Ideias para Debate

Tuesday, April 25, 2006

Nomes e Alfabetos

Da Fátima Ribeiro recebi esta resposta à Lurdes Torcato:



Nomes Próprios e questões de grafia - resposta a Maria de Lourdes

Logo a mim, Maria de LOUrdes, foste colocar uma questão relativa a nomes! Nem imaginas tu os problemas que tenho com o meu! É que, só meus, tenho 8 vocábulos e 2 “des”, podes crer. Quando, há já muitos anos atrás, se pôs a questão do apelido de casada, disseram-me que só com uma autorização oficial poderia cortar um ou mais dos nomes que já tinha. Preferi ficar como era. Depois, a certa altura, foi algum funcionário que me cortou um dos “des” no BI, e, como só notei muito depois, estava em Moatize e era difícil o processo de correcção, assim foi ficando. A partir daí, fui chamada mil vezes para corrigir impressos que preenchia, aqui ou noutros países, porque não correspondiam ou ao BI, nuns casos, ou ao Passaporte, em outros. Ainda hoje tenho de pensar em como devo escrever o meu nome. Só por causa de um “de”. Finalmente, há menos de um ano fui servir de testemunha num processo de emancipação numa das nossas conservatórias. Entreguei o BI e a funcionária disse-me assim: “Como tem estes nomes? Isto é ilegal! Em Moçambique o máximo que se pode ter é 6 nomes!” Vê lá tu, eu ilegal há quase meio século!

O que eu acho sobre a questão que colocas é que de facto os nomes, mesmo no que respeita à grafia e aos “des” devem manter-se sempre como estão no registo de nascimento ou registos oficiais futuros, pois são uma das nossas principais marcas de identidade e, por razões legais e práticas, para evitar todos os problemas que tu própria colocas. Cada país tem as suas normas sobre a escolha, a grafia, a composição e a alteração dos nomes próprios e apelidos, e não acho mal que assim seja, para que o nome escrito ou dito possa ter uma leitura ou escrita o mais possível uniforme por parte da comunidade em que ocorre, ou para evitar situações de ridículo que podem marcar toda a vida das pessoas, como há muitos casos em Moçambique, ou mesmo para não acontecer, como acontece comigo, o nome não caber nos impressos que se tem de preencher. Acho, no entanto, que a globalização trará consigo uma cada vez maior permuta de nomes e grafias que terão de ser de alguma forma integrados e geridos.

Quanto à escrita com K, W ou Y, penso, como o Mia, que não é pelo facto de estarem presentes que o nome fica mais ou menos africano, e acho ridícula a atitude de quem os utiliza com essa intenção. Mas devo admitir que o seu uso talvez facilite, mesmo em português, a leitura de muitas palavras, tornando-a mais próxima da forma de pronunciar dos falantes nativos. E como as três letras já fazem parte do alfabeto português, porque não utilizá-las nesses casos? Ainda hoje se me pôs a questão ao escrever o nome de um dos nossos rios: Pungué ou Pungwe? Não seria mesmo melhor esta última forma, já que as normas em uso da grafia do português não permitem que se escreva Púngwè ou mesmo Púnguè? (O uso do acento grave é muito, muito restrito: só para situações de crase, como acontece com estas contracções da proposição a com o artigo a e o pronome aquele: à, àquele). No primeiro caso (Pungué), não irão os falantes de português não familiarizados com estas palavras africanas ler tornando mais forte (com mais tonicidade) a sílaba final? Não remeteria a segunda opção de escrita (Pungwe) imediatamente para uma possível diferente leitura, por se reconhecer a palavra como sendo de origem estrangeira?

Felizmente já temos padronizada a escrita das línguas moçambicanas e dicionários de algumas delas, bem como dicionários de moçambicanismos, que nos ajudarão a definir e a consagrar a grafia de palavras do género. Ainda não é fácil, pois mesmo nestas obras de referência encontramos duas e mais grafias da mesma palavra, o que é perfeitamente natural, até que cheguemos a uma convenção.

