Ideias para Debate

Friday, July 15, 2005

Governo

Resolvidos alguns problemas tecnológicos aqui estou, de novo.

Hoje trago vários textos que se foram acumulando nestes dias. Come´co por uma análise à actuação do governo feita pelo jornalista britânico Joe Hanlon. É um pouco grande mas vale a pena a leitura:

O novo governo

Ventos de mudança sem clara direcção

Pela primeira vez desde o período pós-independência, um novo presidente está a tentar reformar radicalmente o governo moçambicano, mas dar-lhe a volta está a provar ser mais difícil do que se esperava. As metas para acção nos primeiros 100 dias foram discretamente abandonadas enquanto um grupo inteiramente novo de ministros e governadores tentava aprender a tarefa e decidir quem dentro do aparelho apoiava ou se opunha à mudança. Muitos ministérios ainda estão a ser reestruturados e directores nacionais chave ainda não foram nomeados.

Durante vinte anos Joaquim Chissano esteve à frente de um governo acusado de "deixa andar", de corrupção e abuso do poder. Os funcionários que tinham criado confortáveis feudos estão a resistir à mudança, e é evidente que alguns “dinossauros” precisam de ser substituidos por um geração mais jovem. Muitos anos sem mudanças levaram também muita gente honesta e capaz a ficar presa ao seu modo de fazer as coisas e tem uma visão estreita do que era possível ter feito. O novo governo foi buscar muitas características do governo de Samora Machel do final dos anos 70, enquanto o Presidente Armando Guebuza tenta impor dinamismo e criar um vento de mudança.

Muitas acções no início foram populares, como a insistência de que os funcionários públicos deviam chegar a horas ao serviço, que as reuniões deviam começar a horas, que devia haver um esforço para que o trabalho do governo fosse acelerado, e ainda quando se caíu em cima do abuso de viaturas, telemóveis e viagens. Mas os actos populistas não podem ir mais longe do que isto e já se critica que na tentativa de mostrar que mandam, alguns ministros e especialmente governadores, têm tomado decisões precipitadas, incorrectas e sem ponderação. Sem terem consciência disso, estão a marginalizar, alienar e mesmo a demitir alguns dos seus apoiantes naturais.

Aparentemente, o Presidente Guebuza deu aos seus ministros carta branca para desenvolverem os seus próprios estilos e direcções, dentro do quadro mais lato das orientações vindas do topo. Em parte isto reflecte o facto de que Guebuza não tem uma forte reputação de gestor e tem tendência a deixar que outros tratem dos detalhes esperando criar a política na dinâmica do processo.

Há assim mostras tanto de centralização como de descentralização, com alguns ministros a mostrarem-se dirigentes de mão dura e outros a serem mais cautelosos, e ainda de alguma inconsistência nas decisões. Os ventos da mudança por enquanto são rajadas a soprar em diferentes direcções e ainda não emergiu uma estratégia clara.

Este é também um governo de transição. A maior parte dos ministros e governadores não têm experiência para um nível tão alto e inevitávelmente alguns vão falhar. Além disso, nem todos os ministros foram escolhidos por Guebuza. Alguns foram nomeados por figuras seniores do partido Frelimo, alguns por razões pessoais, e o governo contem ainda ministros leais à ala Chissano do partido. Tem havido uma azeda luta interna no governo, e Guebuza está portanto ainda a tentar ganhar a lealdade do seu próprio governo. Parece provável que haja uma remodelação no próximo ano.

Entretanto, dentro do partido Frelimo, continua a luta entre apoiantes de Guebuza e de Chissano. A substituição de Chissano como presidente do partido não foi planificada nem esperada, mas aconteceu quando os leais a Guebuza sentiram que Chissano estava a minar o novo governo. Por isso Guebuza está a dispender parte do seu tempo reconstruindo o partido e assumindo o seu controlo, para fazer dele um instrumento de mobilização para o novo governo.

