Daniel Doku comenta
Recebi o seguinte texto:
Justiça Social e Liberdade: Mais Reflexões
O artigo, intitulado “Justiça Social e Liberdade. Antípodas ou Categorias Complementares” de Gabriel Muthisse (http://ideiasdebate.blogspot.com 04 de Agosto de 2005) é muito interessante, cheio de paixão e faz pensar nas suas ideias nucleares, sobretudo na noção de igualdade relativamente ao significado de ‘justiça social’. Na realidade, já temos uma resposta dada por Manuel Mangue, que justamente questiona alguns aspectos daquele artigo. Parece-lhe, como disse, (e parece-me também a mim) “pairar sobre o texto [de Muthisse] a ideia de que a igualdade é uma quimera que prejudica os ‘mais competentes’”. Nesta contribuição, tenciono abrir ainda mais o debate.
Apresento desde já a minha perspectiva sobre o assunto. Acho axiomático que apelar para o princípio de igualdade é um impulso natural e inevitável em qualquer sociedade humana de indivíduos, de grupos ou de nações. Isto porque ninguém quer ser tratado como uma pessoa inferior, particularmente se tal tratamento é baseado em critérios irrelevantes. E assim é, apesar das dificuldades intelectuais inerentes a conceber e falar da ideia de igualdade, bem como dos problemas práticos na sua implementação. Esta óptica minha não é, em si, uma justificação para seguirmos políticas igualitárias. Na verdade, não há receitas fáceis para saciar apelos ao princípio de igualdade. Assim, acredito que tomar aquele impulso em conta é essencial para a coesão social. O objectivo, a meu ver, não é o de eliminar a desigualdade factual entre os homens, mas sim os seus efeitos indesejáveis. O desafio, portanto, é como enfrentarmos, e, com efeito, ultrapassarmos, estes entraves de maneira a que se mantenha a coesão social, se permita vida humana digna e se sustente a sociedade humana.
- Discriminação como, ou podendo ser, uma violação de justiça social
O termo ‘justiça social’ já é problemático pelo simples motivo de que por detrás dele está a ideia de igualdade. Para respondermos à questão “o que significa justiça social?” comecemos com uma definição geral segundo a qual “justiça social” significa “virtude que consiste em respeitar os direitos, quer naturais, quer positivos, que uma sociedade bem organizada deve reconhecer aos seus membros”. (Dicionário da Língua Portuguesa 8.ª Edição, Porto Editora, 1999).
Note-se que os direitos de que se fala podem ser, na verdade incluem, direitos políticos, legais, sociais, económicos, etc. Quer dizer, a justiça social tudo perpassa, com impacto em todas estas áreas da nossa vida. Acresce que a justiça social, como definida acima, pressupõe a liberdade de se gozarem estes direitos, sustentando ao mesmo tempo tal liberdade. Mas a Democracia procura garantir, entre outros, a liberdade e os direitos políticos, legais, sociais e económicos. Eis a ligação intrínseca entre a Liberdade, a Democracia e a Justiça Social.
Posto isto, imaginemos uma sociedade humana em que haja discriminação e cujas vítimas queiram que se corrija essa situação. Por discriminação, neste contexto, entende-se tratamento, numa dada situação, baseado em critérios irrelevantes. A discriminação pode ser sexual, racial ou contra os chamados deficientes, não importa. O relevante é como analisamos a situação para a resolvermos. Talvez ‘resolver’ não seja a palavra adequada neste contexto, pois, quando se trata de direitos, há sempre limites acerca dos quais se negoceia. Neste ponto, temos que pôr em destaque, pelo menos, três aspectos da situação.
Em primeiro lugar, a discriminação acarreta sentimentos de injustiça, e não só nas vítimas como em qualquer outra pessoa que considere a justiça social, como definida acima, um bem desejável. As vítimas e os seus simpatizantes podem guardar ressentimentos contra o sistema que sustenta a discriminação. Diria que estes sentimentos alicerçam legítimas queixas de injustiça, já para não falar da própria discriminação.