Finalmente, quanto ao uso das maiúsculas, está bem definido no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que não o contempla nas preposições. Aos estrangeirados de influência inglesa ou americana de que falas eu perguntaria: Aceitam United States Of América? Cá por mim, só se por alguma razão quiser destacar o “of” ou tirar algum efeito da forma gráfica.

Desculpa esta resposta longa mas meio apressada. Se deixasse para amanhã talvez fosse ficando, ficando... Mas eu gostava de conhecer também outras opiniões.


Um grande abraço


Fátima


Nomes

Da Maria de Lurdes Torcato recebi o seguinte texto:


Caros apreciadores deste “blog”

Não tenho aberto muito este local por me parecer que o debate anda ausente. E muito menos tenho dado as minhas contribuições porque me sinto ultimamente tão azeda com o que me rodeia que opto por não acidular mais o ambiente. Hoje, porém, acho-me mais tolerante e bem humorada e mando esta em especial para a Fátima Ribeiro!

Há muito que reparo na facilidade com que os nossos conterrâneos mudam a grafia (ia escrever ortografia mas parei a tempo) dos seus nomes. Habitualmente é para meter pelo meio um ‘h’, substituir um ‘c’ por um ‘k’, ou um ‘ua’ por ‘wa’. O Mia Couto há uns tempos já escreveu sobre esta aparente tentativa de africanizar os nomes, como se o “k’ ou o “w’ fossem mais africanos, e portanto menos coloniais, do que as 23 letras do alfabeto que nos ensinaram na escola.

Não vou construir sobre as irónicas e sábias palavras do escritor, por que a minha preocupação é mais prática. No mundo em que vivemos – e nem é coisa muito moderna – a ordem alfabética é a base de quase tudo, desde o arquivo das fichas no hospital, a nossa identificação no arquivo de registo civil e/ou criminal, a lista telefónica, as pautas com as notas nos exames, etc. etc..

Suponhamos que o menino Aires Matavel (nome fictício naturalmente) nasceu na maternidade do HCM com uma doença que pode deixar sequelas que vão revelar-se 20 anos depois. Nessa altura o nosso Aires já começou a assinar os testes na escola como Ayres; e mais tarde optou por usar Matabele como apelido. Sentindo necessidade de ir ao médico (no Hospital onde nasceu), o clínico quer consultar a ficha para lhe conhecer os antecedentes. Mas claro, ninguém encontra a tal ficha e o médico não atina com o diagnóstico. Felizmente não era coisa de risco de morte, pelo menos para já, e uns paliativos resolveram o problema. Mais tarde, consegue fugir ao SMO porque ninguém o conhece pelo novo nome. E quando vai pedir um registo criminal para abrir um negócio – depois de ter havido grande remodelação no âmbito do UTRESP e ser mais difícil comprá-lo – vê o seu pedido complicado porque deu uma identificação que não aparece onde devia estar. O desenlace já não sei, mas é um aviso de que não se brinca impunemente com a nossa identidade.

É como os nossos jornalistas inglesados. Agora escreve-se a proposição ´de´ com ´D´ e esta passa a ser um nome, como em´Da Silva’ ou ´Dos Santos´. Ou, como está escrito nas placas verdes da autoestrada: Portagem Da Moamba. Estou a ver-me a escrever calinadas destas em inglês, zulu, sotho ou africaans, em letreiros para o público, no país vizinho. Será que também não havia reacção?

Maria de Lourdes Torcato

Monday, April 24, 2006

25 de Abril (2)

A 25 de Abril de 1974, eu era alferes miliciano, em Lisboa. Aqui vai o relato do que foi o meu dia:

Quando ocorreu o 25 de Abril eu era um dos oficiais milicianos mais antigos no Segundo Grupo de Companhias de Administração Militar.

