Ideias para Debate

Sunday, December 25, 2005

Natal Missionário

Encontrei esta velha foto, tirada na Nigéria, no Natal de 1923, muito elucidativa do "espírito natalício" naqueles tempos.
Reparem na escolha acertada do fulano que tem o X maiúsculo.

Friday, December 23, 2005

Ideias foi premiado


O blog Maschamba, do JPT, atribuiu os seus Prémios Gandula para 2005.

O Ideias Para Debate recebeu o Prémio Gandula para o Melhor Blog Político.

Os Prémios Gandula deste ano são simbolizados por uma escultura da ceramista moçambicana Reinata Sadimba.

Obrigado pelo estímulo

Machado

Tuesday, December 20, 2005

Morreu João Reis

Não o conheci e, pelo que leio neste texto, tenho pena de não ter conhecido. Deve ter sido uma pessoa bem interessante.
Aqui vai o texto:

Caro Machado da Graça,

Como teve a delicadeza de publicitar no seu blog texto de João Reis sobre o Craveirinha e dada a sua qualidade de jornalista, penso que gostaria de ser informado que o jornalista e escritor faleceu um pouco inesperadamente, a 7 de Dezembro. A 11 de Novembro, dia de S. Martinho, deu uma queda e fracturou o fémur. Após inúmeras peripécias, em que foi levado de hospital em hospital, acabou por ser operado 10 dias depois no Hospital Dr. José de Almeida na Parede. Parecia que a sua recuperação estava a correr bem, apesar da infecção urinária e da pneumonia que apanhou no próprio hospital. No dia em que foi para o ginásio fazer fisioterapia, disse à fisioterapeuta que se sentia muito cansado, acabando por falecer durante o sono, no dia seguinte às 2 horas da manhã. Foi-se o "Finish" como era conhecido pelos amigos, Ti Hosi, como lhe chamava a mulher do Malangatana, o Mestre João como lhe apelidavam os ex-alunos ou apenas João como todos nós o carinhosamente interpelavamos.

Entretanto e a pedido do próprio, foi feita a cremação do corpo e as suas cinzas espalhadas ao vento e no mar no Cabo da Roca, o ponto mais ocidental da Europa, cerimónia que decorreu há exactamente 8 dias, na presença da família. O João Reis queria ser transformado em cinzas, para que elas pudessem servir de renovação a outros seres vivos. Queria ser lançado ao mar, porque era de lá que tinha vindo a vida para a terra e para que pudesse voltar, nas ondas, às terras e aos continentes onde tinha estado e que tinha tanto amado, o seu Moçambique em África e a sua Macau na Ásia.

O Savana dedicou-lhe um editorial no dia 9 de Dezembro. Abaixo junto uma breve nota biográfica do autor:

João Salva‑Rey, pseudónimo literário de João Correia dos Reis, natural de Lisboa, fixado em Moçambique, Lourenço Marques, desde Janeiro de 1937 até finais de Dezembro de 1975. Na capital moçambicana concluiu os estudos secundários, e iniciou curso universitário, cuja licenciatura acabaria em Lisboa (F.L.L.). Foi docente do ensino técnico, e mais tarde Administrador da Imprensa Nacional de Moçambique onde inaugurou uma Livraria pública para coincidir com o lançamento do Livro também de sua responsabilidade e autoria, Datas e Documentos da História da Frelimo.