Refira-se, contudo, que é até possível as vítimas dirigirem os seus descontentamentos para os que julguem beneficiários do sistema. Mas isso não vem ao caso. Concentrarmo-nos neste aspecto faz-nos correr o risco de tornar obscuros os motivos mais relevantes que acabámos de identificar acima. Neste contexto, aventaria que a asserção de Muthisse, de que “Se analisarmos mais detidamente, por exemplo, a justificação apresentada em apoio às reivindicações igualitárias verificaremos que, em muitos casos, elas se originam do descontentamento que o sucesso de algumas pessoas frequentemente suscita naqueles que tiveram menos êxito”, mesmo que seja verdade, é não só irrelevante para o debate mas também uma digressão desnecessária e inútil.
Ademais, parece que Muthisse se deixa levar por esta irrelevância e continua: “A moderna tendência de se gratificar essa paixão, disfarçando-a sob a roupagem respeitável da justiça social, pode-se transformar numa séria ameaça à liberdade.” Esta conjectura é lamentável uma vez que a verdadeira ameaça à liberdade pode não ser devida a inveja, real ou fantástica, mas fundada no constrangimento constante da liberdade de uma secção (por exemplo, as vítimas de discriminação) da sociedade.
Em segundo lugar, quase sempre, as queixas de injustiça, pelo menos em parte, baseiam-se em noções de igualdade. Neste contexto, está-se a falar de igualdade como justiça (comportando imparcialidade). Não quer isto dizer que essa seja a única teoria de justiça, senão que é tão respeitável como qualquer outra (quer dizer, teorias de justiça baseadas em utilidade ou em direitos, por exemplo). Mas a ideia de igualdade é particularmente problemática como vamos ver abaixo. Por isso mesmo, cria sempre problemas se não se consegue exprimi-la claramente num dado contexto.
Por exemplo, as vítimas de discriminação podem exigir serem tratadas em termos iguais aos que merece qualquer outro. Tal exigência é vaga, sem dúvida, mas não porque as vítimas estejam confusas acerca do que a igualdade implica. Mais investigações podem revelar que as vítimas meramente pretendem a eliminação dos critérios irrelevantes.
Em terceiro lugar, está aqui implícita uma ligação entre justiça social e liberdade. Quer dizer, a discriminação não permite que as vítimas realizem plenamente as suas ambições. Ou seja, a liberdade das vítimas está constrangida e isto representa uma forma de injustiça social.
Para voltarmos ao termo ‘igualdade’ temos que ter em mente duas das suas características importantes que nos podem ajudar, no mínimo, a pensar no assunto e a falar dele.
- Desigualdades de facto e igualdade como princípio ético
A primeira característica é em que sentido se fala de “igualdade”. No seu livro “Éticas Práticas”, o filósofo Peter Singer lembra-nos que “igualdade é um princípio ético básico e não uma asserção de facto”. (Singer, 1993:21).
Esta distinção significa que, por um lado, podemos concordar com Muthisse quando ele diz: “Não é correcto afirmar, no sentido factual, que ‘todos os homens nascem iguais’, uma vez que ele está a comentar a desigualdade factual entre os homens.
Por outro lado, vale a pena lembrar que afirmar a desigualdade factual entre os homens de modo nenhum implica uma refutação de qualquer reclamação de igualdade no sentido ético. Segundo Muthisse: “O problema com a distinção [entre a igualdade factual e a igualdade ética] aparece quando... se pressupõe que a razão pela qual os homens devem ser tratados com igualdade é que eles são iguais (talvez num sentido metafísico...)”. Não se vê nenhum problema com a distinção senão uma confusão ligeira da parte de Muthisse. As questões são diferentes. Pois, o que podemos dizer, no máximo, a quem pressuponha a igualdade factual para fundamentar a igualdade ética é que o seu argumento é inválido até podermos exigir-lhe um fundamento mais persuasivo. Mas isto nada nos diz sobre a reclamação ética de que os homens sejam tratados com igualdade.
Por exemplo, quando as mulheres moçambicanas exigem a sua plena participação, na vida familiar, no mercado de trabalho e na vida pública, à sociedade moçambicana, as diferenças factuais entre homens e mulheres estão longe da sua mente uma vez que elas estão a fazer uma reclamação ética de consideração igual dos seus interesses. Quer dizer, a liberdade para realizar plenamente as suas potencialidades e ambições como membros responsáveis da sociedade moçambicana. Se alguém fundamentasse esta reclamação com base no pressuposto de uma igualdade de facto entre todos os homens, poderíamos declarar o seu argumento inválido pelas razões apontadas por Muthisse. Mas isso não anularia a reclamação ética das mulheres moçambicanas.
