Ideias para Debate

Monday, January 30, 2006

Música e Identidade

O Patricio Langa regressa ao blog com um tema aliciante:


Ritmos locais e músicas globais: reflexão sobre a música e identidade
Moçambicana



Na última década, talvez mesmo antes, a música produzida em Moçambique tem
sido objecto de um aceso debate sobre a sua identidade. Neste debate, muitas
vezes suscitado pelos órgãos de comunicação social, o cerne da questão
reside na pretensão de se definir o que é moçambicano na “música
moçambicana”. Na verdade, a questão não é assim colocada. O que se tem
colocado como questão é a presumível existência de um conflito de gerações
entre músicos. Pergunta-se até que ponto se pode considerar moçambicana a
música produzida e interpretada por músicos moçambicanos, mesmo quando
compostas por ritmos e sons “estrangeiros”. Buscam-se justificações
geográficas e culturalmente essencialistas dos ritmos e sons da música como
se estes não estivessem em permanente trânsito. Velha e nova geração é a
dicotomia problemática, que se tem usado para distinguir na verdade as duas
alas no debate. Uma – “velha” — que nos seus repertórios canta a Marrabenta,
Mapoico, Makwayela etc e/ou a fusão destes e outros ritmos e sons
considerados “genuinamente” moçambicanos. Em contraposição a “nova”, que
inclui nos seus repertórios ritmos e sons do Hip-Hop “ameri-universalizado”,
do rhythms & blues, vulgo R&B até as bem apreciadas passadas, kizomba, zouk
entre outros. Stewart Sekuma músico e compositor moçambicano já questionou o
seu lugar nessa classificação, uma vez que ele se considera entre as duas
gerações, principalmente, quando o critério de referência das gerações é
etário. Ele que anda pelos quarenta e poucos anos de idade considera-se numa
faixa intermédia. Será a idade o critério adequado para classificar
tendências em termos de estilos e influências musicais? Um jovem de dezoito
anos que canta Marrabenta a que geração pertence? A STV, televisão privada
nacional, no seu programa matinal “Opinião Pública” reeditou este debate
sobre a música moçambicana perfilando músicos convidados que se consideram
representantes das duas gerações. Particularmente, assisti aos últimos
trinta minutos de um deles, em que se fez presente o carismático músico,
Salimo Muhamed, outrora Simião Mazuze, e um jovem músico de nome “Duas
Caras”, do conjunto Estaka Zero. Soube que passaram pelo mesmo programa
outros músicos em edições anteriores tais como José Mucavele e Mc Roger
(Rogério Dinis). Penso que estes dois músicos poderão servir de exemplos
concretos neste debate dotando de conteúdo prático a distinção –
problemática — de gerações. Esta escolha deve-se ao mero facto de, em
ocasiões repetidas e em contextos distintos, os mesmos já se terem assumido
como pertencentes a cada uma das categorias geracionais. Os dois músicos
representam estilos, processos de produção, estratégias de marketing,
trajectórias, maneira de estar na música etc; bem diferentes, se não mesmo
opostas. Na linguagem veiculada no debate o primeiro representaria o que se
designou de “música de raiz” e o segundo, penso, de música “desenraizada”. O
primeiro com mais de quarenta anos de carreira musical e de compositor, com
menos de cinco álbuns, mas provavelmente com um vasto repertório algures não
gravado - pelo menos é o que se diz. O segundo com pouco menos de dez anos
de carreira musical, oito, tem oito Álbuns editados. Dois estilos, como
referi, diferentes de estar na música. Duas ‘traje-histórias’ distintas. Se
olharmos para estas duas figuras, a questão colocada para o debate na STV
sobre o conflito de gerações parece até plausível. Mas, tenho para mim, que
esta questão distorce o aspecto central do debate. O aspecto central como
tem vindo a ser levantado há anos diz respeito a questão identitária como
coloquei no início deste texto. O que é que faz da música de
Mucávele “música de raiz” e, por conseguinte, de “raiz moçambicana?” O
argumento que tem sido apresentado por Mucavele para justificar a
moçambicanidade da sua música, é a sua pesquisa de ritmos e sons cantados
pelo país adentro. É por essa razão que Mucavele intitula-se investigador
da ‘nossa música’. É um argumento forte. Mais bastará para justificar a
exclusão dos que não fazem esse percurso de vestir a camisola de produtores
de musica moçambicana? Os ritmos e sons que se tocam e cantam por toda
extensão territorial do nosso país encontram-se para além do que é hoje,
geopoliticamente, Moçambique. Neste caso, a música produzida em Moçambique
seria moçambizimbabweana, moçambimalawiana, moçambisulafricana e por ai em
diante. Os Mapikos, Makwaelas, etc são cantados e dançados na África do sul,
Malawi entre outros países vizinhos.
Por outro lado, o que é que faz a música de Mc Roger uma
música ‘desenraizada’ e, por conseguinte, música sem raiz moçambicana? Mc
diz que canta Moçambique, que a sua música ajuda a colocar Moçambique no
mapa mundo, não só através das catástrofes cíclicas naturais, e as por nós
próprios provocados como, por exemplo, a que justificou a ‘paternidade da
democracia’, mas pelos aspectos positivos que ainda restam entre nós. As
suas composições musicais estão cheias de evocações passionais ao nosso país
e à sua terra natal, penso que se trata da ilha de Inhaca. Será no ritmo que
a música de Mc perde a raiz da moçambicanidade? Fique claro desde já que não
se trata de uma saída, da minha parte, em defesa da música feita por MC e
companhia. Até porque a sua música não é das minhas preferências. Acho que
falta alguma imaginação nas suas letras, - para baixo, para cima dou-te
daqui, dou-te daqui, só mesmo o MC para achar nessas expressões alguma
criatividade - mas esse é outro assunto que não vem ao caso. Em outras
ocasiões já pude expressar a minha admiração pelo autor de “sambroera” o
mesmo diria em relação aos K10, Masukos, Ghorwane que cantam música
agradabelíssima, mas talvez um terço dos moçambicanos podem entender. A
questão aqui é saber o que faz uma produção musical – a criação harmónica de
ritmos e sons e voz – merecer uma identidade nacional? Em outras palavras,
em quê reside a moçambicanidade da música? O que é raiz da música? Esta
analogia entre a música e a planta, entre um produto social e outro natural
é plausível? A raiz da planta com a qual ela se assenta e fixa na terra
donde suga os sais minerais para a sua própria existência é fixa, imutável,
inerte, pois, caso contrário morreria. A raiz da música obedece ao mesmo
princípio? O “desenraizamento” da música faria com que ele morresse do mesmo