Iniciou‑se no jornalismo (desportivo) no jornal "Eco dos Sports", passou depois a repórter, e, sucessivamente, a redactor desportivo, crítico de teatro e de cinema, redactor e chefe de redacção do Jornal Guardian, além de colaboração vária em outros jornais e revistas. Organizou (em duas sessões) um sarau de poesia por ocasião das Festas da Cidade (de L. Marques) em 1959, do qual sairia também, por sua iniciativa, e edição da Poliarte (da qual era sócio) um disco "Poetas de Moçambique", com a inclusão de Reinaldo Ferreira, José Craveirinha, Rui Knopfli e Rui Nogar. Organizou, com Reinaldo Ferreira e Antero Sobral e outros, o Círculo de Iniciação Teatral de L. Marques. Único fundador, e único proprietário do diário A Tribuna, em 1962, para o qual reuniu colaboradores como José Craveirinha, Rui Knopfli (de quem editou o "Reino Submarino") Eugénio Lisboa, Orlando Mendes, Adrião Rodrigues, Luiz Bernardo Honwana (de quem editou o livro "Nós matámos o cão tinhoso") Mário Sampaio, Domingos de Azevedo, Rui Martins, Rui Nogar, Teresa Sá Nogueira, F. Carneiro, e outros - jornal de que voluntàriamente abdicou por interferências estranhas à orientação política até então seguida. Preso pela PIDE em 1964. Funda, igualmente sozinho, o semanário O Jornal, em 1966, que se extinguiria em 1975. Responsável pela 2.ª edição, autoria do prefácio e posfácio da obra de etnologia "Usos e Costumes dos Bantus" do Prof. H. Junod (1975). De regresso a Portugal, ingressou no Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, e depois na Faculdade de Letras de Lisboa, onde desempenhou funções de assistente de História (1978/1987). Em Macau desde 1988, onde foi igualmente assistente universitário e colaborador de jornais, da Revista do Instituto Cultural de Macau, e da Revista Macau.
Editor da Colecção Cultura Portuguesa do Mar (da Mar-Oceano Lda).

Regressou a Lisboa em 2004. Faleceu a 7 de Dezembro de 2005.

Obras & Artigos Publicados:

- Kufemba (1ª ed.) – Lourenço Marques – 1972
- Kufemba (2ª ed.) – Lourenço Marques – 1974
- A Saga Otomana – Lourenço Marques – 1974
- Datas e Documentos da História da Frelimo – Maputo – 1975
- Kufemba (3ª ed.) – Lisboa – 1977
- Alimentação e Saúde do Atleta – Lisboa – 1983
- A Empresa da Conquista do Monomotapa – Lisboa – 1985
- Desporto Alimentação e Saúde – Lisboa – 1988
- Polémicas de Eça de Queiróz (5 vol.) – Lisboa – 1986/1988
- Trovas Macaenses – Macau – 1991
- Introdução à História da Literatura da China – Macau – 1991
- Memória das Armadas da Índia – Macau – 1991
- Fortalezas Portuguesas do Oriente – Macau – não publicado
- As Igrejas portuguesas do Extremo Oriente (não publicado)
- O Livro de Tao – Macau – 1997 (mais três edições)
- Os 81 Capitulos de Lao Zi – Macau - 2004
- Um Macaense de Trás os Montes 3 Vol. Macau 2004
(Joaquim Morais Alves)

Na Revista do Instituto Cultural

-Ensaio sobre Malangatana Ngoenha e a sua Pintura (1996)
-Manuel Godinho de Erédia e a Descoberta da Austrália (1997)
O Livro de Lao Zi (1999)
Na Revista Macau
Macau e o Tratado de Tordesilhas (1998)
A História do Victor (Marreiros)
Colaboração diversa em jornais de Macau
- Kufemba – 4a Edição – Maputo 2005 (no prelo) - a ser editado postumamente com o apoio de Mia Couto.

Um abraço
Pinto Lobo

Monday, December 12, 2005

9 Meses

Há dias fui fazer uma palestra na escola Anarkaly, uma instituição que ensina línguas e dá cursos sobre a realidade moçambicana para estrangeiros. O tema que me foi proposto foi um balanço dos primeiros 9 meses do governo Guebuza.
Aqui está o texto que li:

Avaliar os primeiros 9 meses do governo de Armando Guebuza não é coisa fácil.

E não o é porque os sinais que nos chegam são poucos e nem sempre apontando no mesmo sentido.

Mas, para começar, creio que se impõe ver até que ponto a prática governamental está a corresponder ao discurso da campanha eleitoral e dos primeiros tempos de governação.

Recordemos que esse discurso se baseou na promessa de luta contra a pobreza absoluta e, para lá chegar, no combate à corrupção, criminalidade e espírito de deixa-andar.