Para além disso, esta característica também exige que se especifique sempre o sentido que se atribui ao termo ‘igualdade’ quando se fala. E, sendo uma reivindicação ética, que se declare o fundamento (por exemplo igualdade perante a lei, igualdade de oportunidades, consideração igual de interesses etc.) dessa reclamação. Não se pode ressaltar este imperativo em demasia e, para o sublinharmos, consideremos dois exemplos pertinentes.
No seu artigo citado acima, Muthisse afirmou: “O igualitarismo protege os incompetentes (e penaliza os mais competentes) exigindo que os indivíduos sejam tratados em grupos ou categorias.” Contudo, se analisarmos esta asserção daremos conta de que, na pior das hipóteses, é vazia uma vez que não fica claro o que se pretende por “igualitarismo”. Se, por outro lado, a interpretarmos como qualquer política em busca de igualdade (no sentido factual ou ético) verificaremos que é patentemente falsa. Não constitui verdade porque o nosso exemplo acima (a reivindicação ética das mulheres moçambicanas) a mina. Não é verdade também pois no nosso quotidiano o tratamento de pessoas em grupos ou categorias, em si, nem necessariamente implica a protecção, nem leva à penalização de ninguém.
Para o segundo exemplo, lembramo-nos de que no seu comentário ao livro “Os Tempos da Filosofia” de filósofo moçambicano Severino Ngoenha, particularmente na vertente axiológica de democracia, o filósofo moçambicano José Castiano escreve: “ Segundo [Ngoenha], o plano dos valores comporta princípios de igualdade e do respeito pelos direitos humanos. Estes valores constituem uma forma abstracta para corrigir as desigualdades naturais entre os homens, para garantir o respeito pela dignidade e pelos direitos inalienáveis do homem.” (Suplemento Cultural do Notícias de 1 de Junho de 2005) (destaque meu). Pelo que venho dizendo, é claro que concordo com o ponto fulcral deste sentimento. Contudo, a expressão em destaque pode dar a entender que se pretende corrigir as desigualdades factuais entre os homens, o que acabámos de considerar fútil. Portanto, aventaria que a expressão deveria ser assim: “... para corrigir os efeitos indesejáveis das desigualdades naturais ou positivas entre os homens, ...” Não li o livro de Ngoenha que é, pelo que se julga dos comentários de Castiano, uma contribuição importante para a literatura, para a filosofia até para o pensamento político moçambicano. Nem finjo ser capaz de o ler. Mas se a expressão em apreço se encontrar no livro no mesmo contexto, aplicar-se-iam os comentários acima.
- Igualdade e contradições internas
A segunda característica do termo ‘igualdade’ prende-se com a natureza das políticas igualitárias. No seu livro “Contra a Igualdade” o filósofo William Letwin argumenta que “toda e qualquer política igualitária é internamente contraditória. Isto é, se um governo igualasse qualquer dimensão material da vida – tal como o rendimento, o consumo, a carga de trabalho ou a riqueza, criaria necessária e inevitavelmente desigualdade em uma ou mais das outras dimensões.” (Letwin 1983). Embora o argumento de Letwin seja indutivo (ele generaliza a partir de pouco exemplos) e trate a dimensão económica, a perspicácia dele é bastante plausível e importante merecendo a nossa atenção. Na verdade, os problemas das políticas distributivas que Muthisse nos aponta, no seu artigo, apoiam a conclusão de Letwin. No entanto, fazemos uma breve referência à observação empírica de que, apesar disso, quase todos os países no mundo estão a implementar políticas distributivas de riqueza de maneira própria e com diferentes níveis de sucesso, conforme as circunstâncias de cada um, embora isto não seja para negar outros motivos como, por exemplo, o da responsabilidade perante os menos afortunados.
Mas esta característica de contradições internas, embora desconcertante, não nos deveria paralisar. O facto é que um certo nível de desigualdade, dependendo do objectivo dos nossos actos, é necessário e consistente com a reclamação ética da igualdade como justiça. A desigualdade factual entre as pessoas não resulta só de acidentes de nascimento e circunstâncias. Na verdade, criamo-la também, muitas vezes, intencionalmente e para só depois tentarmos eliminar os seus efeitos indesejáveis. E parece-me que o empreendimento democrático tem relevância neste contexto.
