Ideias para Debate

Friday, September 30, 2005

Um brasileiro

Já que os moçambicanos andam tão ausentes do blog, hoje publico a contribuição de um brasileiro, que entra pela nossa casa dentro:

Caríssimo Gabriel Muthisse,
Meu nome é Cássio Rocha, sou um brasileiro "intrometido" nos assuntos moçambicanos.
Permitam-me emitir um pequeno e humilde comentário a respeito do texto do querido Manuel Mangue.
Longe de conhecer a realidade de Moçambique, adianto que minha avaliação pode apresentar a deficiência do "contexto", de conhecer quão "irregular é o piso" que o Manuel brilhantemente faz uma analogia.
O prezado Manuel presta um grande serviço em sua análise. Toca um ponto fundamental: As condições adeqüadas para uma vida humana digna. Utilizo o termo adeqüado ao invés do "mínimo" pois, ao se tratar desta breve existência humana (a qual Santa Terezinha brilhantemente chamava de "una mala noche en una mala posada"...), o mínimo é muito pouco.
De fato, competir sem ter condições para tal, é uma tarefa hercúlea. É, em uma ilustração, ter que desviar o rio Alfeu para limpar os Currais Augianos do Rei Áugias de Elida (um dos seis trabalhos do Peloponeso ao qual Hércules se submeteu, segundo a mitologia). Uma tarefa, para um humano, impossível.
Mas a análise do caro Manuel apresenta uma contradição evidente. Confunde competitividade com competição desleal, brutal. Ao contrário do que sugere, o aumento da competitividade pressupõe precisamente o aumento da qualidade dos serviços, da qualificação, das oportunidades, da qualidade de vida. A igualdade, ao contrário de ser uma "quimera que prejudica os mais competentes", é o pressuposto que, no mínimo, permite a verdadeira competição - a leal, a justa. Mas, há um alerta sobre uma abordagem perigosa: A igualdade não se trata de uniformidade, mas entende o ser humano como diversidade, pluralidade, onde fecundam as diferentes vocações e as diferentes habilidades.
Com efeito, é do Estado esta tarefa de proporcionar a base para o desenvolvimento dessas habilidades. Um dos pontos é fornecer o "calçado" adequado para a corrida, estabelecer de maneira clara e transparente as regras da corrida e ter um bom árbitro para fiscalização, de modo que não haja injustiças. Ademais, a boa, a justa competição auxilia na própria "qualificação". São vários os casos (inclusive brasileiros) de abertura de mercado e conseqüente inserção onde o resultado foi a modernização, a busca e partilha do conhecimento, elevação dos investimentos e, por conseqüência, aumento do número de empregos, dividendos "elevados" para o governo através da arrecadação tributária (para teóricos investimentos em saúde, educação e segurança), e o fortalecimento da indústria nacional como um todo (afinal, uma empresa possui fornecedores, parceiros, empresas constituintes de sua "cadeia de valor"), ao contrário do que se pressupunha (enfraquecimento dos competidores nacionais, desemprego, etc).
É claro, também, que o assunto não é passível de tratamento a partir de um viés estritamente econômico. Não. Mas, planejando corretamente - dando as condições adequadas de competir ao invés de simplesmente de furtar a competir, o resultado pode surpreender. A "fórmula de distribuição", brilhantemente apontada pelo caro Manuel, trata-se mais de uma questão antropocêntrica que verdadeiramente sistêmica. Afinal, sucumbiram Socialismo, Comunismo e afins, apesar de seu ideal "igualitário". A proposição ideal não passa - estritamente - por internacionalização, mas por garantir qualificação e oportunidades para um povo, até então excluído mesmo da possibilidade de competir.



Thursday, September 29, 2005

A Paz

O editorial do último Zambeze, assinado pelo Director, Salomão Moyana, é uma importante reflexão sobre o tema da paz em Moçambique.
Pedi-lho para o blog e aqui vai:


A um palmo do dia da Paz!

Estamos, precisamente, a um palmo do dia 4 de Outubro, dia do Acordo Geral de Paz, dia da Paz para Moçambique, dia histórico não só para o generoso povo moçambicano, mas data histórica para toda a comunidade dos povos da África Austral e do mundo amante da paz, em geral.

Mas, a Paz não pode ser confundida com a simples ausência da luta armada entre grupos opostos ou rivais. A Paz, para que seja digna deste nome, pressupõe não só a abstenção do uso da força, como também a harmonia social e a possibilidade de resolver todos os conflitos emergentes pela via de diálogo.