Sendo óbvio, para todos, que estes são problemas reais, que precisam de ser enfrentados, este discurso criou expectativas fortes junto da população, desejosa de ver estes males irradicados.

Ora, 9 meses depois, as coisas não parecem estar a correr como se desejaria.

A criminalidade, por exemplo, parece estar a crescer e não a diminuir. São constantes os casos de assaltos e assassinatos, de violência nas ruas, sem que a polícia pareça estar capaz de controlar a situação. A um nível mais alto, no caso do crime organizado, este parece continuar a dominar a situação, com os criminosos a enfrentarem, arrogantemente, as autoridades. O caso agora em julgamento do assassino Anibalzinho é bem exemplo disso, com o réu, permanentemente risonho, a afirmar, em pleno tribunal, que a sua segunda fuga foi um milagre de Deus.

A fuga de outros malfeitores poucos dias antes do julgamento, e as notícias publicadas sobre um banquete, que teria junto presos e guardas, na noite da fuga, leva a pensar que as autoridades continuam a não dar a devida importância à sua função. Mais recentemente, na Beira, outro grupo de 8 cadastrados fugiu de outra das prisões a que continuamos a chamar de máxima segurança.

Ainda no campo das forças policiais, o que se conseguiu perceber dos acontecimentos de Mocimboa da Praia parece comprovar que a escolha do Ministro do Interior não terá sido a mais aconselhável. Aquele dirigente, quando Governador de Cabo Delgado, tinha tomado posições extraordinariamente contestáveis em relação à matança de Montepuez. Os métodos agora utilizados parecem confirmar uma tendência que se desejaria invertida.

Tentativas de apresentar serviço, como a condenação a pesadas penas de prisão de duas jovens que transportaram cocaína do Brasil para Moçambique, não escondem a realidade que é a continua impunidade dos grandes traficantes de droga no país. Pune-se o peixe miudo mas deixa-se em liberdade o graúdo.

Em relação à luta contra a corrupção, os resultados também não são animadores, antes pelo contrário. Para além das iniciativas pessoais de alguns ministros, de tentar meter na ordem os seus sectores, nada se passou que possa levar-nos a pensar que estão a ser tomadas medidas sérias contra esse mal.

Pelo contrário, a única pessoa que mostrava vontade de enfrentar o problema sem medo foi afastada do seu cargo e substituida por um colega com um curriculo de casos parados e mal organizados. Diz-se, inclusive, que os processos que tinham sido iniciados pela Dra Isabel Rupia, vão ser anulados porque a Unidade Anti-Corrupção era uma organização ilegal.

É verdade que vários dirigentes, conectados, na opinião pública, com casos de corrupção, foram afastados dos seus cargos, mas também é verdade que os inquéritos e auditorias que foram feitos aos serviços até agora dirigidos por alguns deles se mantêm no segredo dos deuses. E as afirmações da Primeira Ministra no parlamento dão a entender que assim vão continuar. Continua a parecer que se quer fazer omeletes sem ter que partir ovos, o que, é sabido, não funciona. A decisão de não punir os corruptos, à partida, significa que não se vai combater a corrupção. A garantia de impunidade é um factor determinante da continuação do processo.

O seminário que decorre, neste momento, para traçar uma estratégia de combate à corrupção parece ser mais uma tentativa de fingir que se está a fazer alguma coisa quando, na verdade, não se está a fazer nada.

O fenómeno do deixa-andar, que tem que ver com os aspectos anteriores mas vai mais além, foi a grande bandeira do novo governo.

E digo que foi porque, na realidade, há já bastante tempo que dele se deixou de ouvir falar. De frase sempre presente em todos os discursos passou a ausente da maior parte deles. Ao que parece estava a incomodar os membros do anterior executivo, tendo o anterior presidente chegado a afirmar, publicamente, que o próprio Presidente Guebuza fazia parte do sistema agora acusado de deixa-andar.

Hoje, portanto, o discurso incide mais no combate à pobreza absoluta e menos nos impedimentos de lá chegar.