Numa democracia representativa como a de Mozambique, uma das características-chave é a da realização de eleições através das quais escolhemos o líder (ou os líderes) de um país. Por detrás das eleições está o mandato segundo o qual o representante eleito deve tratar dos assuntos da sociedade para que se garantam a todos os membros liberdade e direitos políticos, legais, sociais e económicos. Por outras palavras, e pelo menos relativamente a estas áreas, tratar dos interesses de cada membro da sociedade igualmente. Nesta vertente, pode-se considerar a democracia como uma instituição em busca da igualdade no seu sentido ético. Até que ponto seremos bem sucedidos neste empreendimento é um outro assunto. A experiência diz-nos que é um trabalho hercúleo. Mas o ponto relevante é que ninguém, em Moçambique, nem mesmo Muthisse, penso eu, está a insinuar que Moçambique não seja um país democrático.
E eis o problema identificado por Letwin. Para elegermos os nossos líderes temos necessariamente que tratar dos membros da sociedade desigualmente. Por exemplo os bebés não participam em sufrágios, na realidade são excluídas por motivos óbvios. E não pára aí, pois, ao elegermos os líderes, criamos inevitavelmente desigualdades positivas em termos de deveres e privilégios. Assim, compete, por exemplo, ao Presidente da República, e só a ele, a pesada responsabilidade de declarar guerra e sua cessação. (É verdade que em relação a uma determinada situação delicada como aquela o PR, consoante a lei, há-de consultar o Conselho do Estado e ponderar as opiniões deste. Mas ele não está obrigado a aceitar as opiniões dos seus conselheiros). Contudo, damo-nos conta de que tais desigualdades positivas podem levar a fins indesejáveis em circunstâncias impróprias. Por isso mesmo, confiamos no princípio básico da democracia, o da separação de poderes entre o executivo, o legislativo e o judiciário.
Pelos objectivos presentes, basta dizer que na prática é possível que a separação de poderes seja sempre uma questão de grau (e não é uma quimera, posso acrescentar). Neste aspecto, não tenho consciência de qualquer país democrático que tenha desenvolvido um sistema de separação completa de poderes. Sendo assim, cada país há-de procurar um equilibro apropriado e adequado conforme as suas circunstâncias legais, sociais, económicas e políticas.
Se aceitarmos a minha sugestão de que a Democracia já implica a busca de igualdade no sentido ético, segue-se que, até certo ponto, já estamos envolvidos na busca de igualdade nesse sentido, uma vez que vivemos numa sociedade democrática, embora tenhamos muito ainda por fazer. Portanto, longe de ser “uma quimera que prejudica ‘os mais competentes’” o que é preciso é redobrarmos os nossos esforços para que os resultados desse empreendimento sejam significativos.
Isto leva-nos à questão da atitude moçambicana, à ideia de igualdade. No seu artigo citado acima, Muthisse escreve:
“Há, na sociedade moçambicana, um sentimento muito grande favorável à igualdade junto de grande confusão sobre o que a igualdade implica. Parece que os moçambicanos amam a ideia de igualdade. Em termos intelectuais, eles podem estar inteiramente confusos acerca do que a igualdade implica, mas emocionalmente eles não têm dúvidas: amam a igualdade! E não é sem motivos: A sociedade moçambicana surgiu de uma luta contra uma sociedade colonial onde prevalecia o privilégio hereditário. Neste tipo de sociedade, a posição social do indivíduo é determinada não por seus dons e habilidades mas, sim, em função do facto de que pertence a determinada família, raça, casta ou classe. Contra esse tipo de sociedade em que prevalece o privilégio hereditário e não a competência, os moçambicanos justamente desfraldam o estandarte da igualdade.”
Nesta passagem detecta-se uma nota de sarcasmo, um sentimento difícil de compartilhar. Posso até estar enganado nesta interpretação e, se isso se verificar, peço que me corrijam. Parece ainda que Muthisse analisa os motivos dos moçambicanos numa perspectiva muito estrita, como se eles meramente lutassem contra a prevalência do privilégio hereditário e tudo o que ele implicava (quer dizer, os efeitos cáusticos, insidiosos e abrangentes). É verdade que isso faz parte da história de Moçambique, mas num sentido mais profundo, atrevo-me a dizer que os moçambicanos lutaram por muitas coisas, mas sobretudo contra a ausência de um bem mais fundamental, o da justiça social. Assim, parece-me que não é por acaso que lemos no primeiro artigo da lei-mãe de Moçambique o seguinte: “A República de Moçambique é um Estado independente, soberano, democrático e de justiça social.” (Artigo 1, Constituição da República: 2004) (destaque meu).