jeito que a planta? Uma analogia requer um exemplo semelhante num aspecto
relevante. Que característica ou elemento analógico é considerado relevante
na comparação entre a música e a planta — a fixação na terra? Só assim
entendo o termo “música de raiz”. Música assente na terra, portanto, fixo,
imóvel, inerte e imutável.
A música, pelo menos, como eu a percebo, é um fenómeno mutável no tempo e no
espaço, não é fixo por raízes. A música viaja, sofre influências de outros
lugares, ritmos e sons são recriados etc. Então, porquê a comparação? Se for
a raiz que determina a moçambicanidade da música então deveria existir,
suponho, também a raiz da moçambicanidade. Os moçambicanos que saíssem de
Moçambique deixariam de sê-lo, mesmo que não o quisessem. Estas questões
remetem para um outro tipo e nível de debate. Um nível teoricamente mais
analítico dos processos identitários constitutivos da moçambicanidade no
geral e da moçambicanidade da música, em particular. O debate sobre a
moçambicanidade, felizmente, já dominou a agenda dos intelectuais
Moçambicanos e já foi objecto de alguma teorização interessante. Essas
teorizações ajudam-nos à livrarmo-nos e a livrar o debate das garras do
senso comum que o tem caracterizado. Os sociólogos, Carlos Serra e Elísio
Macamo, o filósofo Severino Ngoenha, são alguns dos que emprestaram seus
quadros analíticos neste debate sobre a moçambicanidade. Constitui dominador
comum naqueles autores um olhar processual e construtivista das identidades.
Conceptualizando a moçambicanidade como um fenómeno processual, mutável, e,
por conseguinte, não fixo e inerte (Serra e Macamo) e acima de tudo como um
desiderato, um projecto (Ngoenha), que inicia na união de diferentes grupos
de oprimidos na busca pela independência da masmorra colonial. Um projecto
que iniciou e que se prolonga até hoje com a introdução, sempre, de novos
elementos, daí a preferência de alguns pela expressão moçambicanização ao
invés moçambicanidade que sugere algo fixo e imutável.
Teorizar o debate sobre a música
Penso que é chegado o momento, como sugeriu um telespectador no debate da
STV, de emprestar ao debate sobre a moçambicanidade da música um cunho
teórico e analítico para qual, os músicos nem sempre denotam devida
competência. A relação entre música, cultura e identidade moçambicana deve
ser problematizada, pois ela não é estática. As tradições musicais,
culturais e os habitus musicais são permeáveis e receptivos aos estilos,
ritmos e líricas de diversos lugares do mundo, mesmo que elementos de
permanência se verifiquem. Onde andam os nossos críticos de arte
musicológica? Onde andam os sociólogos da cultura? Meu caro amigo F. Meigos,
eis aí matéria prima. Pierre Bourdieu, um dos mais destacados sociólogos do
século XX com uma teoria sociológica da cultura, defendeu que os críticos
deveriam perceber que os produtores do valor do trabalho da arte são
normalmente outros e não os próprios artistas por si. Acrescentaria que este
é mais do que o caso com a música. Conjecturo que no “campo da música”
moçambicana há espaço para lutas classificatórias entre os agentes que
participam e se situam em diferentes posições no campo musical. E nessa
luta, a questão identitária é resgatada como cavalo de batalha. No fundo
trata-se de uma luta pela definição do valor da obra musical numa economia
de bens culturais onde o campo da produção discográfica é que dita as
regras. Uma coisa é, por exemplo, sofrer-se influência de estilos musicais
da china e da cochinchina; e outra coisa bem diferente - para uma sociedade
como a nossa que cultiva o gosto pela tradição e resiste a modernidade - é
absorver a-criticamente valores estéticos de outras tradições. A primeira é
inevitável, a segunda depende muito da capacidade “imaginação musicológica”
de cada um. O primeiro aspecto, - influência de estilos de outras paragens –
ocorre e sempre ocorreu até porque nem depende da nossa vontade colectiva ou
individual. O segundo já é objecto de contestação por aqueles agentes que se
apercebem que as regras que determinam o valor da obra mudam a seu desfavor.
Os agentes novos no campo – “nova geração” – não têm que ser necessariamente
na base do critério etário e tendem a introduzir mudanças nos gostos num
contexto de ‘establishment’ musical. Imaginem se continuássemos a escutar a
Marrabenta ‘xi 60’ tal e qual era produzida na Rádio 2001 daquela época.
Bourdieu sugere uma analogia entre regras que governam a arte e a linguagem.
Falantes de uma língua subscrevem-se num sistema geral; enquanto que o uso
individual varia, os indivíduos estão conscientes das fronteiras do sistema
que prescreve limites aceitáveis sobre as variações. A produção e a recepção
do trabalho criativo de arte musical obedece a mesma lógica. Enquanto os
artistas se preocupam com a individualidade, sua expressão musical deve
permanecer dentro dos sistemas estéticos determinados pela “classe” dos
produtores do valor numa determinada sociedade. Os artistas exercem suas
escolhas dentro do sistema, mesmo quando estão deliberadamente o
subvertendo. No caso de Moçambique, quem são as pessoas que produzem o valor
da obra musical? Acima acabei de sugerir – baseado nas queixas constantes
dos músicos que tenho ouvido pela imprensa – que as discograficas têm uma
influência muito grande nesse aspecto. Aí sim, entendo que as tradições
precisam se defender, pois estão sempre a ser contestadas e por
agentes ‘incompetentes’. Contudo esta defesa da tradição não se deve
confundir com uma pretensa reivindicação de uma essência musical
moçambicana. As tradições musicais podem ser defendidas em seus próprios
termos, justificadas como tendo valor em um universo de valores em
competição. Ninguém é ou deve ser obrigado a gostar de um Mapiko, ou seja,
lá o que for em nome da preservação da tradição. Uma defesa essencialista da
tradição musical poderá degenerar em fundamentalismo musical, onde só é
sagrado – e, portanto música — aquilo que se considerar de “raiz”, e profano
tudo que não couber nessa categoria. A música moçambicana deve se
destradicionalizar. Em outras palavras estou aqui a sugerir que a tradição
da música moçambicana pode ser perfeitamente defendida por meios e moldes
não tradicionais; penso que esse deveria ser o caminho a seguir. Em outras
palavras tocar ritmos e sons locais produzindo música global. Eis o desafio
para os nossos músicos. Acho que não é de raízes que a nossa música precisa
é de asas, para poder voar mais alto.