A situação política do quartel era claramente anormal. Era o local onde estavam a ser acumulados todos os oficiais milicianos “suspeitos políticos” depois de terem sido reclassificados devido a terem ficha na PIDE.

Isto tinha dado como resultado que, de cerca de 50 oficiais que haveria no quartel naquela altura talvez mais de 40 eram “suspeitos políticos”.

Oficiais do quadro havia o comandante, se bem me lembro era um major Azevedo, o segundo comandante (não recordo o nome mas tinha a alcunha de Tigre!), um capitão, que era uma besta e tinha a alcunha de Boi, e mais dois ou três subalternos vindos de sargentos.

Dois dias antes do 25 de Abril fui abordado por um aspirante, João Anjos, que suponho que era do MÊS, que me informou que estava para breve o golpe. Para essa noite ou para a seguinte. Não acreditei.

Como nessa noite nada aconteceu, desliguei do assunto.

No próprio 25 de Abril eu era o Oficial de Dia ao quartel.

Durante a noite sou acordado telefonicamente por um amigo que pôs o radio junto do telefone para eu ouvir o comunicado do MFA. Afinal sempre tinha acontecido!

Telefonei para o quartel. Era de madrugada. Talvez umas 4 da manhã. Para meu espanto, do gabinete do telefonista atendeu o comandante! Segundo ele não estava a acontecer nada de especial!

Fardei-me e segui para o quartel, onde estavam a chegar quase todos os oficiais. Conforme entravamos o portão era fechado de novo e ninguém mais podia voltar a sair.

Quanto ao mais ninguém tomava posições. Por todo o lado as pessoas iam seguindo os acontecimentos pelo radio, mas lá dentro era como se estivessemos fora da realidade.

Tudo ficou assim até ao fim da manhã, altura em que me vieram dizer que estava ao portão um oficial do MFA que queria entrar. Mandei abrir e informei o comandante.

Fomos falar com o oficial (creio que também era major e, por coincidência, também se chamava Azevedo, mas não posso garantir, que já lá vai muito tempo). Estava o comandante, o segundo comandante e eu, como oficial de dia.

O homem do MFA disse que precisavam de fornecer alimentos às forças que estavam espalhadas pela cidade e necessitava de camiões para ir à Manutenção Militar buscar esses alimentos. Sabia que o nosso quartel tinha camiões.

Aconteceu então uma coisa que iria repetir-se. Olhei para o comandante, que não disse nada, e para o segundo comandante, que nada disse.

Informei o homem do MFA que lhe dava os camiões. Ele pediu oficiais para seguirem um em cada camião.

Mesma cena de antes com o silêncio dos dois responsaveis. Fui à sala de oficiais e pedi voluntários. Houve mais do que os necessários.

O oficial do MFA pediu, depois, armamento para esses voluntários e lá se repetiu a cena do silêncio. Forneci o armamento e lá seguiram eles.

Depois desta cena achei que não era possível continuar daquela forma. Eu estava a tomar decisões sem cobertura do comando da unidade e a assumir individualmente responsabilidades que poderiam custar caras se a coisa desse para o torto.

Convoquei uma reunião de todos os oficiais do quartel e exigi que, um por um, dissessem qual era a sua posição em relação ao que estava a acontecer. Como era de esperar a grande maioria aderiu ao movimento, incluindo, para minha surpresa, o segundo comandante.

O comandante, o capitão (Boi) e um ou dois dos subalternos do quadro não aderiram e foram postos sob prisão em quartos do quartel. Foram posteriormente entregues ao MFA.

A partir desse momento o quartel passou a estar ligado ao movimento e ainda participou, se bem me lembro, em alguns assaltos a casas da PIDE que existiam espalhadas pela cidade.

Bastantes anos mais tarde, numa celebração do 25 de Abril aqui em Maputo, vim a encontrar o tal homem do MFA que lá foi “desinquietar” os espíritos naquele famoso fim de manhã.

