Para que não se diga que não se sabe
Para que não se diga que não se sabe, aqui vai uma crónica de Luis Fernando Veríssimo:
Data : Domingo, 31 de julho de 2005
A redenção de Judith Miller
Não faltam motivos para pedir o empixamento do presidente. Não do Lula, do Bush. Um memorando sobre o clima pró-guerra em Washington preparado para uma reunião do gabinete inglês em 2003 e publicado agora diz com todas as letras que o governo Bush estava “arranjando” informações para justificar uma invasão do Iraque. O arranjo incluía dados sobre armas de destruição em massa que não existiam e referências a uma compra pelo Iraque de urânio da África que não houve. Quem disse que não houve a compra foi o próprio encarregado pelo governo Bush de verificá-la, Joseph Wilson, que não só a negou como depois escreveu um artigo denunciando o fato quando o governo, mesmo assim, encampou a informação falsa. Para se vingar, a Casa Branca, através do principal estrategista político de Bush, Karl Rove, tentou desacreditar Wilson, passando para o colunista conservador Robert Novak que ele era mandado pela mulher, uma agente da CIA. Novak publicou a inconfidência com o nome da mulher e cometeu um crime, pois é proibido revelar a identidade de agentes da CIA. Não foi processado por isto, estranhamente. Processados foram dois repórteres, da revista “Time” e do “New York Times”, que tocaram no mesmo assunto e se viram intimados por um juiz a revelar a origem da informação. O repórter da “Time” dedou Karl Rove. Investiga-se a responsabilidade de Rove no episódio e Bush ainda não deu sinal do que irá fazer com um (para todos os efeitos legais americanos) delator dentro da Casa Branca, com acesso a todos os segredos de Estado. Assim, uma fofoca e um legalismo ameaçam a confiança no presidente mais do que sua responsabilidade pela morte de quase 2 mil soldados americanos e dezenas de milhares de civis iraquianos, até agora, numa guerra arranjada.
Mas tudo isto é só um preâmbulo para comentar o curioso caso de Judith Miller, a repórter do “New York Times”. Ao contrário do seu colega da “Time”, Judith se recusou a nomear sua fonte e foi presa. Ela foi muito criticada porque na fase da preparação para a guerra se tornou quase que uma porta-voz de Ahmed Chalabi, o escroque que produziu muitas das falsas razões para os americanos atacarem o Iraque. O próprio “New York Times” reconheceu depois, oficialmente, que tinha sido manipulado por Chalabi e seu grupo. Miller, uma veterana do jornal e vencedora de um Prêmio Pulitzer, nunca foi punida, mas sua reputação no meio jornalístico sofreu e ela era apontada como exemplo da submissão de boa parte da imprensa americana ao clima guerreiro fabricado pelo governo Bush, na época do arranjo. Agora, preservando a sua fonte e protegendo o direito do jornalista à confidência total, Judith Miller é a heroína da classe. Não ficará muito tempo na cadeia — apenas o suficiente para se redimir.
L.F. Verissimo
O Globo On LineData : Domingo, 31 de julho de 2005
A redenção de Judith Miller
Não faltam motivos para pedir o empixamento do presidente. Não do Lula, do Bush. Um memorando sobre o clima pró-guerra em Washington preparado para uma reunião do gabinete inglês em 2003 e publicado agora diz com todas as letras que o governo Bush estava “arranjando” informações para justificar uma invasão do Iraque. O arranjo incluía dados sobre armas de destruição em massa que não existiam e referências a uma compra pelo Iraque de urânio da África que não houve. Quem disse que não houve a compra foi o próprio encarregado pelo governo Bush de verificá-la, Joseph Wilson, que não só a negou como depois escreveu um artigo denunciando o fato quando o governo, mesmo assim, encampou a informação falsa. Para se vingar, a Casa Branca, através do principal estrategista político de Bush, Karl Rove, tentou desacreditar Wilson, passando para o colunista conservador Robert Novak que ele era mandado pela mulher, uma agente da CIA. Novak publicou a inconfidência com o nome da mulher e cometeu um crime, pois é proibido revelar a identidade de agentes da CIA. Não foi processado por isto, estranhamente. Processados foram dois repórteres, da revista “Time” e do “New York Times”, que tocaram no mesmo assunto e se viram intimados por um juiz a revelar a origem da informação. O repórter da “Time” dedou Karl Rove. Investiga-se a responsabilidade de Rove no episódio e Bush ainda não deu sinal do que irá fazer com um (para todos os efeitos legais americanos) delator dentro da Casa Branca, com acesso a todos os segredos de Estado. Assim, uma fofoca e um legalismo ameaçam a confiança no presidente mais do que sua responsabilidade pela morte de quase 2 mil soldados americanos e dezenas de milhares de civis iraquianos, até agora, numa guerra arranjada.
Mas tudo isto é só um preâmbulo para comentar o curioso caso de Judith Miller, a repórter do “New York Times”. Ao contrário do seu colega da “Time”, Judith se recusou a nomear sua fonte e foi presa. Ela foi muito criticada porque na fase da preparação para a guerra se tornou quase que uma porta-voz de Ahmed Chalabi, o escroque que produziu muitas das falsas razões para os americanos atacarem o Iraque. O próprio “New York Times” reconheceu depois, oficialmente, que tinha sido manipulado por Chalabi e seu grupo. Miller, uma veterana do jornal e vencedora de um Prêmio Pulitzer, nunca foi punida, mas sua reputação no meio jornalístico sofreu e ela era apontada como exemplo da submissão de boa parte da imprensa americana ao clima guerreiro fabricado pelo governo Bush, na época do arranjo. Agora, preservando a sua fonte e protegendo o direito do jornalista à confidência total, Judith Miller é a heroína da classe. Não ficará muito tempo na cadeia — apenas o suficiente para se redimir.
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