A todos os amigo/as do blog ideias
Aquele abraço e próspero 2006.
Patrício Langa
26/01/06

Wednesday, January 25, 2006

Daniel Doku comenta

Recebi o seguinte texto:

Justiça Social e Liberdade: Mais Reflexões

O artigo, intitulado “Justiça Social e Liberdade. Antípodas ou Categorias Complementares” de Gabriel Muthisse (http://ideiasdebate.blogspot.com 04 de Agosto de 2005) é muito interessante, cheio de paixão e faz pensar nas suas ideias nucleares, sobretudo na noção de igualdade relativamente ao significado de ‘justiça social’. Na realidade, já temos uma resposta dada por Manuel Mangue, que justamente questiona alguns aspectos daquele artigo. Parece-lhe, como disse, (e parece-me também a mim) “pairar sobre o texto [de Muthisse] a ideia de que a igualdade é uma quimera que prejudica os ‘mais competentes’”. Nesta contribuição, tenciono abrir ainda mais o debate.

Apresento desde já a minha perspectiva sobre o assunto. Acho axiomático que apelar para o princípio de igualdade é um impulso natural e inevitável em qualquer sociedade humana de indivíduos, de grupos ou de nações. Isto porque ninguém quer ser tratado como uma pessoa inferior, particularmente se tal tratamento é baseado em critérios irrelevantes. E assim é, apesar das dificuldades intelectuais inerentes a conceber e falar da ideia de igualdade, bem como dos problemas práticos na sua implementação. Esta óptica minha não é, em si, uma justificação para seguirmos políticas igualitárias. Na verdade, não há receitas fáceis para saciar apelos ao princípio de igualdade. Assim, acredito que tomar aquele impulso em conta é essencial para a coesão social. O objectivo, a meu ver, não é o de eliminar a desigualdade factual entre os homens, mas sim os seus efeitos indesejáveis. O desafio, portanto, é como enfrentarmos, e, com efeito, ultrapassarmos, estes entraves de maneira a que se mantenha a coesão social, se permita vida humana digna e se sustente a sociedade humana.

  • Discriminação como, ou podendo ser, uma violação de justiça social

O termo ‘justiça social’ já é problemático pelo simples motivo de que por detrás dele está a ideia de igualdade. Para respondermos à questão “o que significa justiça social?” comecemos com uma definição geral segundo a qual “justiça social” significa “virtude que consiste em respeitar os direitos, quer naturais, quer positivos, que uma sociedade bem organizada deve reconhecer aos seus membros”. (Dicionário da Língua Portuguesa 8.ª Edição, Porto Editora, 1999).

Note-se que os direitos de que se fala podem ser, na verdade incluem, direitos políticos, legais, sociais, económicos, etc. Quer dizer, a justiça social tudo perpassa, com impacto em todas estas áreas da nossa vida. Acresce que a justiça social, como definida acima, pressupõe a liberdade de se gozarem estes direitos, sustentando ao mesmo tempo tal liberdade. Mas a Democracia procura garantir, entre outros, a liberdade e os direitos políticos, legais, sociais e económicos. Eis a ligação intrínseca entre a Liberdade, a Democracia e a Justiça Social.

Posto isto, imaginemos uma sociedade humana em que haja discriminação e cujas vítimas queiram que se corrija essa situação. Por discriminação, neste contexto, entende-se tratamento, numa dada situação, baseado em critérios irrelevantes. A discriminação pode ser sexual, racial ou contra os chamados deficientes, não importa. O relevante é como analisamos a situação para a resolvermos. Talvez ‘resolver’ não seja a palavra adequada neste contexto, pois, quando se trata de direitos, há sempre limites acerca dos quais se negoceia. Neste ponto, temos que pôr em destaque, pelo menos, três aspectos da situação.

Em primeiro lugar, a discriminação acarreta sentimentos de injustiça, e não só nas vítimas como em qualquer outra pessoa que considere a justiça social, como definida acima, um bem desejável. As vítimas e os seus simpatizantes podem guardar ressentimentos contra o sistema que sustenta a discriminação. Diria que estes sentimentos alicerçam legítimas queixas de injustiça, já para não falar da própria discriminação.

Refira-se, contudo, que é até possível as vítimas dirigirem os seus descontentamentos para os que julguem beneficiários do sistema. Mas isso não vem ao caso. Concentrarmo-nos neste aspecto faz-nos correr o risco de tornar obscuros os motivos mais relevantes que acabámos de identificar acima. Neste contexto, aventaria que a asserção de Muthisse, de que “Se analisarmos mais detidamente, por exemplo, a justificação apresentada em apoio às reivindicações igualitárias verificaremos que, em muitos casos, elas se originam do descontentamento que o sucesso de algumas pessoas frequentemente suscita naqueles que tiveram menos êxito”, mesmo que seja verdade, é não só irrelevante para o debate mas também uma digressão desnecessária e inútil.