O João Anjos, também já esteve por cá, em Moçambique, mas na cidade da Beira.

E este foi o meu 25 de Abril. Nada de particularmente heroico, mas uma recordação inesquecível que hoje aqui partilho convosco.

Saturday, April 22, 2006

25 de Abril (1)

Aproxima-se o 25 de Abril e aqui incluo um primeiro texto, elaborado há uns anos, sobre alguns aspectos que estiveram na origem do Movimento das Forças Armadas:

Embora o 25 de Abril de 1974 seja um acontecimento português, as suas causas próximas estão de tal forma ligadas, directa e indirectamente, às guerras que Portugal desenvolvia em Angola, Guiné e Moçambique, que se pode afirmar que, sem os levantamentos armados nas antigas colónias, provavelmente nunca teria havido um 25 de Abril.

Até onde me apercebo as forças armadas portuguesas eram, até ao inicio das guerras africanas, formadas por oficiais de carreira (o chamado Quadro Permanente), provindos de uma certa aristocracia, com tradições militares, e de uma burguesia conservadora e formados numa Academia Militar onde as entradas eram rigorosamente seleccionadas. Um quadro permanente de sargentos ajudava a enquadrar os soldados que, anualmente, entravam para cumprir o seu serviço militar obrigatório.

Eram forças armadas de pequena dimensão, apropriadas para um país pequeno e sem graves riscos de conflito armado com o único vizinho europeu.

Tudo isto se vai alterar com o início da guerra, em Angola e, depois, na Guiné e em Moçambique, no início da década de 60.

De um momento para o outro Portugal viu-se forçado a aumentar de forma explosiva o número dos integrantes nas suas forças armadas. A área a defender deixou de ser apenas o território europeu e uma presença sem grande significado nas colónias, para passar a ser um território enorme, muitas vezes superior ao do Portugal Europeu.

Isso implicava a mobilização de muitíssimos mais recrutas mas, essencialmente, de muito mais oficiais e sargentos, para enquadrar esses recrutas.

E a Academia Militar não se mostrava capaz de fornecer oficiais em número e qualidade capazes de responder às solicitações. Pelo contrário, com o iniciar das guerras nas colónias o número de candidatos a entrar na Academia foi descendo de forma cada vez mais acelerada. A carreira militar, que era encarada como prestigiante e bem paga, antes das guerras, passou a ser considerada de alto risco e grandes perturbações de vida, depois que ficou claro que as guerras iam durar por tempo indeterminado. Isto levou à queda nas inscrições na Academia e, consequentemente, à baixa progressiva dos critérios de exigência à entrada. A Academia deixou de ser destino de uma elite conservadora e passou a ser a possibilidade de jovens sem grandes possibilidades económicas tirarem um curso superior com equivalência às outras universidades.

Temos aqui já uma primeira alteração importante na situação. Os oficiais do quadro permanente do exército passam a sair de uma camada social substancialmente diferente da que prevalecia anteriormente.

Mas, mesmo assim, as quantidades de oficiais que saiam da Academia e de sargentos que saiam das escolas de sargentos não chegavam para nada. À medida que as guerras prosseguiam os oficiais do quadro permanente iam envelhecendo e sendo promovidos a postos mais altos sem serem substituidos em quantidade e qualidade suficientes aos niveis mais baixos, os níveis que entravam directamente em combate, isto é os alferes, tenentes e capitães.

Esta situação obrigou à fabricação acelerada de oficiais a partir dos civis que eram chamados a cumprir o serviço militar. Primeiro para preencher as vagas ao nível de alferes. E são os estudantes universitários que vão servir para este objectivo. Incorporados em números cada vez maiores, passam por um Curso de Oficiais Milicianos acelerado e são mandados comandar pelotões combatentes para as colónias.