Nós, em Moçambique, conseguimos uma parte importante da Paz, que é o calar das armas na floresta entre irmãos do mesmo País. Conseguimos que a luta armada entre a Frelimo e a Renamo acabasse em definitivo a 4 de Outubro de 1992.

Mas, ainda não conseguimos o mais importante, que é a manutenção da Paz pela via democrática, isto é, fazer com que a Paz não seja um abafar constante de tensões sociais e políticas latentes que um dia podem vir a explodir. Quer dizer, temos uma Paz em Moçambique mas a mesma, às vezes, é conseguida à custa da repressão da manifestação de sentimentos contrários, repressão de pontos de vista diferentes, repressão social, política e económica de formas diferentes de construir o mesmo País.

Em certas ocasiões, a Paz em Moçambique está sendo confundida com um ponto de vista político-partidário, daí que uma opinião contrária a esse ponto de vista político-partidário é susceptível de ser considerada como um atentado à ordem pública estabelecida.

Isso é uma deficiência do processo de consolidação da Paz em Moçambique. Trata-se de uma deficiência que, infelizmente, não é devidamente atacada por todos, se calhar, porque conveniente para alguns que dela tiram eventuais dividendos individuais.

Em nosso modesto entender, se queremos um Moçambique realmente de Paz devemos investir em actos que consolidem e dignifiquem a Paz efectiva. Devemos privilegiar acções concretas nas seguintes áreas:

  • Despartidarização efectiva das chefias policiais, isto é, as chefias da Polícia devem, efectivamente, possuir uma capacidade de actuação acima dos partidos políticos, sobretudo em momentos cruciais, como sejam os eventos eleitorais, manifestações públicas e escaramuças. O que tem acontecido até aqui é que a Polícia abstém-se de actuar quando, por exemplo, numa escaramuça, descobre que o prevaricador é do partido Frelimo. Mas actua com maior intensidade e pseudo orgulho profissional quando nota que o prevaricador vem do lado da oposição. Isso não é ser polícia, é ser fantoche de um partido político quando se espera que, em Democracia, o polícia seja um agente servidor do público, o estabilizador da ordem pública, independentemente, do ambiente político em que isso esteja a acontecer. Durante a última campanha eleitoral, a PRM até chegou a escoltar elementos da Frelimo que iam inviabilizar actividades político-eleitorais doutros partidos, na província de Gaza. Em Macamwine, na mesma província, a PRM assistiu impávida e serena a cenas de violência da Frelimo contra elementos de campanha política de um partido da oposição. Até permitiu que os frelimistas alvejassem com pedras a viatura dos observadores internacionais e atingissem, com as mesmas pedras, o repórter da RM ali em serviço. Isso não ajuda para a consolidação da Paz, antes pelo contrário, mostra a fragilidade das instituições que deveriam garantir uma Paz efectiva.
  • Despartidarização efectiva das instituições judiciárias, em particular, o Ministério Público, que ainda actua de forma politicamente conveniente ao partido que está no poder. Em Montepuez, Cabo Delgado, as ordens do Ministério Público de recolher todos aqueles que na cabeça do agente daquela magistratura estavam conotados com a manifestação da Renamo, de Novembro do ano 2000, resultaram numa tragédia sem paralelo na história das magistraturas modernas. Mais de cem concidadãos nossos foram mortos por sufocamento numa cela minúscula local para onde foram recolhidos por ordens do MP daquela província! Nenhum magistrado foi publicamente responsabilizado pelo facto e nenhum familiar das vítimas foi indemnizado pelo Estado moçambicano, apesar de a Constituição acusar o Estado de ser responsável pelos actos dos seus agentes em missão de serviço, sem prejuízo do direito de regresso.