Ademais, parece que Muthisse se deixa levar por esta irrelevância e continua: “A moderna tendência de se gratificar essa paixão, disfarçando-a sob a roupagem respeitável da justiça social, pode-se transformar numa séria ameaça à liberdade.” Esta conjectura é lamentável uma vez que a verdadeira ameaça à liberdade pode não ser devida a inveja, real ou fantástica, mas fundada no constrangimento constante da liberdade de uma secção (por exemplo, as vítimas de discriminação) da sociedade.

Em segundo lugar, quase sempre, as queixas de injustiça, pelo menos em parte, baseiam-se em noções de igualdade. Neste contexto, está-se a falar de igualdade como justiça (comportando imparcialidade). Não quer isto dizer que essa seja a única teoria de justiça, senão que é tão respeitável como qualquer outra (quer dizer, teorias de justiça baseadas em utilidade ou em direitos, por exemplo). Mas a ideia de igualdade é particularmente problemática como vamos ver abaixo. Por isso mesmo, cria sempre problemas se não se consegue exprimi-la claramente num dado contexto.

Por exemplo, as vítimas de discriminação podem exigir serem tratadas em termos iguais aos que merece qualquer outro. Tal exigência é vaga, sem dúvida, mas não porque as vítimas estejam confusas acerca do que a igualdade implica. Mais investigações podem revelar que as vítimas meramente pretendem a eliminação dos critérios irrelevantes.

Em terceiro lugar, está aqui implícita uma ligação entre justiça social e liberdade. Quer dizer, a discriminação não permite que as vítimas realizem plenamente as suas ambições. Ou seja, a liberdade das vítimas está constrangida e isto representa uma forma de injustiça social.

Para voltarmos ao termo ‘igualdade’ temos que ter em mente duas das suas características importantes que nos podem ajudar, no mínimo, a pensar no assunto e a falar dele.

  • Desigualdades de facto e igualdade como princípio ético

A primeira característica é em que sentido se fala de “igualdade”. No seu livro “Éticas Práticas”, o filósofo Peter Singer lembra-nos que “igualdade é um princípio ético básico e não uma asserção de facto”. (Singer, 1993:21).

Esta distinção significa que, por um lado, podemos concordar com Muthisse quando ele diz: “Não é correcto afirmar, no sentido factual, que ‘todos os homens nascem iguais’, uma vez que ele está a comentar a desigualdade factual entre os homens.

Por outro lado, vale a pena lembrar que afirmar a desigualdade factual entre os homens de modo nenhum implica uma refutação de qualquer reclamação de igualdade no sentido ético. Segundo Muthisse: “O problema com a distinção [entre a igualdade factual e a igualdade ética] aparece quando... se pressupõe que a razão pela qual os homens devem ser tratados com igualdade é que eles são iguais (talvez num sentido metafísico...)”. Não se vê nenhum problema com a distinção senão uma confusão ligeira da parte de Muthisse. As questões são diferentes. Pois, o que podemos dizer, no máximo, a quem pressuponha a igualdade factual para fundamentar a igualdade ética é que o seu argumento é inválido até podermos exigir-lhe um fundamento mais persuasivo. Mas isto nada nos diz sobre a reclamação ética de que os homens sejam tratados com igualdade.

Por exemplo, quando as mulheres moçambicanas exigem a sua plena participação, na vida familiar, no mercado de trabalho e na vida pública, à sociedade moçambicana, as diferenças factuais entre homens e mulheres estão longe da sua mente uma vez que elas estão a fazer uma reclamação ética de consideração igual dos seus interesses. Quer dizer, a liberdade para realizar plenamente as suas potencialidades e ambições como membros responsáveis da sociedade moçambicana. Se alguém fundamentasse esta reclamação com base no pressuposto de uma igualdade de facto entre todos os homens, poderíamos declarar o seu argumento inválido pelas razões apontadas por Muthisse. Mas isso não anularia a reclamação ética das mulheres moçambicanas.

Para além disso, esta característica também exige que se especifique sempre o sentido que se atribui ao termo ‘igualdade’ quando se fala. E, sendo uma reivindicação ética, que se declare o fundamento (por exemplo igualdade perante a lei, igualdade de oportunidades, consideração igual de interesses etc.) dessa reclamação. Não se pode ressaltar este imperativo em demasia e, para o sublinharmos, consideremos dois exemplos pertinentes.

No seu artigo citado acima, Muthisse afirmou: “O igualitarismo protege os incompetentes (e penaliza os mais competentes) exigindo que os indivíduos sejam tratados em grupos ou categorias.” Contudo, se analisarmos esta asserção daremos conta de que, na pior das hipóteses, é vazia uma vez que não fica claro o que se pretende por “igualitarismo”. Se, por outro lado, a interpretarmos como qualquer política em busca de igualdade (no sentido factual ou ético) verificaremos que é patentemente falsa. Não constitui verdade porque o nosso exemplo acima (a reivindicação ética das mulheres moçambicanas) a mina. Não é verdade também pois no nosso quotidiano o tratamento de pessoas em grupos ou categorias, em si, nem necessariamente implica a protecção, nem leva à penalização de ninguém.