E aqui assistimos a outro ponto da maior importância. As universidades portuguesas, durante toda a década de 60 e princípios da de 70 foram-se tornando cada vez mais em centros de politização radical contra o regime. A agitação política era permanente e os confrontos frequentes e, muitas vezes, violentos. E são os estudantes saídos destas universidades que vão ser chamados a dirigir tropas nos teatros de guerra. Estudantes cada vez em maior número mais identificados com as aspirações dos movimentos de libertação das colónias do que com o seu governo. Eram, portanto, oficiais desmotivados e mal preparados tecnicamente que eram enviados para a guerra.

E, com o decorrer dos anos, a situação vai-se agravando cada vez mais. A partir de certa altura não são já apenas os alferes que fazem falta. Passam a ser os tenentes e, mais tarde, os capitães. A isso voltaremos mais adiante.

Entretanto, a vida dos oficiais e sargentos do quadro permanente entra num caos total. A vida de um oficial típico pode ser descrita pelo seguinte exemplo esquemático:

- Jovem oficial, recém casado, vive em Leiria.

- Começa a guerra e é mobilizado para Angola. Enquanto está em Angola nasce o

primeiro filho. Passa dois anos em Angola.

- Volta a Portugal e, apesar dos protestos, é colocado em Bragança onde a família vai ter e onde fica mais dois anos. Compra e começa a pagar uma casa.

- É mobilizado para a Guiné. Deixa a família e vai para a guerra. Ao fim de um ano consegue ser transferido para Bissau e a família vai ter com ele. Passa mais um ano em Bissau.

- Volta a Portugal e é colocado em Faro. Protesta, por causa da casa que está a pagar em Bragança, mas não adianta nada. Vai para Faro onde, ao fim de um ano, o filho começa a ir à escola.

- É mobilizado para Moçambique. Ao fim de algum tempo a mulher vai ter com ele e o filho fica com familiares para não perder as aulas.

- Ao fim de dois anos em Moçambique volta a Portugal e é colocado em Santarém. Tem que transferir o filho, arranjar outra casa, etc…

E este esquema vai-se repetindo ano após ano, desgastando completamente a estabilidade de vida desses homens que, em África, enfrentam uma guerra e, em Portugal, não conseguem ter paz.

Homens que, cada vez mais, são levados a conviver, nos quartéis, com os seus camaradas milicianos, politizados e espalhando uma politização anti-guerra.

A gota de água que fez transbordar o copo foi um diploma legal que, face à necessidade de um maior número de capitães, permitia que milicianos que já tinham feito a guerra fossem, de novo, incorporados e reenviados para a guerra como capitães. Enquanto os oficiais do quadro permanente tinham que cumprir prazos e condições para a sua promoção, esses milicianos acabavam por os ultrapassar na subida hierárquica e, pior ainda, poderem transitar para o quadro permanente.

É este diploma legal o detonador do chamado Movimento dos Capitães, que viria a estar na origem do 25 de Abril.

Ao longo do processo o Movimento vai-se politizando cada vez mais, mas, na sua origem, está a guerra e tudo quanto ela significou para as forças armadas profissionais portuguesas.

Há quem afirme que os movimentos de libertação africanos venceram a guerra. Há quem negue isso, com base na situação real nas frentes de combate em 1974, desigual se pensarmos nas posições relativas na Guiné, em Moçambique e em Angola.

Eu penso que venceram a guerra, sim, mas mais nas cabeças e nos corações dos militares portugueses. E, para isso, os progressistas portugueses foram aliados fundamentais.

Mas, volto a dizer, sem as guerras nas colónias a sobrevivência do regime português seria muito mais prolongada. A democracia não teria chegado quando chegou nem, muito provavelmente, da forma e com a dimensão que chegou.

No fundo acabámos todos por ganhar com o 25 de Abril: Portugal ganhou a paz e a democracia e as colónias ganharam um caminho mais rápido e menos traumatizante para a Independência.

O que, depois, cada um fez do seu respectivo país, já é outra história.