Por outro lado, na Procuradoria Provincial de Gaza deram entrada, durante a campanha eleitoral, diversas queixas apresentadas por um dos partidos concorrentes referentes a actos documentados de violência eleitoral, queixas essas ainda sem resposta até hoje. Porém, há momentos em que vemos a PGR muito mais preocupada e célere na actuação, mesmo que isso implique fazer viajar funcionários seniores de Maputo até Mocímboa da Praia, pagando, como se sabe, um custo de bilhete aéreo equivalente a viagem Joanesburgo-Londres, apenas para ir ordenar detenções indiscriminadas de todos os presumíveis organizadores de manifestações da oposição, deixando impunes e em absoluta liberdade os que emboscaram os organizadores das manifestações pacíficas. Se isto é, de facto, ser magistrado, então, qualquer secretário do Grupo Dinamizador dava para ser excelente magistrado, já que basta saber de que partido é aquele para o acusar e, de que partido é aqueloutro, para o absolver da culpa!!! Com este tipo de actuação parcial de quem deveria garantir justiça para todos, não haverá Paz possível em Moçambique, já que isto cria condições para sentimentos odiosos entre os injustiçados.

  • Despartidarização efectiva do aparelho do Estado, viabilizando, desse modo, a ascensão na carreira pública de todos os funcionários do Estado, independentemente, das suas simpatias políticas. É que, em 13 anos de Paz, não se pode apontar, neste País, cinco reponsáveis no Aparelho de Estado que, de forma pública, sejam conhecidos como simples militantes de partidos da oposição. Aliás, em alguns ministérios é, ainda hoje, obrigatório que antes de qualquer promoção haja certeza da efectiva filiação no partido no poder do candidato a chefe de qualquer departamento, como se o tal departamento fosse financiado pelo dinheiro de algum partido político. Isso constitui, igualmente, uma ameaça à Paz. Isso obriga a que as pessoas se filiem forçosamente num partido político para garantir o seu bem-estar económico e social, o que violenta a liberdade de opção que deveria assistir a qualquer cidadão num país democrático.
  • Combate efrectivo contra a corrupção, sobretudo no sector público. É que não há Paz possível enquanto uns poucos engordarem diariamente à custa da miséria da maioria, que emagrece e morre devido à fome e doenças porque os fundos para isso estão a ser desviados para alimentar o luxo em que navega a minoria corrupta. Quer dizer, enquanto prevalecer a cultura de impunidade da corrupção, sobretudo entre os que detêm ou detiveram cargos públicos importantes, enquanto isso prevalecer, há-de ser muito difícil convencer as vítimas da corrupção das boas intenções verbais de seja qual fôr o governo em funções. É preciso que se dêem exemplos concretos de que este governo pretende incompatibilizar-se com a corrupção. Até aqui, não foram dados sinais suficientes desse cometimento e, o tempo, esse joga a desfavor de qualquer hesitação em tomar-se medidas concretas. Até porque casos documentados estão aos montes!

Atacar essas e outras frentes constitui um contributo concreto para a consolidação da Paz, uma Paz efectiva e duradoira e não uma Paz podre construida com base em compromissos de duração duvidosa.

Moçambique merece melhor Paz e nós temos a responsabilidade de garantir essa Paz, não só para esta geração, mas, igualmente, para gerações vindouras, o que exige de nós seriedade e coragem no ataque aos problemas que, a qualquer momento, podem inviabilizar a Paz no País.

Bem haja, o dia da Paz!

Friday, September 23, 2005

Estado de Direito

Embora não seja objectivo deste blog reproduzir os textos que publico noutros lados, a paralisia nos dedos, que parece ter atingido os habituais colaboradores, leva-me a publicar mais uma das minhas crónicas:

O ESTADO DE DIREITO

Cada vez que a Renamo, ou alguém a ela ligado, pisa o risco, levanta-se aos ares o côro do “estado de direito”. As nossas personalidades mais marcantes sentem-se na obrigação de virem a público gritar a sua indignação e afirmar que temos leis e essas leis devem ser cumpridas. Ao que se segue, normalmente, o apelo para que as autoridades actuem com todo o rigor para punir aqueles que violaram a lei.

Sempre em consonância, os orgãos de informação mais próximos do poder vão de personalidade em personalidade a pedir a sua opinião sobre o momentoso caso e dando-lhe o devido destaque nos seus espaços informativos.

O que estaria tudo muito bem e seria tudo muito de louvar, se não se desse o pormenor de tudo isso só acontecer quando é a Renamo que pisa o risco.

As coisas são totalmente diferentes quando quem vai contra a lei é a Frelimo, ou alguém ligado a este partido.

Quando é isso que acontece, o silêncio é tal que se pode ouvir o caminhar de um caracol. Nem um dos tais importantes cidadãos faz o mais pequeno comentário. Nem um dos tais orgãos de informação sai à rua a perguntar, seja a quem for, o que pensa da ilegalidade ou do crime cometidos.