Para o segundo exemplo, lembramo-nos de que no seu comentário ao livro “Os Tempos da Filosofia” de filósofo moçambicano Severino Ngoenha, particularmente na vertente axiológica de democracia, o filósofo moçambicano José Castiano escreve: “ Segundo [Ngoenha], o plano dos valores comporta princípios de igualdade e do respeito pelos direitos humanos. Estes valores constituem uma forma abstracta para corrigir as desigualdades naturais entre os homens, para garantir o respeito pela dignidade e pelos direitos inalienáveis do homem.” (Suplemento Cultural do Notícias de 1 de Junho de 2005) (destaque meu). Pelo que venho dizendo, é claro que concordo com o ponto fulcral deste sentimento. Contudo, a expressão em destaque pode dar a entender que se pretende corrigir as desigualdades factuais entre os homens, o que acabámos de considerar fútil. Portanto, aventaria que a expressão deveria ser assim: “... para corrigir os efeitos indesejáveis das desigualdades naturais ou positivas entre os homens, ...” Não li o livro de Ngoenha que é, pelo que se julga dos comentários de Castiano, uma contribuição importante para a literatura, para a filosofia até para o pensamento político moçambicano. Nem finjo ser capaz de o ler. Mas se a expressão em apreço se encontrar no livro no mesmo contexto, aplicar-se-iam os comentários acima.

  • Igualdade e contradições internas

A segunda característica do termo ‘igualdade’ prende-se com a natureza das políticas igualitárias. No seu livro “Contra a Igualdade” o filósofo William Letwin argumenta que “toda e qualquer política igualitária é internamente contraditória. Isto é, se um governo igualasse qualquer dimensão material da vida – tal como o rendimento, o consumo, a carga de trabalho ou a riqueza, criaria necessária e inevitavelmente desigualdade em uma ou mais das outras dimensões.” (Letwin 1983). Embora o argumento de Letwin seja indutivo (ele generaliza a partir de pouco exemplos) e trate a dimensão económica, a perspicácia dele é bastante plausível e importante merecendo a nossa atenção. Na verdade, os problemas das políticas distributivas que Muthisse nos aponta, no seu artigo, apoiam a conclusão de Letwin. No entanto, fazemos uma breve referência à observação empírica de que, apesar disso, quase todos os países no mundo estão a implementar políticas distributivas de riqueza de maneira própria e com diferentes níveis de sucesso, conforme as circunstâncias de cada um, embora isto não seja para negar outros motivos como, por exemplo, o da responsabilidade perante os menos afortunados.

Mas esta característica de contradições internas, embora desconcertante, não nos deveria paralisar. O facto é que um certo nível de desigualdade, dependendo do objectivo dos nossos actos, é necessário e consistente com a reclamação ética da igualdade como justiça. A desigualdade factual entre as pessoas não resulta só de acidentes de nascimento e circunstâncias. Na verdade, criamo-la também, muitas vezes, intencionalmente e para só depois tentarmos eliminar os seus efeitos indesejáveis. E parece-me que o empreendimento democrático tem relevância neste contexto.

Numa democracia representativa como a de Mozambique, uma das características-chave é a da realização de eleições através das quais escolhemos o líder (ou os líderes) de um país. Por detrás das eleições está o mandato segundo o qual o representante eleito deve tratar dos assuntos da sociedade para que se garantam a todos os membros liberdade e direitos políticos, legais, sociais e económicos. Por outras palavras, e pelo menos relativamente a estas áreas, tratar dos interesses de cada membro da sociedade igualmente. Nesta vertente, pode-se considerar a democracia como uma instituição em busca da igualdade no seu sentido ético. Até que ponto seremos bem sucedidos neste empreendimento é um outro assunto. A experiência diz-nos que é um trabalho hercúleo. Mas o ponto relevante é que ninguém, em Moçambique, nem mesmo Muthisse, penso eu, está a insinuar que Moçambique não seja um país democrático.

E eis o problema identificado por Letwin. Para elegermos os nossos líderes temos necessariamente que tratar dos membros da sociedade desigualmente. Por exemplo os bebés não participam em sufrágios, na realidade são excluídas por motivos óbvios. E não pára aí, pois, ao elegermos os líderes, criamos inevitavelmente desigualdades positivas em termos de deveres e privilégios. Assim, compete, por exemplo, ao Presidente da República, e só a ele, a pesada responsabilidade de declarar guerra e sua cessação. (É verdade que em relação a uma determinada situação delicada como aquela o PR, consoante a lei, há-de consultar o Conselho do Estado e ponderar as opiniões deste. Mas ele não está obrigado a aceitar as opiniões dos seus conselheiros). Contudo, damo-nos conta de que tais desigualdades positivas podem levar a fins indesejáveis em circunstâncias impróprias. Por isso mesmo, confiamos no princípio básico da democracia, o da separação de poderes entre o executivo, o legislativo e o judiciário.

Pelos objectivos presentes, basta dizer que na prática é possível que a separação de poderes seja sempre uma questão de grau (e não é uma quimera, posso acrescentar). Neste aspecto, não tenho consciência de qualquer país democrático que tenha desenvolvido um sistema de separação completa de poderes. Sendo assim, cada país há-de procurar um equilibro apropriado e adequado conforme as suas circunstâncias legais, sociais, económicas e políticas.

Se aceitarmos a minha sugestão de que a Democracia já implica a busca de igualdade no sentido ético, segue-se que, até certo ponto, já estamos envolvidos na busca de igualdade nesse sentido, uma vez que vivemos numa sociedade democrática, embora tenhamos muito ainda por fazer. Portanto, longe de ser “uma quimera que prejudica ‘os mais competentes’” o que é preciso é redobrarmos os nossos esforços para que os resultados desse empreendimento sejam significativos.

Isto leva-nos à questão da atitude moçambicana, à ideia de igualdade. No seu artigo citado acima, Muthisse escreve:

“Há, na sociedade moçambicana, um sentimento muito grande favorável à igualdade junto de grande confusão sobre o que a igualdade implica. Parece que os moçambicanos amam a ideia de igualdade. Em termos intelectuais, eles podem estar inteiramente confusos acerca do que a igualdade implica, mas emocionalmente eles não têm dúvidas: amam a igualdade! E não é sem motivos: A sociedade moçambicana surgiu de uma luta contra uma sociedade colonial onde prevalecia o privilégio hereditário. Neste tipo de sociedade, a posição social do indivíduo é determinada não por seus dons e habilidades mas, sim, em função do facto de que pertence a determinada família, raça, casta ou classe. Contra esse tipo de sociedade em que prevalece o privilégio hereditário e não a competência, os moçambicanos justamente desfraldam o estandarte da igualdade.”