Wednesday, April 19, 2006

Carlos Serra

O sociólogo Carlos Serra juntou-se à família bloguistica, ao abrir o seu:

oficinadesociologia.blogspot.com

Façam-lhe uma visita.

Machado

Saturday, April 08, 2006

Línguas...

Nestes quatro letreiros, da língua oficial ou outras línguas moçambicanas, apenas os topónimos, e, por este andar, só por enquanto.

Se a fusão e a modernização portadoras de progresso devem ser acolhidas, o problema aqui não é importar, tomar de empréstimo, mas excluir, renunciar, prescindir do que é moçambicano, do que é por todos reconhecido como essência de Moçambique. Cadê o respeito pelo cidadão nacional e o orgulho moçambicano? Simples cedência comercial ou também de soberania e identidade?
Fátima Ribeiro

Monday, April 03, 2006

Siga a Música!

O Manuel Mangue vem juntar-se à música:

Por Trás da Música

Confesso que esta é uma questão que quanto mais escuto ou leio, mais fico em dúvidas. É questão sobre a qual tenho mais perguntas do que respostas, sobretudo pela sua simplicidade complexa, paradoxalmente.

A primeira delas é de saber se é, de facto, a questão da música moçambicana que está em jogo ou uma outra coisa que a precede.

Muitas vezes fala-se, por exemplo, que se vive uma crise de ideologias – da qual ficamos a discutir as ideologias, em especial as de “cartas marcadas”, socialismo, capitalismo, etc – e pergunto-me se, na verdade, o que faz a crise não seria a quase ausência de utopias, seja de que tipo for. Fala-se da crise dos sexos e me pergunto se esta não seria uma crise secundária subjacente a uma outra que, na verdade, seria a de identidade (sendo individual) psíquica, no caso. Mas a intenção não é debater isso, mas fazer entender o ponto de vista de que a “crise” na definição da música moçambicana pode não ser solitária; isto é, a dificuldade em se definir o que vem a ser musica moçambicana pode estar ancorada à dificuldade em se definir o que é ser moçambicano. É uma dificuldade ou crise que, na verdade, pode ser a de formação de uma identidade (sendo colectiva) cultural moçambicana, da qual a música é apenas um aspecto. Dito de uma outra maneira, o que está em dificuldade é a formação e até o papel dessa identidade, visto que toda cultura (e arte associada - música, etc.) só tem sentido na medida em que se exprime numa identidade, e que ao subordinar essa identidade à combinação de alguns acordes corre-se o risco de tornar absoluto aquilo que, na realidade, é só um aspecto.

(Sobre esse aspecto também pergunto-me se os limites não estão na linguagem – linguagem como essência, isto é, como, ao mesmo tempo, língua, palavra e a própria linguagem - próximo do que Wittgenstein declara ao referir que os limites do pensamento são os limites da linguagem e em que, no caso, as dificuldades estejam na capacidade de pensar e exprimir o mundo (nosso como moçambicanos) que somos capazes de fazer. A dificuldade pode estar em como nomear inclusive as metamorfoses pelas quais passa esse mundo).

Ainda sobre a questão específica da identidade, parece-me que esta seja a marca pela qual nos dirigimos para a realidade. É por ela que enraizamos a nossa cultura na realidade; cultura que, por sua vez, está inserida num jogo identitário; está inserida num contexto de ações identitárias (e extra-identitárias quando esta cultura é definida pela diferença, isto é, quando esta é situada em relação às outras) e ao mesmo tempo apresenta-se como parte de um cenário total que é pertencente a uma forma de vida; é pertencente a uma espécie. Com isso, a cultura se torna uma referência, de tal modo que cultura e arte (musical, literária, plásticas, etc.) se tornam indissolúveis. Por outra, cultura e arte (indissolúveis) não é o mesmo que - e ao mesmo tempo transcende - cultura + arte (representando, por um lado, o todo e, por outro, o total, respectivamente) e em que, neste último aspecto, a arte pode, inclusive, “viajar” sem a cultura.