Instala-se, por todo o lado, o silêncio cúmplice. Muda-se de assunto se esse vem à conversa. Declara-se que nada se sabe sobre isso. É como se o tal “estado de direito” tivesse acabado de ser abolido e ninguém quisesse voltar a ouvir falar dele.

A frase-chave do nosso Procurador Geral, segundo a qual “ninguém está acima da lei” desaparece, transformada num fino fumozinho que se perde na atmosfera, e toda a gente descobre, nesse momento, que tem coisas mais importantes com que se preocupar longe dali.

Porque o cumprimento da lei que toda a nossa classe política no poder exige aos outros é coisa que não parece aplicar-se aos próprios.

Será que ouvimos algum dos arautos do “estado de direito” a protestar quando o sr. Albuquerque, na Beira, foi apanhado a cometer uma fraude eleitoral a favor da Frelimo? Ouvimos alguém?

Quando o próprio Conselho Constitucional referiu irregularidades nas últimas eleições gerais e declarou que elas não deveriam ficar impunes, quem levantou a voz a exigir justiça?

E quando o anterior Ministro da Educação foi acusado, numa auditoria externa, de ter desviado dinheiro do Estado para beneficio de familiares e amigos, algum dos tais veio exigir que as autoridades actuassem com rigor?

Quando os jornais denunciam, com documentação em apoio, irregularidades grandes na Electricidade de Moçambique ou na Universidade Eduardo Mondlane, onde está o côro dos legalistas?

É costume apresentar a Justiça como sendo cega, para simbolizar que não vê a quem é que está a ser aplicada, sendo igual para todos os cidadãos. Só a nossa, pelo contrário, tem os olhos bem abertos para poder decidir a quem se aplica e a quem não convem incomodar.

E, enquanto as coisas estiverem assim, as defesas do “estado de direito” e os apelos a uma aplicação rigorosa da justiça, quando isso convém ao poder político, perdem totalmente o valor mesmo que, naquele caso específico, tenham razão.

Perdem valor não pelo caso em si mas pela falta de credibilidade de quem faz esses apelos nuns casos mas se cala, cobarde e cumplicemente, em todos os outros.

Não existe estado de direito unilateral.

As leis devem ser cumpridas por TODOS.

Se só a uns é exigido o cumprimento das leis e a outros se dá a possibilidade de as ignorar não estamos num estado de direito.

Por muito que o côro se esforce por nos convencer do contrário.

Tuesday, September 20, 2005

Necrologia bloguistica

Um dos meus fotoblogs preferidos parece ter desistido. O que acho péssimo, porque o Companhia de Moçambique era um blog onde ia todos os dias à procura de novas (velhas) imagens deste meu país.
Não discuto o direito do autor de desistir mas peço-lhe que não o faça.
Pelo contrário, continue a publicar os albuns do Rufino, um legado tão importante para a imagem de Moçambique.

Machado

Monday, September 19, 2005

Resposta a Muthisse

Do Manuel Mangue recebi esta interessante resposta ao texto de Gabriel Muthisse:

Caro Gabriel Muthisse, é um texto muito bem escrito e bem trabalhado. Entretanto - peço para que me corrija se estiver enganado - pareceu-me pairar sobre o texto a idéia de que a igualdade é uma quimera que prejudica os “mais competentes”.

Iria, na verdade, fazer uma pergunta, embora teça algumas considerações até lá chegar.

Quanto à questão da justiça social, creio que ela está relacionada, não à mutilação das “competências”, mas sim à capacidade de proporcionar, necessariamente a todos, um (o) grau mínimo de dignidade. Ou seja, como diria Renato Ribeiro, em a Universidade e a vida atual, ... o direito a uma vida decente não é só dos gênios. É de todos, inclusive dos imbecis” (Ribeiro, 2003:80). Por outro lado, é um equívoco generalizar as ambições humanas, resumindo-as ao cenário de movimento de capitais (acumulação de capital e valorização de capital). Este, o capital, mais do que o Maior Múltiplo Comum, quer-se, para muitos, o Menor deles: o necessário a uma vida condigna.

Quanto à crescente taxação dos ricos, concordo consigo. Diria, na verdade, que estou de acordo com a questão da igualdade naquilo que ela representa, como uma necessidade de reflexão da actual conjuntura, em especial nos países em desenvolvimento. Portanto, apóio a idéia (o princípio), mas não a esta estratégia e esta táctica, isoladamente: resolver a situação não se resume à simples taxação.