Nesta passagem detecta-se uma nota de sarcasmo, um sentimento difícil de compartilhar. Posso até estar enganado nesta interpretação e, se isso se verificar, peço que me corrijam. Parece ainda que Muthisse analisa os motivos dos moçambicanos numa perspectiva muito estrita, como se eles meramente lutassem contra a prevalência do privilégio hereditário e tudo o que ele implicava (quer dizer, os efeitos cáusticos, insidiosos e abrangentes). É verdade que isso faz parte da história de Moçambique, mas num sentido mais profundo, atrevo-me a dizer que os moçambicanos lutaram por muitas coisas, mas sobretudo contra a ausência de um bem mais fundamental, o da justiça social. Assim, parece-me que não é por acaso que lemos no primeiro artigo da lei-mãe de Moçambique o seguinte: “A República de Moçambique é um Estado independente, soberano, democrático e de justiça social.” (Artigo 1, Constituição da República: 2004) (destaque meu).

Estas são, com certeza, as ideais fundamentais com as quais a República de Moçambique se compromete plenamente. Com o seu livro citado acima Ngoenha abriu um novo capítulo no debate aberto sobre como o país poderá concretizar estas ideais.

Diria ainda que, se os moçambicanos amam a ideia de igualdade como Muthisse afirma, isso mostra uma sociedade madura e desejosa de justiça social e, por isso mesmo, “hoye hoye aos moçambicanos” eu digo.

  • Conclusão

Nesta contribuição, reiterei a ligação intrínseca entre a Liberdade, a Democracia e a Justiça Social. Tentei distinguir desigualdade de facto e igualdade como princípio ético, e apontei as contradições internas inerentes à ideia de igualdade como tal. Não obstante, tentei aventar que tudo isto é consistente com a reclamação ética de igualdade como justiça e que esse apelo para a ideia de igualdade poderia guiar os nossos actos em busca da Justiça Social.

Não é necessário ser-se demasiado idealista na ideia de igualdade mas, como já disse, temos que lidar com as implicações éticas desta ideia na nossa vida social, legal, política e económica. É mais fácil dizer do que fazer mas talvez não seja aconselhável subordinar a justiça social à competitividade internacional. É preciso é adoptarmos uma abordagem equilibrada em tais assuntos.

E para quem ainda suspeite da viabilidade de qualquer projecto igualitário, talvez as palavras de John Donne sejam instrutivas. Este clérigo e poeta inglês do século XVII dizia à sua congregação que “ [A Morte] chega-nos igualmente a todos e ao chegar torna-nos todos iguais” (O Dicionário Oxford de Citações).

Daniel Doku

Maputo

25/01/06

Friday, January 20, 2006

Críticas

Recebi o texto seguinte da Tania Tomé. Embora não tenha sido explicitamente enviado para o blog interpreto a sua introdução como uma autorização para o incluir:



Gostaria de poder partilhar esta mensagem com os Moçambicanos em geral, porque só assim podemos evoluir, não sei se será possivel de qualquer forma envio. Assim pelo menos o terá lido o que será gratificante porque será mais um a sentir uma das nossas problemáticas.

Kanimanbo.
Tânia Tomé


Pretendo partilhar algo com quem me lê, essencialmente falar de algo que
acontece com frequência no nosso dia a dia, bem como do que acontece no
meu contexto em particular e buscar um caminho para o crescimento.

Algo me arrelia bastante, são as criticas destrutivas que muitos de nos
fazemos em várias ocasiões, na sua maioria sem fundamento. Impera penso,
uma sede de destruir as pessoas, acho que se trata de uma pequenez do
ser humano, de se sentir menos infeliz com a infelicidade dos outros.

Penso que no mundo e em particular em Moçambique (realidade que melhor
conheço) o habito da discussão é visto de forma negativa ainda por muita
gente, não importa agora descortinar as razões por traz disso. Importa
antes desenvolver as nossas capacidades para contrariar esse movimento,
linear em que todos devemos ter as mesmas ideias e conformar-nos com
elas sem nos questionarmos. Quantos de nós não passou por uma situação
em que se sentiu pequeno, por discordar de uma opinião geral, ou de um
jornal, ou numa turma de faculdade?? E alguém parou para ouvir os
argumentos ?? para tentar perceber se de facto faz algum sentido a
opinião ou ideia?? E agora no sentido contrário, quantas vezes nos
aborreceu ver/ouvir ideias diferentes da nossa sem darmos a devida
atenção??

Cada um deve ser livre de opinar, fundamentando de forma consistente a
sua ideia, não somos obrigados a concordar simplesmente só para não
sermos diferentes. A discussão é positiva, quando bem elaborada,
permite-nos outros pontos de vista, adequados ao contexto de cada um,
não temos de ser todos iguais, os nossos olhos são diferentes, é
necessário penso absorver positivamente o conhecimento que daí advém.

Em muitas situações concretas, as pessoas que tem opinião diferente a
generalizada e que tem argumentos consistentes até, podem/são vistas
como pessoas que querem ter razão ou como egocêntricas...ou outra coisa
qualquer, tão simplesmente porque tem opinião diferente da generalizada.

Tudo isto reflecte um país em que a liberdade de expressão ainda não é
tão desfrutada, um país em que muitas pessoas não se habituam a pensar e
a reflectir, essencialmente perguntarem-se Porque?? E procurar saber
mais.

Contudo dever dizer que estamos a evoluir, e estamos muito diferentes de
antes, existe já algumas pessoas pensantes e criticas.

Outro aspecto é a critica, ela deve ser uma critica construtiva que
permita fazer outrem aprender e crescer, isto é apontar os erros/falhas
mas posteriormente dar alternativas a solução.

