Terrorismo no Egipto
Uma tentativa de explicação bem mais completa do que as habituais acusações à Al Qaeda que nos serve a imprensa internacional.
Aqui vai:
Luto no dia da Revolução
Eram três da manhã do dia de “Eid Thaurat” ou “Festa da Revolução” e o som de mensagem do meu telemóvel me desperta para uma realidade de medo e terror que tem estado a varrer o mundo desde os ataques ao World Trade Center em Setembro de 2001. Ligo o televisor e as cadeias internacionais confirmam o que a mensagem me dizia, pois um número elevado de explosões acabava de semear luto em muitas nações já que a instância turística de Sharm el-Shaikh é um lugar que muitos europeus, árabes, incluindo egípcios privilegiam para as suas férias, principalmente nesta época de verão; a partir daquele momento comecei a pensar numa possível análise para tão hediondo acto, sendo que a data e o local do ataque me levam a aferir um conjunto de lucubrações que a seguir partilho consigo.
Começando por olhar para o calendário, nota-se de que hoje, 23 de Julho de 2005, é feriado no Egipto por ter sido neste dia em que 1952 Gamal Abd Nasser liderou os “Oficiais Livres” para um golpe de estado contra a monarquia para a subsequente instalação da república que se esperava poder abarcar todas as sensibilidades do mosaico cultural, religioso e ideológico da sociedade egípcia. Na realidade, Nazih Ayubi assume que “a revolução de 1952 (…) representou em muitos aspectos a mistura [de ideias populistas e estatistas sem ser hostil às ideias islamitas]. Assim a revolução de 1952 “cruzou” o seguimento de várias classes e orientações.”[1] Deste modo, pode-se ver um país pacificado em termos de entendimento destas orientações, contudo quando Nasser torna-se presidente dois anos depois este estado de graça deixa de existir já que este adopta um sistema de governação assente no nacionalismo árabe e no secularismo, ou seja, numa assumpção simplista, a separação da “mesquita” da política, coisa que desagradou os Islamitas. Permitam-me abrir um parênteses para clarificar a diferença entre um muçulmano e um Islamita: o primeiro é simplesmente crente em Allah e no Profeta Muhammad (S.A.W.)[2], assumindo Islam apenas como religião, enquanto que os Islamitas assumem as mesmas convicções que um muçulmano, todavia interpretam o Islam como um código de vida e esperam ver seus estados geridos segundo os preceitos da mesma religião, ou seja, advogam o “Islamismo Político” (Political Islam em inglês) e para a consecução do mesmo recorrem ao jihad (ou Guerra Santa) contra os infiéis que estão barrando o surgimento do citado “Estado Islâmico”, pois o mundo, para estes, está dividido entre o Dar as-Salam (Mundo da Paz e dos Fiéis ou Islamizados) e o Dar al-Harb (ou o Mundo em Guerra ou dos Infiéis); portanto, esta é a ideologia seguida pelos chamados grupos radicais islâmicos. Regressando a data de hoje em que os ataques aconteceram em Sharm el-Shaikh, acabo assumindo que os Islamitas estão enviando uma mensagem ao Hosni Mubarak e às estruturas políticas do Estado egípcio para que as prometidas reformas políticas possam encaminhar este país à uma “nova” revolução que seja conducente, julgo eu, ao esperado “Estado Islâmico” porque esperam-se eleições para o dia 07 de Setembro do corrente ano e assumido que os Islamitas já disseram “Laa Mubarak, Kefeya!”, ou seja: “Não à Mubarak, Chega!”, aliás “Kefeya” é um movimento que tem estado a liderar manifestacoes contra o presidente que está no poder desde o assassinato de Anuar Sadat em 1981.
Depois da data, importa olhar o local onde as explosões aconteceram. Como se sabe, as mesmas tiveram lugar em Sharm el-Shaikh, um paraíso turístico onde Mubarak costuma receber estadistas do mundo inteiro e onde, geralmente, se realizam conferências de vária índole, por exemplo, a última do NEPAD foi lá realizada em Fevereiro do ano corrente. Na verdade, é sabido que, em grande escala, os alimentadores do PIB egípcio reduzem-se as receitas feitas pela autorização da navegação do Canal de Suez e do turismo, daí que os Islamitas sabem que ferindo o turismo, estarão ferindo o Governo de Mubarak que tanto questionamento tem recebido, interna e externamente. Contudo, esta ideia de ferir as estruturas económicas do Estado egípcio podem ser enquadradas na máxima do “feitiço virar contra o feiticeiro”, pois numa situação similar quando o Gamaat al-Islamiya perpetrou um ataque bombista contra turistas em Luxor, um dos pontos turísticos do país dos faraós, em 1997 o que fez com que o turismo caísse para níveis não antes vistos, o desemprego que assola(va) o país acabou fazendo com que os egípcios não culpar o governo, mas sim aos próprios Islamitas o que levou à uma assinatura do cessar-fogo entre as partes, contudo, assumo que pelo estilo do ataque o Gamaat al-Islamiya possa ser possível suspeito, pois apesar do citado cessar-fogo assinado em 1999 não tirou a ameaça que este grupo traz à Mubarak. Aliás, é preciso também lembrar que os Islamitas acreditam que os turistas vêem espalhar a “corrupção” e o pecado em Dar al-Islam por isso os combatem, só para se ter uma ideia, quando estive em Sharm el-Shaikh em Abril do ano transacto, me surpreendi vendo senhoras fazendo “topless”; não me surpreendi pelo acto em si, mas pelo país em que o mesmo estava a acontecer, por assim dizer, imagine-se o que um Islamita teria ou tem pensado sobre o assunto...
Portanto, os acontecimentos do “Eid Thaurat” em Sharm el-Shaikh podem ser contextualizados em muitas vertentes, mas a data e o local onde os mesmos tiveram lugar me levam a pensar em atribuir a necessidade duma nova revolução que leve ao “Estado Islâmico” bem como a necessidade de ferir uma das principais receitas do estado, como forma de protesto contra Mubarak, serem, para já, o “móbil” de 23 de Julho em Sharm el-Shaikh.
Estas são ideias que convidam-lhe à uma reflexão, pois esteja à vontade!
Abdul Manafi Mutualo
Cairo, 23 de Julho de 2005.
1 Comments:
Caro Abdul Mutualo,
Acho a sua análise interessante e oportuna. Obrigado. Nao obstante, racionaliza demasiado o terrorismo com o risco de lhe emprestar uma coerência que nao tem. Nao percebo que cálculo é esse em que se espera uma nova revolucao matando as pessoas indiscriminadamente e destruíndo a base económica. Como o próprio Abdul Mutualo observou, da última vez que isso aconteceu as culpas foram lancadas aos perpretadores.
O terrorismo deixou de ser um assunto que poderia ter solucao política há vários anos. Em parte por causa da intransigência do Ocidente, mas também por causa da incoerência do integrismo, o terrorismo é agora um modo de vida. As pessoas que fazem isso ganham muito dinheiro ou, se suicidas, deixam muito dinheiro para as suas famílias. Mesmo se o Ocidente fizesse hoje as concessoes exigidas pelos integristas, o terrorismo nao iria parar. Penso que nós os intelectuais temos agora a responsabilidade de evitar racionalizacoes que dao uma coerência política a algo que deixou há muito de fazer sentido.
Um abraco
By Elísio Macamo, at 10:48 AM
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