Mas em que é que consiste o combate à pobreza absoluta? Quais as medidas concretas que o governo apresenta para se alcançar esse objectivo?

Com excepção da espectacular negociação do dossier Cahora Bassa não se vislumbram medidas económicas que possam atingir esse fim.

Pelo contrário, parece haver medidas para esconder essa pobreza, em vez de a remediar. É patente, por exemplo, o esforço do executivo para esconder que há muita gente a morrer de fome. Fazem-se discursos tecnicistas para dizer que as pessoas não morrem de fome mas de outras causas, algumas bem estranhas como, por exemplo, a falta de apetite. Embora com enorme quantidade de gente sem nada para comer o Governador de Gaza recusa-se a decretar o estado de calamidade e o de Inhambane aconselha a população a rezar e comer mangas e cajus.

Mas a verdade é que o não reconhecimento da gravidade do problema torna mais dificil encontrar soluções para ele.

Fala-se em 800 mil pessoas afectadas pela fome e isso é uma calamidade de grandes dimensões. Não se pode fingir que não existe.

Ainda em termos económicos é notório o afundamento da nossa indústria. Todo o sector do caju, todo o sector dos texteis e confecções, unidades de grande impacto económico como a Mabor ou a Maquinag, só a título de exemplo, foram à falência lançando os trabalhadores para a rua. Vilas com uma tradição industrial, como o Monapo, estão hoje com todas as suas fábricas fechadas.

E não são mega-projectos, como a Mozal, que resolvem estes problemas. Por um lado por serem baseados em tecnologias muito avançadas, pouco utilizadoras de mão de obra. Por outro lado porque os grandes benefícios recebidos do governo, para os atrair para o nosso país, fazem com que a maior parte dos ganhos seja exportada para fora de Moçambique.

Por estranho que possa parecer a exploração do gaz de Pande foi feita, no início, por uma empresa de capital totalmente estrangeiro, a Sasol, estando o Estado moçambicano agora, aos poucos, a comprar algumas acções da empresa. Como é possivel que, numa altura em que a questão dos combustíveis é estratégica para qualquer país, o nosso gaz seja totalmente entregue a uma empresa estrangeira?

Esta questão dos combustíveis, de resto, foi motivo para os maiores choques, neste período, entre governantes e governados. A subida dos preços, de forma galopante, e sem qualquer preparação prévia, causou os problemas graves que seriam de prever, não fosse a natural arrogância do poder que acha que tudo pode fazer sem ter que prestar contas a ninguém. As medidas apressadas que foram anunciadas só parcialmente foram postas em prática, não se vendo, até hoje, os novos autocarros prometidos nem os carros movidos a gaz natural.

Além disso é notório que o preço internacional dos combustiveis está a baixar sem que isso se reflita nos nossos preços ao público. A título de exemplo, em Portugal a Galp baixou, há dois dias, os preços pela sétima vez consecutiva, com alguns a atingirem niveis mais baixos que em Junho.

Mesmo a nivel macro-económico a situação não parece boa. Nos últimos tempos assistimos a uma depreciação acelerada do valor do Metical, em relação às principais moedas de referência e, em pouco tempo, vimos as reservas do país cairem de cerca dez meses de importações para cerca de quatro. Para onde foi esse dinheiro? Como foi gasto?

E isto leva-nos à questão de Cahora Bassa. Como toda a gente, acho que foi óptimo ter-se conseguido o acordo, mas pergunto: Como vamos pagar? De onde virá o dinheiro?

E esta pergunta deriva do risco de termos que o ir pedir lá fora a quem o tem. E de isso nos colocar na situação de recebermos a barragem para imediatamente a hipotecarmos a outros estrangeiros. Podemos estar a assistir a uma saída dos portugueses para dar lugar aos sul-africanos ou aos chineses, por exemplo. E, se assim for, não sei se ganharemos com a troca.

Igualmente a gestão da barragem me preocupa. Li, no jornal Domingo, a afirmação de Hermenegildo Gamito de que temos capacidade no país para gerir Cahora Bassa. O curriculo empresarial da pessoa em causa só me pode causar uma maior preocupação.