Na sequência, em relação ao seu texto, volto a discordar com alguns elementos, na medida em que trata a “competência” como se de um conceito ubíquo se tratasse. Ela é, na realidade, produto de uma lógica histórica. Ou seja, não basta que na corrida todos partam da mesma linha. É também importante que todos estejam ao menos calçados, sobretudo quando o piso é irregular. O piso (irregular) é justamente o contexto. Porque é que um mesmo princípio dá certo em um contexto e em outros não: O relatório da UNCTAD aponta para 20 anos de desindustrialização negativa em grande parte dos países em desenvolvimento, a América Latina em Particular. Portanto, num ambiente em que ao nascer tudo o convoca a ser pobre (só não se é porque resiste) o problema não é do indivíduo, mas sim do sistema.

Por outro lado, acho que a questão foi abordada de uma forma reducionista, ao focalizá-la sob o ponto de vista económico, apenas, e dentro de uma perspectiva de acumulação. Embora possibilite uma análise um pouco mais aprofundada, esconde, na mesma dimensão, as contradições inerentes à questão e à conjuntura. Há outros aspectos sócio-económicos, etc. que se tratados em conjunto (como igualmente relevantes) remeteriam a outro tipo de soluções. No fundo, há uma verdade que se esconde na sua abordagem e que só poderia emergir caso se abordasse a questão no conjunto das dimensões inerente ao cenário, como um todo. Do mesmo modo que, empiricamente, as desigualdades são inerentes ao crescimento das economias subdesenvolvidas, a violência também é (salvo o caso da Índia, cuja explicação passa pela vertente religiosa). Esta, a violência, é um exemplo dos elementos que também devem ser levados em consideração.

Em relação a um outro ponto, não são apenas os fracassados que propõem limites ao liberalismo económico. Há pessoas fora desse ciclo que, no entanto, pensam no que fazer com os refugos que o liberalismo de propósito produz.

Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!

Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos, Maria!

Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras, são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos, Maria!

Crias morrem à míngua de pão
vermes na rua estendem a mão a caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!

.....

José Craveirinha

Por fim, não creio que a saída para Moçambique seja o aumento da competitividade internacional, por aquilo que isso implica: um nível de competição altíssimo e que no nosso caso, a considerar pelas actuais condições, será sempre tardio. Para que as empresas moçambicanas sejam competitivas internacionalmente significaria uma rápida transição do setor primário (81%, hoje) para o de serviços e de alta tecnologia. Isso será possível por um curto espaço de tempo (e irá beneficiar 2 ou 3 pessoas, que amanhã serão chamados de competentes). Logo a seguir virão os gargalos, entre eles a fraca qualificação. Aliás, o relatório de 2003 da ANCTAD, ao analisar o processo de desindustrialização (negativa) de alguns países em desenvolvimento, mostra isso. Penso que as soluções devem ser “caseiras”, mas sempre atentos a um possível “desconto da história” que não nos obrigará a acompanhar pari passo os cenários internacionais.

Aliás, penso que em todo o mundo, as fórmulas para a acumulação são conhecidas e esta, em particular, bastante explorada. Porém, em quase todos os lugares, aumenta o número de pobres, as classes médias baixam de qualidade de vida e por aí afora. Enfim, falta-nos a fórmula de distribuição.

Com isso, perguntaria se não é possível estabelecer-se para Moçambique (tendo em conta as suas especificidades) uma divisão/relação de trabalho que não fique totalmente fora mas também não tão dentro da divisão internacional do trabalho. Lembro-me que nos primeiros cinco anos da independência, pensou-se que a agricultura mecanizada (alta tecnologia; as infovias de hoje, indispensáveis para uma internacionalização bem sucedida) é que seria o caminho. Passado algum tempo, nem a mecanização nem a agricultura que havia garantido a produção para consumo interno e externo do povo. Quando vimos, já era 1983. Isso não se repete ou repetiria, analogamente, com a proposta de internacionalização?

Sunday, September 18, 2005

Que se passa?

Que se passa, amigos? Desistiram de debater ideias por aqui?
Estarão os cérebros a ficar trôpegos? Deixou de haver problemas a necessitar raciocínio?
Ou será que os jovens colaboradores deste blog estão a ficar velhos e os velhos foram morrendo entretanto?

