dos jornalistas; são assuntos que envolvem todo o conjunto da sociedade e, por isso, é urgente que algumas das suas vozes notáveis se pronunciem sobre eles. Talvez por aí consigamos travar este retrocesso sem precedentes na edificação de uma sociedade pluralista em Moçambique.

*Artigo preparado por ocasião do 3 de Maio, dia Mundial da Liberdade de Imprensa;

O Centro de Integridade Pública (CIP) é dirigido pelo jornalista Marcelo Mosse

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Tuesday, April 17, 2007

LUTO PESADO

Na sua Carta Aberta o embaixador Ferrão refere a carta de Gabriel Simbine, publicada no Notícias de 3 de Abril. Aqui vai essa carta:

MOÇAMBIQUE DE LUTO PESADO

Sr. Director

Mais uma vez Moçambique está de luto. O maior na sua história de 30 anos. Um luto que podia ter sido evitado se os nossos compatriotas do Ministério da Defesa Nacional tivessem servido, ou tomado como sinal de alerta, o incidente de 28 de Janeiro passado.

O senhor Presidente da República deve, em nome do povo, pedir e exigir responsabilidades ao Ministério da Defesa Nacional, na pessoa do ministro titular da pasta, do chefe do Estado-Maior General, dos comandantes responsaveis pelos departamentos e sectores do aparelho administrativo do Ministério da Defesa Nacional.

Temos dificuldades de encontrar o termo que verdadeiramente traduz o que faltou para prevenir ou evitar a tragédia de 22 de Março último, já que a explosão de 28 de Janeiro passado não serviu de alerta aos concidadãos responsaveis pela defesa não só da integridade territorial nacional, mas também das pessoas e bens materiais de Moçambique.

O termo será, ou não, incúria, negligência, incapacidade, incompetência ou “deixa-andar? As cheias e inundações que assolam o norte e o centro do país são calamidades naturais de que nenhum governante ou governado pode ser responsabilizado por elas. Somos um país de desgraças. Ainda não avaliámos em definitivo os efeitos das cheias e inundações e, no dia 22 de Março, fomos apanhados de surpresa com as explosões do paiol de Mahlazine, um sinistro que vitimou mais de 100 vidas humanas e mais de 400 feridos, além da destruição de casas de habitação e estabelecimentos comerciais.

Os orgãos de informação deram-nos a notícia de o Preesidente da República ter criado uma comissão de inquérito. Esperamos que os elementos da comissão sejam honestos e homens de um espírito de frontalidade, para apontar os erros e falhas e indicar os responsáveis para se começar a corrigir ou emendar e até prevenir a ocorrência de situações dramáticas desta natureza. Nós, moçambicanos, infelizmente, não temos a cultura e a consciência de sentir a responsabilidade e pedir demissão perante uma tragédia de tamanha envergadura.

Naquela noite de 22 de Março ouviu-se uma voz dizendo: “eu demito” e não se identificou. Um nosso obrigado a esse anónimo. Já que as comissões de inquérito não resultam e o povo não tem coragem e determinação de exigir abertamente a transparência daqueles que exercem e detêm o poder em seu nome, os males se acumulam e a confiança popular perante o Governo diminui. O cidadão moçambicano, em vez de ter respeito e como tem medo do seu governante, não denuncia para não sofrer represálias.

O filho ou simplesmente familiar de um ministro, governador ou director ganha o estatuto de tubarão ou intocável, isto apesar de o primeiro Presidente, Samora Machel, ter dado uma lição de os seus filhos serem tão cidadãos iguais a qualquer um de nós perante a lei, autorizando a prisão por 48 horas do filho Idelson por atropelamento além da instauração de processo e julgamento no tribunal. A lição e o exemplo não ficaram.

A verdade nua e crua é que não se critica um governante em Moçambique, incluindo filhos e familiares. Em Moçambique os tubarões e intocáveis servem-se do poder não como instrumento para servir o povo, mas como instrumento de acumular riqueza e servirem-se a si próprios, filhos, familiares e amigos. A crítica e autocrítica estão no cesto do lixo.

Desejo voltar ao assunto principal desta intervenção. Vou repetir. Os elementos que compõem a comissão de inquérito devem ser tão honestos e sérios no tratamento desta questão a ponto de não aceitarem a justificação do calor como sendo o factor causador do incêndio que fez explodir o paiol. Sem sermos especialistas de nada, sabemos da existência em alguns países de engenhos explosivos iguais ou semelhantes aos nossos e nesses mesmos países registam-se altas temperaturas iguais ou superiores às nossas, mas com o empenho do factor humano a funcionar em pleno nada de extraordinário acontece. Sem pretendermos ser orientadores do trabalho da comissão de inquérito, apenas desejamos deixar registrada a nossa opinião e observação de que a investigação não deve estar virada para o calor, mas sim para a gestão humana dos engenhos explosivos do paiol e o homem é o único ser do reino animal que sempre procura justificar as suas acções, justas ou não.