Quantos de nós passa a vida apontar os dedos para erros cometidos pelos
outros, ou pelo sistema governamental, e fazemos alguma coisa para
mudar??? Queremos sempre tanto mudar o mundo, e nos esquecemos que o
mundo é o reflexo de nós mesmos, por isso tudo deve partir de dentro,
não esperemos do mundo aquilo que não fazemos por ele.

Em forma de síntese um apelo, para que olhemos/escutemos primeiro os
outros e contextualizemos a problemática da questão e se a crítica
existir, que seja construtiva por forma a solucionar o problema.Antes de
pensarmos discutir e criticar sobre algo, devemos reunir em primeiro
plano argumentos que sustentem a nossa ideia, devemos clarificar
objectivamente a nossa posição e devemos pensar em alternativas de
resolução para aquilo que pensamos ser o Problema.

Resumindo:

1.Identificar o problema

2.Causas do Problema

3.Consequencias do problema

4.Alternativas de resolução (centrar sobre isto, porque penso ser o mais
importante)

Sejamos os primeiros a mudar de atitude e mentalidade, se cada um fizer
individualmente poderá ter efeitos globais. O MUNDO È O REFLEXO DAS
NOSSAS ATITUDES.

Feito por Tânia Tomé

Maputo

Moçambique

Sociólogos

Recebi, do Joaquim Nhampoca um texto-apelo aos sociólogos da ex-UFICS.
Aqui vai:

OS SOCIÓLOGOS DA EX-UFICS

(Por Joaquim Muchanessa D. Nhampoca*)

Os sociólogos da ex-Unidade de Formação e Investigação em Ciências Sociais (UFICS), Universidade Eduardo Mondlane, é um apelo convista a rebuscar a imagem destes sociólogos espalhados pelo país e alguns “perdidos” em instituições do Estado.

Este Artigo tem sua inspiração na obra, A Leitura Sociológica-Um Manual Introdutório, do Dr. Elísio Macamo, o sociólogo moçambicano a quem tenho muito respeito e admiração. A minha admiração por ele reside no facto de ser um moçambicano que expressa a sua moçambicanidade não apenas no discurso mas também na prática, o que contraria alguns defensores fervorosos da moçambicanidade no que dizem e fazem. O meu respeito para com este ilustre sociólogo tem como berço o facto de ter sido um dos docentes universitários que já tive e, na maneira como ele transmite a ciência ( com uma simplicidade tal, maior empenho e dedicação em relação aos seus estudantes e a todos aqueles que o contactam em matéria de ciência).

Indo mais longe diria que o que mais incentivou a elaboração deste artigo é o posfácio desta mesma obra, A Leitura Sociológica-Um Manual Introdutório, da autoria do Dr. Carlos Serra, autor do “Combate pela mentalidade sociológica”.

A posição de Carlos Serra, em relação aos sociólogos é bastante crítica, pela positiva, mas também levanta um problema quando ele diz que muitos dos que se intitulam sociólogos nada fazem para dignificar este título e quando aparecem na imprensa dizem com ar profundo as maiores banalidades e as maiores barbaridades:

“por outro lado, uma vaidade e uma impertinência confrangedores nos auto-intitulados sociólogos, que mais nada têm no seu arsenal senão a pequenez estúpida de dizerem o que não fazem (não investigam, não molham o que aprenderam no trabalho empírico, não publicam) e de dizerem com ar profundo as maiores banalidades e as maiores barbaridades, especialmente quando intervêm nos órgãos de informação” (MACAMO, Elísio, 2004:302-303).

A posição de Carlos Serra pode ter seus fundamentos numa realidade concreta sobre os sociólogos da sua geração, sem levar em conta os sociólogos da ex-UFICS, falo do 1º e 2º grupo de sociólogos formados pela UFICS. Ao me referir sobre este aspecto tomo como base o convívio entre os sociólogos formados na ex-UFICS e a realidade que cada um de nós sabe um do outro.

Existem sociólogos a trabalharem em ONGs ( Organizações Não Governamentais), alguns em Instituições de Estado, desempenhando “actividades que não têm a ver com a formação de sociólogo”, como afirmam alguns sociólogos e o cidadão comum[1], mas como tenho dito, segundo LAGO (1996), o sociólogo, também conhecido como “administrador social” pode desenvolver qualquer tipo de actividade inerente a área social. Se é que a actividade do sociólogo é por excelência questionar sempre o que está oculto, obscuro ou “atrás do muro”, então não é verdade que o sociólogo não tenha função a desempenhar.

O que tem acontecido, na minha opinião, com os sociólogos da ex-UFICS, “sem função”, nas Instituições do Estado, é a má gestão do pessoal. É aqui onde se levanta o problema em relação a posição de Carlos Serra. Eu perguntaria, os sociólogos não investigam mesmo? Não têm nada para publicar? Ou é falta de espaço de integração e oportunidades de realização de estudos investigativos?

Pela minha experiência, o “espírito de amiguismo”, interesses, conflitos geracionais e a falta de vontade, em algumas pessoas, levam a que muitos projectos de investigação na área social não passem de letras mortas no papel. Isso é o que alguns sociólogos da ex-UFICS têm sido vítimas.

Quando a coisa é boa demais, às vezes, nos esquecemos que nem tudo é bom. Portanto, nem todos os sociólogos da ex-UFICS não têm oportunidade ou nunca tiveram oportunidades para se inserirem no mundo da investigação. O que acontece estavam apenas atrás do diploma, pois, investigação não faz parte do dia a dia destes jovens sociólogos, talvez até de alguns sociólogos da geração de Carlos Serra.

No meu ponto de vista, a problemática levantada por Carlos Serra, poderia ter solução com a promoção de actividades de investigação científica que crie oportunidades, incuta o espírito investigativo nos estudantes, que faça o acompanhamento de investigadores principiante. No caso concreto dos sociólogos, talvez, a criação de uma ordem dos sociólogos ou simplesmente um Fórum Sociológico. Todavia, tenho a louvar a iniciativa do jornal “noticias” que faz do seu suplemento cultural um verdadeiro mosaico cultural e científico, onde a ciência e a cultura coabitam lado a lado.

