Nova Orleães
Esta semana publiquei no SAVANA este texto:
Há dias uma amiga mandou-me o seguinte comentário:
Julgava que já tinha visto tudo, estamos a habituar-nos...New Orleans vista de cima, um charco cheio de paus de fósforos. Os velhos, as crianças, os olhares vazios em grande plano. Estamos a habitur-nos, as tragédias sucedem-se a um ritmo cada vez mais rápido. Os grupos de assaltantes que partem as montras e levam as televisões, os soldados enviados para dispararem a matar sobre eles. Os discursos oficiais, as explicações, a retórica de esquerda e de direita, pois, estamos a habituar-nos. Mas quando passo pela televisão e faço um zapping rápido ouço "...preparativos para a chegada dos rfefugiados", até que enfim uma notícia boa... mas...mas que raio é isto? "Esta loja de Baton Rouge costumava vender 15 armas por dia, agora vende cerca de 1000..." Como é? E os compradores, classe média, lavadinhos e penteados: "Se eu parar num semáforo e eles me assaltarem, posso ao menos disparar". "Eles que não se aproximem, nós estamos prontos". Cartazes nas casas: " U loot, W shoot". Afinal são estes os preparativos para a chegada dos refugiados. (A própria palavra "refugiado" tem um som estranho neste contexto, mas isso são pormenores.) Não, esta cena ainda não tinha visto. Afinal é assim que nós somos?
Eu próprio já tinha passado por um espanto semelhante. Depois de ter lido em muitas partes que a Guarda Nacional tinha sido enviada para Nova Orleães para apoiar os sinistrados, fui ver as fotos que o New York Times publicava e as imagens eram chocantes. Os tais soldados da Guarda Nacional eram iguais aos que estão no Iraque: Farda de combate, capacetes de aço e espingardas na mão, prontas a ser usadas.
Para quem está habituado a ver os nossos militares e os dos países vizinhos a apoiar a população, durante as inundações, de mangas arregaçadas e sem quaisquer armas visiveis, as fotos do jornal falavam claramente de uma outra forma de estar e actuar. De uma outra definição das prioridades: Em Nova Orleães a protecção das propriedades esteve, aparentemente, muito acvima da protecção das vidas.
E tudo aquilo com o tempero desagradável de uma divisão de classes paralela à divisão racial, a lembrar demasiadamente o que se passava por cá antes da independência.
Dizia alguém que os Estados Unidos são muitas coisas diferentes, umas boas e outras más.
Estes Estados Unidos que estamos a descobrir por causa desta tragédia são a parte terceiro-mundista daquele potentado económico. São o quintal miserável, por trás das mansões ricas, são os que não merecem grande apoio nem apreço porque são pobres. E, sendo pobres, isso quer dizer que não foram capazes de cumprir o sonho americano de ficar ricos a partir do nada. São, por conseguinte, menos americanos que os outros, os que venceram na vida.
A minha amiga pergunta: Afinal é assim que somos?
Eu, partindo do que tenho visto por cá, em situações semelhantes, acho que não. Que não somos.
Mas, aparentemente, eles são.
Há dias uma amiga mandou-me o seguinte comentário:
Julgava que já tinha visto tudo, estamos a habituar-nos...New Orleans vista de cima, um charco cheio de paus de fósforos. Os velhos, as crianças, os olhares vazios em grande plano. Estamos a habitur-nos, as tragédias sucedem-se a um ritmo cada vez mais rápido. Os grupos de assaltantes que partem as montras e levam as televisões, os soldados enviados para dispararem a matar sobre eles. Os discursos oficiais, as explicações, a retórica de esquerda e de direita, pois, estamos a habituar-nos. Mas quando passo pela televisão e faço um zapping rápido ouço "...preparativos para a chegada dos rfefugiados", até que enfim uma notícia boa... mas...mas que raio é isto? "Esta loja de Baton Rouge costumava vender 15 armas por dia, agora vende cerca de 1000..." Como é? E os compradores, classe média, lavadinhos e penteados: "Se eu parar num semáforo e eles me assaltarem, posso ao menos disparar". "Eles que não se aproximem, nós estamos prontos". Cartazes nas casas: " U loot, W shoot". Afinal são estes os preparativos para a chegada dos refugiados. (A própria palavra "refugiado" tem um som estranho neste contexto, mas isso são pormenores.) Não, esta cena ainda não tinha visto. Afinal é assim que nós somos?
Eu próprio já tinha passado por um espanto semelhante. Depois de ter lido em muitas partes que a Guarda Nacional tinha sido enviada para Nova Orleães para apoiar os sinistrados, fui ver as fotos que o New York Times publicava e as imagens eram chocantes. Os tais soldados da Guarda Nacional eram iguais aos que estão no Iraque: Farda de combate, capacetes de aço e espingardas na mão, prontas a ser usadas.
Para quem está habituado a ver os nossos militares e os dos países vizinhos a apoiar a população, durante as inundações, de mangas arregaçadas e sem quaisquer armas visiveis, as fotos do jornal falavam claramente de uma outra forma de estar e actuar. De uma outra definição das prioridades: Em Nova Orleães a protecção das propriedades esteve, aparentemente, muito acvima da protecção das vidas.
E tudo aquilo com o tempero desagradável de uma divisão de classes paralela à divisão racial, a lembrar demasiadamente o que se passava por cá antes da independência.
Dizia alguém que os Estados Unidos são muitas coisas diferentes, umas boas e outras más.
Estes Estados Unidos que estamos a descobrir por causa desta tragédia são a parte terceiro-mundista daquele potentado económico. São o quintal miserável, por trás das mansões ricas, são os que não merecem grande apoio nem apreço porque são pobres. E, sendo pobres, isso quer dizer que não foram capazes de cumprir o sonho americano de ficar ricos a partir do nada. São, por conseguinte, menos americanos que os outros, os que venceram na vida.
A minha amiga pergunta: Afinal é assim que somos?
Eu, partindo do que tenho visto por cá, em situações semelhantes, acho que não. Que não somos.
Mas, aparentemente, eles são.
1 Comments:
Excelente texto Machado da Graça!
Vou reproduzi-lo na íntegra no meu
http://homem-ao-mar.blogspot.com cujo nome foi premonitório.
O Katrina tirou o lixo debaixo do tapete a mostrou-o ao mundo. "A exploração não tem pátria e o racismo não tem cor" ( Samora Machel, citado de cor)
Abraço
Manuel Ferrer
By MFerrer, at 2:09 AM
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