Os nossos compatriotas militares não podem utilizar o facvtor calor para esconder a sua incapacidade ou insuficiência no desempenho das suas tarefas e responsabilidades na gestão do armamento explosivo. Nós, a sociedade civil, chegamos à conclusão de que o dia 22 de Março de 2007 ficou marcado nas páginas da História de Moçambique e a marca é indelevel, devido à gravidade sem precedentes da destruição que causou. O combate à pobreza caminha a passos de camaleão porque no nosso seio existe corrupção sem corruptos e corruptores e existem crimes sem criminosos. Com mais de 30 anos de independência ainda não processámos um alto dirigente político ou económico não por inocência, mas por todos serem grandes tubarões e intocáveis. Estão todos acima da lei.

Estamos cansados que o factor calor está fora do baralho já que o Chefe de Estado comparou a destruição maciça a uma guerra. Só que a guerra não é do inimigo, mas ela é da nossa própria autoria.

Aguardamos com ansiedade e expectativa o desfecho do inquérito sobre o sinistro de 22 de Março de 2007.

Gabriel Simbine

Sunday, April 15, 2007

ASSINATURAS

Ao abrir, a partir do meu computador, um novo blog, para o Komba Kanema, um novo cine-clube em Maputo, aconteceu um fenómeno imprevisto: todos os posts do Ideias passaram a aparecer assinados pelo KK.
De momento não sei resolver o problema. Portanto não liguem à assinatura por baixo dos posts.

Friday, April 13, 2007

O MANO

O MANO

Através de um comunicado da Presidência da República ficámos a conhecer o resultado do trabalho realizado pela Comissão de Inquérito ao rebentamento do paiol de Mahlazine.

E ficámos a saber que a Comissão atribui parte importante das responsabilidades a “erro humano”.

Só que, neste país onde tão mal se escreve o português, fica claro que o que a Comissão queria dizer é que quem cometeu os erros foi “o mano”.

Vai o leitor perguntar que erros é que o mano cometeu.

Pois, segundo a Comissão, o mano deixou material obsoleto num armazem sem cobertura, ao sol, à chuva, ao calor e ao frio. Depreende-se que por muitos e muitos anos. Foi num “armazém” sem cobertura que as explosões começaram.

O mano não sabia sequer qual o tempo de vida útil dos artefactos armazenados, dada a ausência dos respectivos manuais. E, é claro, o mano não pensou em mandar vir tecnico da Rússia e dos outros países fornecedores a fim de darem esse tipo de informação. È que, ao que parece, o mano não é pago para pensar.

Por outro lado o mano não respeitou as regras de experiência apropriada relativamente à guarda e manutenção de artefactos militares. Regras que determinam como deve ser feito o armazenamento, manuseamento e conservação de material de guerra.

O mesmo mano também não mandou fazer as inspecções tecnicas regulares que aquele tipo de material requer nem sequer, regularmente, a inspecção visual. Sendo que esta consiste em ver, por fora, o estado de conservação das caixas de material, sem sequer as abrir. Pois, ao que parece, o mano nem sequer isto mandou fazer regularmente.

Por tudo isto se percebe que o mano tratou a questão do paiol com total negligência, desleixo e incompetência. Criminosas, é óbvio a calcular pelo tamanho do desastre.

O mano não parece saber, sequer, em que consiste o cargo que ocupa há largos anos.

Mas, volta a perguntar o leitor curioso, afinal quem é esse tal mano?

Penso que ninguém tem grandes dúvidas, mas certeza, certeza absoluta só tem mesmo a Primeira Dama, que o trata dessa forma carinhosa desde que eram os dois crianças.