* Sociólogo

Bibliografia

LAGO, Benjamim Marcos (1996).Curso de Sociologia e Política, Petropólis, Vozes.

MACAMO, Elísio (2004).A Leitura Sociológica-Um Manual Introdutório, Maputo, Imprensa Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.

*Sociólogo



[1] Falo daqueles cidadãos que gostam de saber o que os outros fazem nos seus sectores de actividades.

Sunday, January 15, 2006

Bolsas no estrangeiro

O Zé Paulo Gouveia Lemos masdou o seguinte texto sobre a situação dos estudantes moçambicanos fora do país. Um tema interessante:


PR QUER QUE MOÇAMBICANOS RESIDENTES NO ESTRANGEIRO CAPTEM INVESTIMENTOS PARA O PAÍS 2005/12/23 - 09:55 O Presidente da República exortou ontem as comunidades residentes no estrangeiro a serem embaixadoras de Moçambique e através de simpatia captarem investimentos para o desenvolvimento de Moçambique. Armando Guebuza fez a exortação durante a apresentação de cumprimentos ao Chefe de Estado por ocasião da quadra festiva. Fonte: Site da TVM

Conceitualmente, é uma boa iniciativa a do PR Guebuza buscar usar os emigrantes como diplomatas no estrangeiro para cativarem investimentos em Moçambique. Mas me parece que ter a simpatia nata do povo moçambicano como única ferramenta para cativar médios ou grandes investidores para Moçambique, não deverá ser o bastante. Pode mesmo ser um tiro pela culatra. Uso aqui o exemplo dos estudantes que vêem com bolsas de estudos para o Brasil. Moçambique e o Brasil mantêm um tratado sobre isso. O Brasil abre vagas nas suas universidades, sem custos para os estudantes moçambicanos, e o estado moçambicano deve garantir um valor mínimo, em forma de bolsa de ajuda de custo, para a sobrevivência desse aluno no Brasil. Não vou entrar no mérito se esse valor é o bastante ou não para que alguém possa ou não sobreviver de forma decente neste país. É preciso sim é avaliar se estes estudantes que por aqui residem, são acompanhados pelo estado moçambicano para se avaliar se estão fazendo um bom papel, se estão representando bem o país que lhe deu a oportunidade, rara, de lhe conseguir uma vaga em uma universidade fora de Moçambique e ainda lhe envia um valor mensal como ajuda de custo para a sua sobrevivência. É preciso saber como estes estudantes estão morando no Brasil, e como estão conseguindo alugar as suas casas, já que a grande maioria não tem como comprovar rendimentos para poder locar o seu teto. É preciso saber se o Estado moçambicano está acompanhando o currículo escolar destes bolsistas, para se avaliar se merecem continuar a serem bolsistas sustentados pelo resto do povo moçambicano. É preciso saber se o Estado moçambicano tem ferramentas legais e democratas para acompanhar como os seus cidadãos, que são patrocinados pelo seu povo para crescerem profissionalmente fora do seu país, vêm representando o seu país em questões legais. Se estão com as suas contas pagas ou existem pendências, se estão envolvidos com alguma questão judicial. Digo isto, porque usei algumas vezes o meu nome para alugar apartamentos para estudantes moçambicanos em Curitiba. Na grande maioria não tive problemas, a não ser o de me avisarem antecipadamente que a bolsa que vem de Moçambique mais uma vez vinha atrasada e por isso haveriam de atrasar o pagamento do aluguel e que se a imobiliária entrasse em contacto comigo, que não me preocupasse, que estariam quitando no dia tal e assim acontecia. Mas um caso me deu muito trabalho. Nunca pagava nesse dia prometido. Eu tinha que fazer o papel de cobrador da imobiliária para que o meu próprio nome não ficasse sujo. A minha profissão, e a minha moral, não me deixam espaços para que o meu nome fique sujo. Esse aluno, que aos trancos e barrancos acabou-se por formar, voltou para Moçambique e deixou-me três meses de aluguel em aberto e as devidas multas. Claro que as paguei. Entrei em contacto com o mesmo em Moçambique, contou-me uma estória para boi dormir, disse-me que me mandaria o dinheiro...mas se não foi sério aqui, não seria sério além mar. Os estudantes podem ser alguns dos diplomatas que o PR Guebuza tanto deseja, mas o Estado precisa se comprometer mais com quem manda para fora do país, começando por não atrasar no envio das bolsas de estudo (ajuda de custo) e depois no acompanhamento da postura de quem usufrui dos benefícios do Estado, pagos por todos os cidadãos moçambicanos.

Saturday, January 14, 2006

Calôr e blogs

Enquanto por cá o calôr faz com que os nossos colaboradores, de férias, estejam de papo para o ar ou mergulhados no Índico, por outros continentes, mais frios, as pessoas vão criando novos blogs.

É o caso dos 2 que passo a referir:

Recycle Being - Que o nome em inglês não iluda. A autora é portuguesa, cenógrafa e figurinista e, last but not the least, minha filha. Tem lá coisas bem bonitas (algumas até feitas por mim). O endereço é: http://recyclebeing.blogspot.com/


Lendo Livros - É um novo blog do meu amigo Álvaro Belo Marques, homem que toca muitos instrumentos na vida, um dos quais a escrita. Já lá tem dois textos que merecem uma visita. O endereço é http://lendolivros.blogspot.com/

Mas por cá, apesar do calôr, também há quem se lance nesta aventura. O Sol de Carvalho, realizador de cinema de créditos já firmes, por exemplo, lançou o Damalisco. O endereço é http://damalisco.blogspot.com/

E cá fico à espera de um reactivar do Ideias.

Machado