Machado

Tuesday, September 13, 2005

Nova Orleães 2

O Patricio Langa mandou um texto muito interessante sobre Nova Orleães. É pena estar em inglês mas vale o esforço. Aqui vai:




New Orleans and the Third World
by Mukoma Wa Ngugi; September 08, 2005


Introduction


The devastation of New Orleans by Hurricane Katrina is being compared to
disasters in the "Third World" but with no specific countries or
disasters named. And if not compared to this black hole or repository of
disaster that is the "Third World," a comparison to Africa is as
specific as it gets. "New Orleans is a scene from the
Third World", "like the Third World", "US Handles the crisis like a
third world country", "bodies floating on water reminiscent of Africa"
etc. This has been a constant with news commentators, analysts, members
of the senate and congress and other sections of America commenting on
New Orleans. The accompanying statements to this have been "I cannot
believe this is America" or "This is not
supposed to happen in America". It is supposed to and can only happen
somewhere else. Attending a food festival event in Madison, Wisconsin I
overheard a joke - "Where is New Orleans again?" New Orleans is next to
Somalia".


What role is the "Third World" playing in how Americans are dealing
with the disaster? Where does the "Third World" fit in the imagination
of the American? What does it mean to say that this is not supposed to
happen in the United States? To me, it is almost as if by displacing
disasters and human suffering to the "Third World," the New Orleans
disaster is not really happening in the United
States. New Orleans is "out there" and everyone else is ! safe and
American - the crisis in New Orleans is happening in a "Third World"
outpost and the United States remains rich, strong and invulnerable.


The American citizen has been stewing in nationalism, manifest destiny
and the myth of the democratic society that errors but never oppresses
or marginalizes for so long that even a natural disaster cannot be seen
and understood outside this lens. And the fact that most of the victims
are predominantly poor and African American is
not being understood as a creation of very specific domestic policies
and conservative ideologies; it has to be filtered through the "Third
World". As if a disaster from that "part of the world" somehow managed
to sneak through the porous Mexican borders.


Bush's Remarks

It is interesting therefore to look at President Bush's remarks after
touring New Orleans on September 2nd after four days of inaction. His
first sentence was "I've just completed a tour of some devastated
country". A detached statement but it gets worse - a little later he
says "I know the people of this part of the world are suffering…" and he
goes on to talk about how progress is being made. Then he says "The
people in this part of the world have got to understand…" Shortly after
this, he says "You know, I'm going to fly out of here in a minute, but I
want you to know that I'm not going to forget what I've seen" and again
refers to his constituents as "good folks of this part of the world". It
is almost as if he is in a different country consoling its citizenry. He
himself is so detached about what is happening in the very country he
leads that he refers to it as "this part of the world". As far as I
know, no one in the mainstream media picked this up, they too are
reporting on that "part of the world".


Believing that humor is the best medicine, in the same speech he also
makes a rather tasteless joke: "I believe the town where I used to come
[to] from Houston, Texas, to enjoy myself, occasionally too much, will
be that very same town that it will be a better place to come to".
Now, this is a President who up to this point has not visited New
Orleans, a disaster area that is being acknowledged as probably the
worst in recent U.S. history, yet, speaking to an evacuated, wounded and
dying constituency, he refers to their
drowned city that was their whole life as his old party ground.
All in all President Bush gives the kind of speech a visiting leader
would make during a hurriedly prepared press conference after being
caught unawares by a natural disaster. It captures his inability to
empathize, to really be one with the victims.

The Myth and the "Third World"

An American dying in a natural disaster will look like a human being
dying in any natural disaster and not necessarily like an African.
A homeless American looks like any homeless human being and not always
like an African. And a natural disaster should not be seen as somebody
else's natural disaster but as one that afflicts all humanity. We are of
a common humanity. It is the myth that only other nations torture that
led to Abu Ghraib. It is the myth that only other countries have
political prisoners that keeps political activists like Mumia Abu Jamal
and Leonard Peltier in American jails for fighting American
marginalization. It is the belief !that only other countries exile those
that oppose their policies that has led to the bounty on Assata Shakur -
exiled in Cuba for fighting for African American rights - being raised
to one million dollars. And it is the myth that only other countries
ignore and exploit their poor that led to the disaster in New Orleans.