COMENTÁRIO

Recebi da O. Brian o seguinte comentário sobre o texto anterior:


Tenho-me mantido quieta a tentar digerir mais uma peça do puzzle da desgraça, da falta de ordem, da falta de hábitos e normas. As explosões do paiol são a desgraça que indica outras desgraças. Isto porque se não conseguimos em tempos de paz, organizar sequer um paiol, se não temos após “ os avisos” das anteriores explosões o sentido de normas de conduta de regras que têm que ser seguidas, que regem um exército e as diversas componentes do mesmo, dizia, que se não conseguimos em paz fazer isso, então o que estamos a fazer? A inaugurar estátuas e praças, a Eduardo Mondlane e a Samora Machel? Eu vi-os a todos, fardados de novo, com carros de alto luxo, também estes novos, em Pemba para inaugurar a praça a Samora Machel. Quanto nos custam estes luxos, que só teriam sentido se tivéssemos a casa arrumada? Se já tivéssemos feito tudo o resto, se tivéssemos investido numa Defesa, capaz de enobrecer o país?

Tudo tem normas, tudo está regrado para que não aconteçam desgraças como estas. Se tivéssemos um exército. Se tivéssemos um Ministério da Defesa, mas não temos. Nós somos incapazes de trabalhar para a constituição de algo que siga normas básicas, internacionalmente aceites como funcionais.

Nós moçambicanos temos a sorte de ter um ministro que nos manda placar sempre que comecem as explosões.

Temos a sorte de ter um Governo que prende jovens por se estarem a manifestar contra uma atrocidade de que ninguém se quer responsabilizar. Temos a sorte de ter as famílias atingidas, debaixo de tendas, quando o inverno está aqui á nossa porta, quando a chuva cai de noite. Temos essa sorte, e temos o ministro a dormir descansado na sua casa.

O grito, a impotência, a zanga, a desesperança, que se sente na carta do embaixador Ferrão, está em muitos de nós. Uns como eu, se refugiam na tristeza. Na vergonha. Porque senhores, envergonha-me. Envergonham-me estas desgraças. Esta incapacidade de se lidar com as ocupações que temos, com os cargos que ocupamos, com sentido de honra, de tentar o nosso melhor, de tentar trabalhar para fazer que na verdade as coisas mudem. E envergonha-me mais ainda que estas pessoas sejam mantidas nos seus lugares, que recebam beneces, que sejam paparicadas, quando deviam pagar pela irresponsabilidade. São esses que deviam pagar pela irresponsabilidade, não jovens que se manifestam.

O. Brian

Thursday, April 12, 2007

FINALMENTE!

Finalmente uma voz vinda da área da Frelimo vem dizer, de forma clara e inequívoca, aquilo que muitos de nós pensamos sobre a explosão do paiol.
Aqui vai a Carta Aberta ao Ministro da Defesa, escrita pelo embaixador Valeriano Ferrão:


CARTA ABERTA AO MINISTRO DA DEFESA

S.Excia. Tobias Dai

Ministro da Defesa Nacional

Maputo

Meu General

Excelência

Em primeiro lugar há-de desculpar-me o atrevimento de lhe dirigir esta carta aberta.

Em segundo lugar há-de desculpar-me por ter dirigido uma mensagem ao seu telefone celular, na qual eu lhe dizia basicamente que, se tivesse um pouco de dignidade, que pedisse a demissão, para permitir ao Comandante em Chefe pôr a casa do MDN em ordem.

Peço-lhe, meu General, Excelência, para não ligar ao Gabriel Simbine por aquilo que ele disse na sua carta publicada no jornal Notícias, em 3 de Abril último, nem a todos aqueles que falam, publicamente ou em surdina, no mesmo tom.

Agradeça ao jornal Notícias o bem meiguinho editorial que publicou relativamente à desgraça.

Mande o Gabriel Simbine e os outros detractores de V. Excia. À merda.

Continue na mesma rota, acabe por explodir o remanescente do material ainda em Mahlazine, ordene a explosão dos outros paiois que existem no país, continue na mesma rota de negligência, incapacidade, incompetência, de “deixa-andar” e mande prender todos aqueles que queiram manifestar-se contra V.Excia.; mande-os à merda, meu General.

Deixe-me afirmar, em alto e bom som, que o culpado não é V.Excia., nem são culpados o Presidente Chissano, por o ter nomeado Ministro da Defesa, nem o Presidente Guebuza, por o ter mantido nesse posto.

O culpado é o falecido Presidente Samora Machel por lhe ter dado a patente de General e os seus sucessores terem acreditado nisso.

O Presidente Samora podia ter-lhe dado uma enxada e ter-lhe mandado plantar batatas. Teria prestado um melhor serviço a este país e às vítimas das explosões do paiol de Mahlazine.

Em tempo: Tenho uma filha que é psicóloga, a quem posso pedir para dar assistência a V.Excia, caso necessite, devido ao stress que tenha acumulado.

Valeriano Ferrão