Deste modo a mudança é lenta e a maior parte dos observadores mantem uma atitude de esperar para ver. Uma reunião especial de ministros, vice-ministros, governadores e secretários permanentes, de 8 a 10 de Julho, tinha nitidamente a intenção de abanar algumas cabeças e impor disciplina no governo. No seu discurso de abertura, o President Guebuza disse que a reunião era para lançar as bases “para a mudança da nossa atitude e comportamento perante a governação e o nosso povo”

Cinco objectivos

Efectivamente o Presidente Guebuza deu ao seu governo cinco alvos iniciais:

● Fazer com que as pessoas acreditem que a mudança é possível, e que o governo pode dar uma contribuição para uma mudança positiva em Moçambique. Este é certamente um dos objectivos de discursos insistindo na necessidade de combater a pobreza.

● Impor moralidade e disciplina no governo. Tem-se caido em cima da corrupção e dos abusos e as pessoas são forçadas a começar a trabalhar a horas.

● Politizar o governo e fazer com que os funcionários públicos sintam que estão a trabalhar para alguma coisa – dar-lhes objectivos e um sentido de propósito.

● Dar a mais alta prioridade ao combate à pobreza e ao desenvolvimento rural, retirando o foco de Maputo e de uns poucos grandes projectos. A mudança de foco é dramática. Guebuza e os seus ministros e governadores estão a passar mais tempo em áreas rurais.

● Ter um governo de equipa em vez de uma colecção de ministros individuais. As decisões chave são tomadas a nível mais alto e o novo ministério de Plano e Desenvolvimento destina-se a elevar o nível da coordenação, especialmente em questões de desenvolvimento.

Disciplina

Há vinte e cinco anos, o Presidente Samora Machel entrava sem se fazer anunciar em hospitais e ministérios para forçar as pessoas a fazerem devidamente o seu trabalho. Isto volta a acontecer. O resultado é que as pessoas agora chegam pontualmente às 7 e 30m – o que não aconteceu em muitos casos durante mais de uma década. Algumas pessoas foram imediatamente demitidas o que criou problemas em alguns lugares. Por causa da lei do trabalho introduzida desde as ofensivas de Samora, há agora procedimentos para demitir pessoas que foram violados, enquanto que as substituições não podem simplesmente resultar de nomeações do ministro pois requerem um concurso aberto. Na saúde, os médicos do hospital são obrigados a dar um certo tempo no hospital antes de irem para as consultas privadas; anteriormente alguns eram vistos raramente nas enfermarias. As reuniões agora começam a horas, muitas vezes com as portas fechadas para impedir a entrada dos atrasados. Guebuza está presente nas reuniões do conselho de ministros que foram abreviadas para duas horas. Os Ministros em princípio devem ler os documentos com antecedência e as reuniões são do tipo reunião de negócios, com intervenções directas do Presidente.

Os carros têm sido uma das grandes áreas de abuso e os ministérios reduziram o número de pessoas com carros pessoais (o Ministério da Agricultura recolheu mais de 100 carros) e fizeram cortes no pagamento de combustíveis para uso em carros pessoais de funcionários séniores. Também foram cortados os pagamentos de telemóveis. E alguns ministérios estão também a restringir suplementos ao salário.

Outro abuso eram as viagens, particularmente viagens ao estrangeiro feitas sobretudo ppara receber os perdiems. As viagens ao estrangeiro foram restringidas na maioria dos ministérios e no Ministério da Saúde houve mesmo cortes nas viagens às províncias.

Perdas e ganhos imediatos

Qualquer novo governo deve pressionar por ganhos imediatos, particularmente acelerando inciativas iniciadas pelo governo anterior, e este governo não é diferente com a inauguração de uma série de projectos que já estavam em curso. Novos ministros devem também resolver problemas que rápidamente se acumulam nas suas mesas. Mas em muitos locais o governo ainda é reactivo em vez de pró-activo, e a incidência em ganhos imediatos pode ser avassalador para alguns ministérios. A exigência de que o ministro aprove todas as viagens, por exemplo, pode significar uma pilha de papéis todos os dias na sua secretária e menos tempo para pensamento estratégico. Cortar viagens provinciais pode diminuir abusos mas vai contra o novo foco do governo nas províncias.