But there are ways in which America is like the "Third World".
Privatization, which in "Third World" Countries becomes structural
adjustment programs, has been happening in the United States since the
Reagan years of small government, through the Clinton years that saw a
full assault on Welfare and affirmative action originally
designed to buoy the marginalized, and through the Bush years that have
been rewarding the rich while taking away from the poor through Federal
and Supreme Court nominations that support big business and reduce the
power of labour unions, among other things. These have been the years of
'blaming the victim' while preying on them. They are poor because they
are lazy -! Enter the "welfare queen". While
the mainstream United States was busy trying to convince itself that
poverty and racism were things of the past or happened only to other
nations, the marginalized were becoming even more vulnerable. Most of
the victims in New Orleans are black and poor - race and class - an
inversion of Frantz Fanon's one is rich because he/she
is white and one is white because he/she is rich to read one is poor
because he/she is black and one is black because he/she is poor.
Just like in the "Third World" in times of natural disasters and wars,
it is the most victimized in New Orleans that are doing most of the
dying.

Contradictions

The reasons why the poor couldn't leave the city are quite easy to
understand.
They couldn't afford it. They simply did not have cars or money for
transportation, are jobless, or live pay-check to pay-check and couldn't
have had any money saved up for relocation.
Where poor people owned houses to which they had mortgaged their lives,
where their homes had become the marker of their humanity and
achievement, staying put and essentially fighting for their lives was
the only option.

Like the genocide in Rwanda in 1994, or the ongoing genocide in Darfur,
this particular disaster had been telegraphed - we all knew it was going
to happen, and more political and economic will, including a more
comprehensive effort to evacuate the city of New Orleans, could have
minimized human suffering. What makes it even
worse is that the millions being pledged now by private citizens and
corporations and the 10.5 billion initially pledged by the government
could have saved New Orleans ten times over through improvement of
infrastructure. Because of the federal government's push for
privatization which translates into public services being
slas! hed or sold to private companies, perhaps the government simply no
longer has structures in place to handle disasters. This could explain
why Bush ended his speech with "If you want to help, if you're listening
to this broadcast, contribute cash to the
Salvation Army and the Red Cross". Each death in New Orleans was
preventable. But money is not made in prevention but in reconstruction.
Soon, like in Iraq, the big contracts for reconstruction will be on
their way -
some corporations will make a killing. Let the bidding begin.

Also, it is with a sense of irony that one reads of corporations like
Wal-Mart contributing millions of dollars to the relief efforts.
Yet were their employees in New Orleans working in better conditions and
with better pay, some of those who couldn't afford to evacuate would
have been able to do so. These corporations are responsible for the loss
of jobs through outside contracting to
sweatshops. In "Third World" countries where in turn occasional fires
break out leading to hundreds of deaths. In "Third World" countries,
they no longer pay government taxes in the tax free trade zones, leading
to further destruction of already fragile and poor economies. Where
these corporations have remained in the United States as retailers and
manufacturers, they have seen to wages being cut. They are rabidly
against unions and essentially use the community the same way colonial
companies used colonized communities for cheap labour, extraction of
raw materials and of course as buyers of products whose production is
finished elsewhere.

Thus coupled with a government that has engineered its own version of
structural adjustment to maximize profit, and corporations that
economically and politically colonize a community, the vulnerability
which in real terms is the result of victimization - seen in New Orleans
is not a surprise. Rather, it is the culmination of well planned and
orchestrated policies that consolidate wealth in the hands of a few at
the expense of the poor. Globalization is not resulting in a world that
becomes better as it gets smaller, but rather in a world where poverty
becomes more prevalent and more apparent. This globalization of poverty
makes New Orleans a village! In everybody's backyard. Instead of
outsourcing disaster to an unnamed "Third World" it seems to me that
citizens of the United States should be placing the responsibility for
the preventable deaths and suffering in New Orleans on their government
and corporate board rooms.

Mukoma Wa Ngugi is the author of Conversing with Africa: Politics of
Change and the forthcoming, Looking at America: Politics of Change.