Assim posto, e lembrando-me da proposta de que faz-se necessária uma revolução musical em Moçambique, pergunto-me se (1) seria evolução ou revolução (ou revolução fruto de um processo prolongado ou intenso de evolução); (2) esse processo se daria com que referências?

Pergunto-me também, se essa forma de debater a música, em que em citado, por exemplo, que o reggae é tocado em toda a parte, não seria esse um debate apenas estético? Quando escutamos uma música e a seguir perguntamos o nome, a nacionalidade, etc. do autor, mais do que esses dados, será que não há nisso um exercício de saber a “quem” ele pertence?

Pergunto-me ainda se não é a dificuldade em construir (e exprimir) uma identidade cultural nacional que nos leva a propor uma espécie de pluralidade musical - acima dessa nacional – em que as pessoas possam se refugiar onde se sentirão melhor acolhidas? (lembro-me que uma vez, depois de 2 horas de Tupac, um amigo pergunta-me se “Moçambique não tem uma música fora a essa?”. Claro que ele sabia que essa não era música de Moçambique, tanto quanto pareceu-me que, na verdade, o “Dj” da hora estava em seu “porto seguro”, como refúgio - assim como os demais que se reuniam em clãs musicais, em função de onde se sentiam acolhidos; em que a primazia era pela identificação estético-musical em contraposição à cultural que se mostra dispersa e quase ausente). Feita uma analogia com o plano pessoal, se o individuo não é capaz de desenvolver uma identidade psíquica, esta é assumida pelo grupo, e este pode ser qualquer um, desde que melhor o acolha.

Por outra, parece-me que numa sociedade em que não se impõem os limites identitários, não há auto-censura; se não há auto-censura, não há sublimação; sem sublimação não há cultura; e sem cultura, esta pode ser qualquer uma, isto é, a música, no caso, fica a cargo de cada um. O que surgir é isso mesmo. Portanto, uma sociedade sem fronteiras identitárias, a estética (musical ou de outro tipo) é que impera.

Além da crise de identidade nacional como pressuposto, também me pergunto se de facto não vivemos essa crise em função de um processo de descolonização paralelo a um outro de globalização que transforma os micro-padrões de identidade (que iam sendo associados para dar uma certa cara de identificação nacional) em partículas atômicas que reagem indiscriminadamente (e entre as quais, pela própria globalização, algumas partículas contêm o elemento catalisador), sustentando-se apenas as reações economicamente viáveis, ainda que fugazes? Com isso, teriam, estas sociedades, que desistir de oferecer padrões (referências) de identidade nacional e passarem a oferecer padrões de identidade estética, conquanto que estas sejam lucrativas e/ou hedonísticas?

Em jeito de fim, uma frase mais ou menos sobre estas questões é atribuída a um professor de japonês para executivos. Segundo ele, “vocês podem até aprender a língua falada no Japão, mas nunca aprenderão japonês”. Portanto, parece haver uma identidade japonesa que vem ao de cima e que serve de referência e filtro ao modo ser e estar de um povo em que quaisquer evoluções permitidas sejam por agregação de valor a essas referências e não por dispersão ou aniquilamento (por outros processos e variáveis) das simbioses locais. Só é japonês quando cultura/língua (cultura/arte), nessa ordem, são indissolúveis. Se existe uma essência, esta não está na arte, língua ou outra expressão, mas sim na identidade subjacente e essa só adquire dimensão local quando cultura e arte são uno/sincrônicos. Mas, pode-se dar o caso de uma sociedade não saber quais as fronteiras dos seus padrões únicos. Nesse caso, e a semelhança do machimbombo, para quem não tem destino, qualquer caminho serve, especialmente se o machimbombo for rápido e confortável. É moderno e, como tal, dá status.