Algumas vezes acontece também que é muito fina a linha que separa abuso da posição e necessidade de rendimento extra. Houve nítidos abusos de carros, viagens e subsídios. Mas os salários são baixos e algumas pessoas dependiam do dinheiro de viagens ou de não ter de pagar pelo combustível. Isto pode empurrar boas pessoas para fora do governo.

Política no comando

Quando qualquer governo toma o poder, o seu programa partidário e manifesto eleitoral devem estar no centro do programa do governo. Assim neste sentido, a política devia estar sempre no comando e uma das críticas ao governo de Chissano era que política e programa tinham caido no esquecimento.

Mas a política aqui está no commando de três outras maneiras. Primeiro, este não é um governo de peritos e técnicos, mas antes um governo de gestores. Em muitos aspectos segue o modelo da Harvard Business School que diz que um bom gestor pode gerir seja o que for sem ser um perito na matéria, desde que seja bom a resolver problemas e a tomar decisões. Este governo foi escolhido pelas suas qualificações políticas e por ter fortes ligações nas províncias, esperando-se assim que esteja virado para o desenvolvimento rural. Deste modo ministros e governadores devem ser vistos como gestores e dirigentes politicos, mais do que peritos na sua área.

Segundo, Guebuza está a colocar muito mais ênfase no partido Frelimo como canal de informação, influência, apoio e mobilização. Parece ter havido uma viragem na direcção da era do partido único, onde o partido desempenhava um papel mais forte e, no que tinha de melhor, mantinha a direcção em contacto com a base.

Terceiro, Guebuza é um nacionalista e muitos dos seus apoiantes criticam o que era visto como a subserviência do governo de Chissano perante doadores e investidores estrangeiros. Os doadores já estão a achar que os seus encontros com o novo governo são a um nível mais baixo do que no passado. O interesse nacional estará nitidamente mais acima na agenda e ofertas de ajuda e investimento serão escrutinados mais de perto.

Abanão de cabeças

Ministros e governadores deparam-se cada vez mais com críticas à falta de visão de longo alcance, acções populistas, e por fazerem mudanças varrendo o bom juntamente com o mau. Nas suas duras críticas na abertura da reunião do conselho de ministros alargado a 8 de Julho, o Presidente Guebuza levantou precisamente estas questões. Disse que as pessoas devem deixar de perder tempo competindo uns com os outros ou comparando-se com os seus predecessores, em vez de cooperarem mais e trabalharem mais como equipa. Em particular, vincou que “mudanças com sucesso não rompem com o passado”, antes constróiem sobre a experiência e valores do passado, e aprendem da experiência dos outros.

Também repreendeu as acções populistas. E salientou: “não nos satisfaçamos apenas com a pontualidade e assiduidade” – antes o que conta é a qualidade dos resultados.

Fez notar que durante a sua volta pelo país ouviu muitas vezes dizer que tinham sido alcançados 65% ou 90% das metas. "Quando dizemos que cumprimos 70, 80 ou 95% estamos a dizer que não cumprimos o que planificámos.” Foi particularmente crítico por receber "justificações pré-fabricadas que nem sequer convenciam quem as pronunciava." Em vez de desculpas, disse Guebuza, é preciso identificar as causas reais, de modo a ser possível encontrar respostas reais e fazer mudanças dentro das instituições.

Disse também estar patente a tendência de simplesmente reagir aos problemas imediatos e a incapacidade de ser pró-activo. Disse aos presentes na reunião para se interrogarem a si próprios sobre quanto tempo reduziram na tramitação da documentação e que decisões tinham tomado para dar um novo dinamismo ao funcionmento da sua instituição.

Corrupção: vão rolar cabeças?