De qualquer forma, quem acompanha os processos politicos e eleitorais noutros países sabe que os partidos e candidatos concorrentes fazem promessas mas, de uma forma geral, dizem como vão actuar para cumprir essas promessas. Que vão subir, ou baixar, os impostos, que vão privatizar isto ou nacionalizar aquilo, que vão tomar estas ou aquelas medidas concretas.

Por cá diz-se que se vai combater a pobreza absoluta mas não se indica como nem quando. Não somos informados dos meios que estão previstos para atingir aquele fim.

Em resumo, como bem salientou a oposição parlamentar, não é possivel medir o desempenho do executivo porque não temos balizas concretas que possamos verificar se estão, ou não, a ser respeitadas.

Tudo isto no contexto de uma situação política em que continua a destacar-se bastante o anterior Presidente da República.

Sendo uma pessoa de prestígio, nacional e internacional, Joaquim Chissano continua a ser presença habitual nos órgãos de informação, coisa que perturba um pouco num país onde estamos habituados a assistir a um poder total e concentrado, como consequência do desaparecimento físico do anterior titular.

No caso presente, em que o anterior Presidente continua vivo e activo, creio que teremos que nos habituar a uma transição de um tipo diferente, mais de acordo com os hábitos das democracias mais antigas. E que isso não é mau, pelo contrário é bom.

E se isso nos der a entender que a saída de Joaquim Chissano não foi tão pacífica como pareceu e há alas, dentro da Frelimo, que apoiam Guebuza e outras que apoiam Chissano, também não me parece que isso seja negativo. Penso que é tempo de as coisas se tornarem mais transparentes e deixarmos de olhar para o partido no poder como uma coisa monolítica, cercada de total segredo sobre o seu funcionamento interno.

Neste contexto foram interessantes e sintomáticas as posições públicas de Marcelino dos Santos, afirmando que, com Guebuza, o povo voltou ao poder. O silêncio a que foi, depois, remetido este veterano da Frelimo pode significar que esse regresso do povo ao poder está longe de ser uma realidade.

Para finalizar, o episódio desta manhã na Assembleia da República, no debate sobre a alteração dos símbolos nacionais, nomeadamente a bandeira e o emblema.

Apesar de as duas bancadas terem votado a favor da criação da Comissão ad Hoc para esta alteração e de para esse fim terem sido alocados generosos fundos, hoje assistimos à bancada parlamentar da Frelimo a garantir que não vai permitir nenhuma alteração nem da bandeira nem do emblema.

Claramente se trata de uma mudança de posição do partido maioritário, derivada da mudança na sua direcção. Mas é estranho assistir-se a deputados que votaram, a seu devido tempo, a favor destas alterações, aparecerem hoje a fazer discursos, inflamadamente patrióticos, contra elas.

Isto depois de muito tempo, trabalho e dinheiro gastos.

E isto é o que se me oferece dizer, para início de conversa.

Muito obrigado.

Wednesday, December 07, 2005

Corrupção

Neste dia em que o Ideias Para Debate foi considerado o melhor blog político pelo Maschamba (É só clicar aqui ao lado.Obrigado JPT) entra no debate um novo parceiro, o Daniel Doku:

A Corrupção: Uma perspectiva
Tenho estado a acompanhar, com alguma dificuldade, devo dizer, o debate sobre a corrupção. Não pretendendo aqui afirmar nem negar a existência de corrupção em Moçambique, vou limitar-me a analisar um dos argumentos de Elísio Macamo. Saliento, desde já, que sou recém-chegado à língua portuguesa, pelo que é possível que tenha entendido mal os textos no blog. Se isto se verificar, peço imensa desculpa pelo que se terá então tornado uma digressão desnecessária.
O argumento
O argumento particular de Elísio é o seguinte:
Conclusão: Não há corrupção em Moçambique.
Premissas:
1. Nas condições actuais do nosso país não é possível definir a corrupção com utilidade, pois isso pressupõe um sistema político e económico com uma estrutura minimamente clara.
2. As várias definições até aqui ensaiadas pecam por serem demasiado prescritivas; estão a descrever o país que somos, mas sempre numa perspectiva de explicar porque as coisas são como são e como devem ser resolvidas. São portanto circulares.
Suponhamos, por um simples exercício, que as premissas são verdadeiras. Teremos então pelo menos duas possibilidades. Em primeiro lugar, e como apontado por Ciprix, a coisa em si é distinta da sua definição. Aceitando esta distinção verificaremos que a impossibilidade de uma definição não implica necessariamente que a coisa não existe. Portanto, a conclusão de Elísio não deriva da premissa 1. Ou seja o argumento é inválido.
Em segundo lugar, as premissas são de facto negações das razões dadas pelos que afirmam a existência de corrupção em Moçambique, afirmação essa que tentam fundamentar através de definições e exemplos. Portanto, uma vez mais, a conclusão não deriva da premissa 1 nem da premissa 2. Quer dizer, o argumento é inválido.
Ao que atrás foi dito, acresce que, e não menos importante, tudo isto nada nos diz sobre a afirmação de que há corrupção em Moçambique.
Em resumo, mesmo na hipótese de as premissas serem verdadeiras, a situação até aqui é a seguinte: o argumento acima é inválido. Quer dizer, precisamos ainda de um argumento convincente relativo à não existência de corrupção em Moçambique. Por outro lado, o argumento não tem nenhuma implicação sobre a afirmação de que há corrupção em Moçambique, embora negue as razões que fundamentam essa afirmação.
Mas, serão as premissas verdadeiras?

As premissas
Deixemos a premissa 2 de lado. Isto porque não podemos analisar todas as definições até aqui dadas, além de que deixar de lado aquela premissa não afecta negativamente a nossa discussão.

