Ideias para Debate

Monday, September 19, 2005

Resposta a Muthisse

Do Manuel Mangue recebi esta interessante resposta ao texto de Gabriel Muthisse:

Caro Gabriel Muthisse, é um texto muito bem escrito e bem trabalhado. Entretanto - peço para que me corrija se estiver enganado - pareceu-me pairar sobre o texto a idéia de que a igualdade é uma quimera que prejudica os “mais competentes”.

Iria, na verdade, fazer uma pergunta, embora teça algumas considerações até lá chegar.

Quanto à questão da justiça social, creio que ela está relacionada, não à mutilação das “competências”, mas sim à capacidade de proporcionar, necessariamente a todos, um (o) grau mínimo de dignidade. Ou seja, como diria Renato Ribeiro, em a Universidade e a vida atual, ... o direito a uma vida decente não é só dos gênios. É de todos, inclusive dos imbecis” (Ribeiro, 2003:80). Por outro lado, é um equívoco generalizar as ambições humanas, resumindo-as ao cenário de movimento de capitais (acumulação de capital e valorização de capital). Este, o capital, mais do que o Maior Múltiplo Comum, quer-se, para muitos, o Menor deles: o necessário a uma vida condigna.

Quanto à crescente taxação dos ricos, concordo consigo. Diria, na verdade, que estou de acordo com a questão da igualdade naquilo que ela representa, como uma necessidade de reflexão da actual conjuntura, em especial nos países em desenvolvimento. Portanto, apóio a idéia (o princípio), mas não a esta estratégia e esta táctica, isoladamente: resolver a situação não se resume à simples taxação.

Na sequência, em relação ao seu texto, volto a discordar com alguns elementos, na medida em que trata a “competência” como se de um conceito ubíquo se tratasse. Ela é, na realidade, produto de uma lógica histórica. Ou seja, não basta que na corrida todos partam da mesma linha. É também importante que todos estejam ao menos calçados, sobretudo quando o piso é irregular. O piso (irregular) é justamente o contexto. Porque é que um mesmo princípio dá certo em um contexto e em outros não: O relatório da UNCTAD aponta para 20 anos de desindustrialização negativa em grande parte dos países em desenvolvimento, a América Latina em Particular. Portanto, num ambiente em que ao nascer tudo o convoca a ser pobre (só não se é porque resiste) o problema não é do indivíduo, mas sim do sistema.

Por outro lado, acho que a questão foi abordada de uma forma reducionista, ao focalizá-la sob o ponto de vista económico, apenas, e dentro de uma perspectiva de acumulação. Embora possibilite uma análise um pouco mais aprofundada, esconde, na mesma dimensão, as contradições inerentes à questão e à conjuntura. Há outros aspectos sócio-económicos, etc. que se tratados em conjunto (como igualmente relevantes) remeteriam a outro tipo de soluções. No fundo, há uma verdade que se esconde na sua abordagem e que só poderia emergir caso se abordasse a questão no conjunto das dimensões inerente ao cenário, como um todo. Do mesmo modo que, empiricamente, as desigualdades são inerentes ao crescimento das economias subdesenvolvidas, a violência também é (salvo o caso da Índia, cuja explicação passa pela vertente religiosa). Esta, a violência, é um exemplo dos elementos que também devem ser levados em consideração.

Em relação a um outro ponto, não são apenas os fracassados que propõem limites ao liberalismo económico. Há pessoas fora desse ciclo que, no entanto, pensam no que fazer com os refugos que o liberalismo de propósito produz.

Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!

Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos, Maria!

Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras, são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos, Maria!

Crias morrem à míngua de pão
vermes na rua estendem a mão a caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!

.....

José Craveirinha

Por fim, não creio que a saída para Moçambique seja o aumento da competitividade internacional, por aquilo que isso implica: um nível de competição altíssimo e que no nosso caso, a considerar pelas actuais condições, será sempre tardio. Para que as empresas moçambicanas sejam competitivas internacionalmente significaria uma rápida transição do setor primário (81%, hoje) para o de serviços e de alta tecnologia. Isso será possível por um curto espaço de tempo (e irá beneficiar 2 ou 3 pessoas, que amanhã serão chamados de competentes). Logo a seguir virão os gargalos, entre eles a fraca qualificação. Aliás, o relatório de 2003 da ANCTAD, ao analisar o processo de desindustrialização (negativa) de alguns países em desenvolvimento, mostra isso. Penso que as soluções devem ser “caseiras”, mas sempre atentos a um possível “desconto da história” que não nos obrigará a acompanhar pari passo os cenários internacionais.

Aliás, penso que em todo o mundo, as fórmulas para a acumulação são conhecidas e esta, em particular, bastante explorada. Porém, em quase todos os lugares, aumenta o número de pobres, as classes médias baixam de qualidade de vida e por aí afora. Enfim, falta-nos a fórmula de distribuição.

Com isso, perguntaria se não é possível estabelecer-se para Moçambique (tendo em conta as suas especificidades) uma divisão/relação de trabalho que não fique totalmente fora mas também não tão dentro da divisão internacional do trabalho. Lembro-me que nos primeiros cinco anos da independência, pensou-se que a agricultura mecanizada (alta tecnologia; as infovias de hoje, indispensáveis para uma internacionalização bem sucedida) é que seria o caminho. Passado algum tempo, nem a mecanização nem a agricultura que havia garantido a produção para consumo interno e externo do povo. Quando vimos, já era 1983. Isso não se repete ou repetiria, analogamente, com a proposta de internacionalização?

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