Armando Guebuza no ano passado fez campanha eleitoral usando a plataforma da corrupção e será julgado à luz disso. Até agora o quadro é confuso. Em privado, houve algumas mudanças. Vários funcionários do governo fizeram acordos discretos para repor dinheiro roubado e pediram a demissão. A nível alto, foi acordado que a elite da Frelimo deve deixar de sugar dinheiro ao orçamento de estado. Tem havido auditorias de funcionários, para eliminar trabalhadores “fantasmas” que não existem e a quem têm sido pagos salários. Por outro lado, o governo continua a resistir à publicação do comprometedor relatório da sondagem no ano passado sobre a percepção do público sobre a corrupção.

Não tem havido qualquer discussão sobre possíveis conflitos de interesse que deviam constituir um ponto neste governo. O Presidente tem importantes interesses de negócios que dependem do patrocínio do governo, por exemplo na concessão de licenças de pesca. O Ministro da Saúde é dono de uma clínica privada mas como ministro é responsável por regular tanto a sua clínica como as da concorrência.

Investigações sobre alegações de corrupção envolvendo o antigo ministro da educação Alcido Ngwenha e antigo ministro do interior Almerindo Manhenge sugerem o início de interesse em investigar a corrupção do passado e talvez dar lugar a uns tantos processos judiciais – pelo menos de pessoas estreitamente aliadas a Chissano. Mas há três razões para pensar que haverá poucos processos contra crimes passados. Primeiro, a elite da Frelimo tem estreitos laços económicos entre si e há ligações empresariais fortes entre as alas Chissano e Guebuza dentro do partido; qualquer investigação aprofundada de corrupção na era Chissano iria igualmente expor má conduta de aliados de Guebuza. Segundo, a comunidade doadora, que paga uma significativa fatia das contas, não mostrou qualquer interesse em expor a corrupção do passado. Terceiro, manter o partido coeso é a prioridade mais alta e Guebuza terá relutância em fazer ondas com processos de corrupção; já foi acordado que a pessoa de Joaquim Chissano está salvaguardada.

Centralização e descentralização

Para Guebuza, um fim para o “deixa andar” e maior coordenação entre ministérios significa controlo central muito mais apertado. Muitas decisões e acordos foram deixados para os Directores Nacionais, que agora são acusados de verem só as prioridades do um ministério (e algumas vezes prioridades pessoais) em vez do interesse nacional. Alguns contratos estão a ser renegociados e decisões chave estão a ser tomadas ao nível mais alto.

Ao mesmo tempo, há também um certo grau de descentralização. Talvez inesperadamente, Guebuza deu o seu apoio à descentralização e crescente poder a nível de distrito. Os “conselhos consultivos” distritais, de que Nampula é pioneira, continuarão a ser estendidos a outras províncias, juntamente com o orçamento distrital. Lucas Chomera, Ministro da Administração Estatal, e antigo governador da Zambézia, tem um mandato claro para avançar neste sentido.

Uma das razões para este movimento nas duas direcções pode ser uma compreensão mais sofisticada das dinamicas. Por exemplo, os conselhos consultivos têm uma influência genuina em planos e um envolvimento real na planificação distrital que melhora o planeamento e o processo de desenvolvimento local. Lideres tradicionais estão envolvidos na colecta de impostos, o que tem ampliado as receitas a nível local. Mas o poder de decisão ainda assenta no governo central – presidente, ministros, governadores e administradores de distrito. Estamos pois a assistir a uma centralização do poder à mistura com um aumento real de influência e envolvimento local.

"Credibilidade testada dia a dia”

"Como lideres do processo de mudança … devemos ser exemplo de integridade e de cumprimento do que prometemos" , disse Armando Guebuza no seu discurso de a 8 de Julho. "Só quando formos nós os primeiros a mudar e a sermos vistos a mudar, é que poderemos estimular os nossos colaboradores e o nosso povo a seguirem o nosso exemplo." E Guebuza concluiu dizendo: "Da nossa atitude e comportamento perante os problemas do nosso povo depende a nossa credibilidade, e a nossa credibilidade está sujeita, no dia-a-dia, ao teste mais severo que podemos imaginar na vida política."

Joseph Hanlon

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