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Saturday, September 10, 2005

Nova Orleães

Esta semana publiquei no SAVANA este texto:

Há dias uma amiga mandou-me o seguinte comentário:

Julgava que já tinha visto tudo, estamos a habituar-nos...New Orleans vista de cima, um charco cheio de paus de fósforos. Os velhos, as crianças, os olhares vazios em grande plano. Estamos a habitur-nos, as tragédias sucedem-se a um ritmo cada vez mais rápido. Os grupos de assaltantes que partem as montras e levam as televisões, os soldados enviados para dispararem a matar sobre eles. Os discursos oficiais, as explicações, a retórica de esquerda e de direita, pois, estamos a habituar-nos. Mas quando passo pela televisão e faço um zapping rápido ouço "...preparativos para a chegada dos rfefugiados", até que enfim uma notícia boa... mas...mas que raio é isto? "Esta loja de Baton Rouge costumava vender 15 armas por dia, agora vende cerca de 1000..." Como é? E os compradores, classe média, lavadinhos e penteados: "Se eu parar num semáforo e eles me assaltarem, posso ao menos disparar". "Eles que não se aproximem, nós estamos prontos". Cartazes nas casas: " U loot, W shoot". Afinal são estes os preparativos para a chegada dos refugiados. (A própria palavra "refugiado" tem um som estranho neste contexto, mas isso são pormenores.) Não, esta cena ainda não tinha visto. Afinal é assim que nós somos?


Eu próprio já tinha passado por um espanto semelhante. Depois de ter lido em muitas partes que a Guarda Nacional tinha sido enviada para Nova Orleães para apoiar os sinistrados, fui ver as fotos que o New York Times publicava e as imagens eram chocantes. Os tais soldados da Guarda Nacional eram iguais aos que estão no Iraque: Farda de combate, capacetes de aço e espingardas na mão, prontas a ser usadas.
Para quem está habituado a ver os nossos militares e os dos países vizinhos a apoiar a população, durante as inundações, de mangas arregaçadas e sem quaisquer armas visiveis, as fotos do jornal falavam claramente de uma outra forma de estar e actuar. De uma outra definição das prioridades: Em Nova Orleães a protecção das propriedades esteve, aparentemente, muito acvima da protecção das vidas.
E tudo aquilo com o tempero desagradável de uma divisão de classes paralela à divisão racial, a lembrar demasiadamente o que se passava por cá antes da independência.
Dizia alguém que os Estados Unidos são muitas coisas diferentes, umas boas e outras más.
Estes Estados Unidos que estamos a descobrir por causa desta tragédia são a parte terceiro-mundista daquele potentado económico. São o quintal miserável, por trás das mansões ricas, são os que não merecem grande apoio nem apreço porque são pobres. E, sendo pobres, isso quer dizer que não foram capazes de cumprir o sonho americano de ficar ricos a partir do nada. São, por conseguinte, menos americanos que os outros, os que venceram na vida.
A minha amiga pergunta: Afinal é assim que somos?
Eu, partindo do que tenho visto por cá, em situações semelhantes, acho que não. Que não somos.
Mas, aparentemente, eles são.

Thursday, September 01, 2005

Tibana, no regresso

De regresso, como prometido, aqui vos deixo uma reflexão que recebi do Roberto Tibana:

Na Noruega também há corrupção (claro, porque não?) Rara? Sim: de acordo com o Índice de Percepção da Corrupção 2004, publicado este ano pela Transparência Internacional, a Noruega ocupa o oitavo lugar num ranking que tem no topo a Finlândia e vai até ao centésimo quadragésimo quinto (onde estão o Bangladesh e o Haiti!). A Dinamarca está em terceiro lugar. Moçambique está no nonagésimo lugar, o Gana no sexagésimo quarto, a África do Sul no quadragésimo quarto e o Botswana no trigésimo primeiro, o melhor de África.

O ponto aqui é o grau de intolerância que permite manter os países limpos. Rara, sim, MAS quando há indícios ela é investigada e os resultados levados às autoridades legais.

Ouçamos o que diz a senhora Linah K. Mohohlo, Governadora do Banco do Botswana, referindo-se ao seu próprio país: “… Nós não podemos ficar sentados na sombra dos nossos sucessos… o Índice de Percewpção da Corrupção, da Transparência Internacional, …. Colocou o Botswana com o número 26 no mundo, na tabela de 2003, e em 31 em 2004. Estas não são marcas impressionantes para nós. Nós qaueremos que todos os países africanos compitam com as Finlândias, as Nova Zelandias e as Dinamarcas deste mundo, exactamente lá no topo das classificações.” (in: African Business, Maio de 2005, n. 309, p. 19)

Mas em África, a África do Sul e o Botswana não devem ser os únicos a tentar.

Roberto Tibana

Accra/ Gana