Quanto à premissa 1, Elísio introduz o que ele considera uma pré-condição necessária para definir a corrupção em Moçambique. Ou seja, precisa-se em Moçambique de um sistema político e económico com uma estrutura minimamente clara antes de se poder definir a corrupção. Parece-me tratar-se de um constrangimento arbitrário, pelo que precisaria de um argumento próprio antes de ser introduzido. Mas talvez Elísio já tenha proposto algures tal argumento e eu simplesmente não me tenha dele apercebido. Se assim for, peço uma vez mais as minhas desculpas.
Mas, mesmo assim, parece-me que a referida pré-condição não se coaduna bem com as outras declarações de Elísio. Segundo ele, “a corrupção, por exemplo, é uma reacção racional, ainda que moralmente indesejável, à presença de fundos, externos ou não, cuja utilização não está sujeita a grandes controlos.” A reacção é racional porque deriva de lógica situacional, segundo a qual “as pessoas procuram sempre tirar proveito próprio de situações.”
Suponho que se possa descrever a reacção como também economicamente indesejável. Parece-me ainda não haver necessidade lógica da palavra “grandes” uma vez que a lógica situacional como tal não depende do tipo de controlo. Portanto, podemos substituir a palavra “grandes” pela palavra “adequados”. Posto isto, até aqui podemos dizer o seguinte:
A corrupção é uma reacção racional das pessoas, ainda que moral e economicamente indesejável, à presença de fundos, externos ou não, cuja utilização não está sujeita a controlos adequados.
Chamemos a isto uma definição limitada. Note-se que de forma alguma representa uma definição completa de corrupção, sendo apenas uma definição útil, eu aventaria, e, se funcionar, um ponto de partida. Como não quero perder o fio à meada, não especularei sobre como se poderia alargar e refinar essa definição limitada. (Aliás, Manuel Tivane chamou a nossa atenção para a lei anti-corrupção moçambicana: Lei nº 6/2004, de 17 de Junho (BR nº 24, I série, que define corrupção passiva e corrupção activa).
Os que afirmam a existência de corrupção aceitariam esta definição limitada. Mas o facto é que não se podem apontar exemplos concretos sem a devida investigação, e talvez seja por isso que Elísio rejeita os exemplos dados.
Por outro lado, os que, como Elísio, negam a existência de corrupção também podem aceitar a definição limitada. Neste caso, eles apenas poderão dizer que até aqui não houve corrupção em Moçambique e só neste contexto limitado. Significará ainda que a premissa 1 é falsa uma vez que a nossa definição limitada não pressupõe nenhum particular sistema político ou económico. Se, pelo contrário, eles não aceitarem a definição limitada, as suas razões ajudar-nos-ão a entender melhor a sua (deles) posição no assunto.
O individual e/ou o sistema
Se aceitarmos a definição limitada verificaremos que há dois elementos a considerar para reduzir a corrupção – o comportamento das pessoas e os processos de controlo. Portanto, para se reduzir a corrupção faz sentido atacá-la de ambos os lados.
Neste debate, parece-me que Elísio realça demasiado o papel dos sistemas e presta menos atenção ao comportamento das pessoas, embora, segundo ele, “o que tem acontecido é que há uma espécie de agregação de reacções individuais à situação que [ele] chamaria de lógica situacional – que torna a reprodução dos sistemas políticos e económicos dependente da extracção” de fundos indevidamente.
Digo isto não porque não pense que valha a pena reformar os sistemas, mas porque considero que não se pode sublinhar demasiado a importância e a necessidade de reformar tais sistemas. É que, no meu entender, não é o combate à corrupção que o exige.
Explico-me. Tendo enfatizado, correctamente, penso, a importância e centralidade do comportamento das pessoas através do conceito de lógica situacional, parece-me que Elísio se retira dessa posição. Segundo ele, “A corrupção... é a resposta do nosso sistema político e económico à presença [da] oportunidade de apropriação de recursos sem referência ao jogo político normal.” Então, “só atacando esses problemas [estruturais] é que teremos uma pequena chance de, a longo prazo, começar a acabar com a corrupção de que tanto falam.”
Esta subtil mudança de perspectiva, do comportamento das pessoas para os sistemas, é desnecessária e indesejável, mas pode ser significativa também. Sê-lo-á se isto se tornar fonte de desacordo entre os dois lados do debate.
Essa mudança é desnecessária porque existe já um argumento independente, persuasivo e ainda mais forte pela reforma dos sistemas no país: um país democrático como Moçambique há-de ter instituições fortes que garantam a liberdade, a justiça social os direitos políticos, económicos, legais e sociais, sistemas transparentes e respeito pela propriedade, incluindo a pública. Eis um melhor argumento pela reforma dos sistemas. Note-se que estas reformas reduzirão o desperdício e a ineficácia que, e aqui concordo com Elísio, não constituem corrupção. Saliento também que, embora tais reformas não sejam necessárias para se reduzir a corrupção, elas têm um efeito instrumental sobre a corrupção. Quer dizer, produzem processos de controlo adequados que, por sua vez, podem impedir um aspirante a corrupção, embora não travem um corrupto resoluto. E é neste âmbito estrito que acima recomendo um ataque à corrupção por ambos os lados, o dos sistemas e o do comportamento dos indivíduos.
Finalmente, aquela mudança de perspectiva é indesejável pois concentrar-se em sistemas, como meio para combater a corrupção, pode emitir sinais errados, e até ser uma apologia de comportamentos prejudiciais ao público, ao invés de se incidir sobre o comportamento das pessoas corruptas. De modo algum implica isto uma cruzada moral, senão que as pessoas hão-de ser responsáveis pelas suas acções, afirmando-se portanto a convicção de que as pessoas são capazes de mudar de atitude.
Conclusão
Nesta contribuição, aventei que a afirmação de Elísio de que não há corrupção em Moçambique é infundada pois é possível definir a corrupção em Moçambique e que, por isso mesmo, precisamos ainda de um argumento persuasivo para alicerçar essa afirmação. Argumentei, ademais, que no combate à corrupção o enfoque há-de ser a responsabilidade pessoal, embora a reforma de sistemas possa ser útil.

Daniel Doku
Maputo, 6/12/05