Estas são, com certeza, as ideais fundamentais com as quais a República de Moçambique se compromete plenamente. Com o seu livro citado acima Ngoenha abriu um novo capítulo no debate aberto sobre como o país poderá concretizar estas ideais.
Diria ainda que, se os moçambicanos amam a ideia de igualdade como Muthisse afirma, isso mostra uma sociedade madura e desejosa de justiça social e, por isso mesmo, “hoye hoye aos moçambicanos” eu digo.
- Conclusão
Nesta contribuição, reiterei a ligação intrínseca entre a Liberdade, a Democracia e a Justiça Social. Tentei distinguir desigualdade de facto e igualdade como princípio ético, e apontei as contradições internas inerentes à ideia de igualdade como tal. Não obstante, tentei aventar que tudo isto é consistente com a reclamação ética de igualdade como justiça e que esse apelo para a ideia de igualdade poderia guiar os nossos actos em busca da Justiça Social.
Não é necessário ser-se demasiado idealista na ideia de igualdade mas, como já disse, temos que lidar com as implicações éticas desta ideia na nossa vida social, legal, política e económica. É mais fácil dizer do que fazer mas talvez não seja aconselhável subordinar a justiça social à competitividade internacional. É preciso é adoptarmos uma abordagem equilibrada em tais assuntos.
E para quem ainda suspeite da viabilidade de qualquer projecto igualitário, talvez as palavras de John Donne sejam instrutivas. Este clérigo e poeta inglês do século XVII dizia à sua congregação que “ [A Morte] chega-nos igualmente a todos e ao chegar torna-nos todos iguais” (O Dicionário Oxford de Citações).
Maputo
25/01/06
2 Comments:
Este texto é uma lufada de ar fresco no compartimento que é o nosso país, onde a reflexão sobre os valores que devem alicerçar a nossa convivência ainda é bastante fraca. Escrevi há semanas alguns textos que entendo como provocação para incitar as pessoas a reflectirem sobre o significado que atribuímos a valores como o direito de voto, a emancipação da mulher, etc. Espero que os textos sejam publicados dentro em breve pelo jornal Notícias e que Daniel Doku encontre tempo para os comentar com o mesmo cuidado com que comenta a excelente provocação de Gabriel Muthisse. Acho que a distinção que faz entre igualdade factual e igualdade como princípio ético é muito importante. Não creio que Muthisse fosse levantar objecções tanto mais que entendi a sua intervenção como uma chamada de atenção à tendência de misturar as coisas na nossa esfera pública.
Gostaria de fazer dois reparos ao texto. Primeiro, embora considere a distinção entre facto e princípio ético útil, não me parece prudente partir do princípio de que o que fundamenta o princípio ético não seja susceptível de discussão. Receio que esta seja a posição de Daniel Doku ao escrever repetidamente sobre "critérios irrelevantes". Penso que é ainda possível questionar a justiça social partindo justamente da interpelação dos momentos que devem garantir a sua realização. Isto é tanto mais importante quanto o nosso país é bastante heterogéneo e nem todos aceitam os princípios liberais que dão sustento ético à posição de Daniel Doku - que é também a minha.
O meu segundo reparo diz respeito à interpretação da nossa história que é feita no texto. Não tenho a certeza se é correcto supor que os moçambicanos tenham lutado pela justiça social. O facto de esta noção constar em primeiro plano na constituição ainda não confirma essa interpretação. Considero também plausível a ideia de que tenha havido vários outros motivos cuja garantia, num acto posterior de reflexão política ou filosófica, pode passar pela realização da justiça social.
Ambos os reparos têm em vista abrir o debate sobre os valores e não encerrá-lo como receio que Daniel Doku esteja a fazer.
Para fechar: a morte não nos torna iguais. Mostra apenas que há certas coisas as quais ninguém pode escapar. Quando muito vinca as diferenças, bem patentes na forma como cada um de nós vai a enterrar...
By Elísio Macamo, at 1:48 AM
Daniel, valeu!
By Mangue, at 5:40 AM
Post a Comment
<< Home