Ideias para Debate

Wednesday, October 26, 2005

Corrupção e Crescimento

O Manuel Mangue enviou-me, com autorização do autor, um texto do Gilberto Norte, que publico a seguir:

CORRUPÇÃO E CRESCIMENTO


Desde que Adam Smith escreveu a Riqueza das Nações (1776), várias têm sido as receitas para o crescimento econômico. Tais receitas incluem desde teorias neo-malthusianas sobre o controle do crescimento populacional, passando pelas teses defensoras do investimento em máquinas e tecnologias, incentivo à educação, concessão de empréstimos, até as políticas de alivio da dívida e a teoria de déficit de investimento. Esta última presume que a ajuda externa aumenta a capacidade de investimento dos países necessitados e, por sua vez, os investimentos seriam a fonte de crescimento econômico de longo prazo. Apesar da visão retrospectiva indicar uma realidade diferente da teoria, seguindo a opinião de economistas ligados ao FMI e ao Banco Mundial (William Easterly e Paolo Mauro), acredito que seja com base nesta lógica que as Instituições Financeiras Internacionais e os países desenvolvidos têm repassado volumosos montantes de ajuda externa e perdoando as dívidas externas de países como Moçambique. Ajudas que geralmente são desviadas de seus projetos iniciais e ao invés de eliminar o déficit financeiro ou de investimentos cria na maioria dos beneficiários, incentivos perversos por nós conhecidos.

Ainda sobre a ajuda externa, mesmo reconhecendo a importância de outros determinantes do crescimento econômico e da necessidade de se analisar outros aspectos macro e micro-estruturais que extrapolam a esfera econômica, admito que esta desempenharia o seu relativo papel de impulsionador do crescimento econômico e do desenvolvimento se não fosse o problema da Corrupção que caracteriza as nossas instituições. Corrupção que foi assunto do último relatório da ONG Transparência Internacional (www.transparency.org) divulgado na semana passada. O referido relatório classificou Moçambique em 97º lugar no ranking mundial da corrupção num total de 159 países estudados. Uma posição aparentemente orgulhosa para quem geralmente figura na lista dos “Dez Mais” quando se trata de indicadores vergonhosos. Contudo, esta classificação aparentemente orgulhosa está significativamente relacionada com os tristes indicadores sociais e econômicos que o país apresenta, nomeadamente a baixa renda per capita, o baixo IDH e a pobreza.


Obviamente, quero ressaltar que apesar da nossa tímida melhora no ranking da Transparência Internacional, a corrupção nos altos e baixos escalões que se verifica no país continua sendo bastante nociva para o crescimento econômico e o desenvolvimento. Estou a falar do não respeito aos contratos; dos subornos cobrados pelos funcionários públicos para despachar licenças e etc; da falta de vaga na classe seguinte para o melhor aluno, só porque o “gajo não fez ver qualquer coisa”; das licitações públicas ganhas por concorrentes ineficientes, e principalmente do assalto aos recursos internos e advindos do auxílio externo. Enfim, falo das várias atitudes de corrupção, letais ao crescimento econômico. Letais na medida que a exigência de suborno constitui uma segunda tributação direta, gerando altos custos de produção e baixas taxas de retorno para os investidores. Ademais, alocação de contratos de licitação pública aos concorrentes ineficientes geralmente resulta em serviços públicos inferiores e oferta de produtos de má qualidade, e as matrículas escolares baseadas em critérios nada meritocráticos beneficiam os alunos de nível socio-econômico médio e alto, colocando na rua os alunos mais habilidosos.


De todas as formas de corrupção acima citadas, estudos apontam que as que afetam significativamente o crescimento econômico atuam via investimentos. E neste sentido, a corrupção no nosso Moçambique está acabando com os recursos para investimentos internos, está inibindo a atração de investimentos diretos estrangeiros e ceifando os recursos do auxílio internacional para o desenvolvimento. Recursos estes que ao invés de promoverem a poupança e os investimentos necessários, estão promovendo a aquisição de bens de consumo (de luxo) para o beneficio das elites, o que Castells chama de “política da barriga”.


Assim, seguimos vivendo na promocional condição de País em Desenvolvimento, esquecendo-nos de que a nossa pobreza não é nada “Absoluta” e talvez
caminhamos para o Sub-Desenvolvimento “auto-sustentado” e para um retrocesso de longo prazo, financiado pela Riqueza quase “Absoluta” da elite política e
predatória. Por falar em longo prazo, contrariando o instinto revolucionário
da minha juventude, quase me consolo com a afirmativa de Keynes, segundo a qual até lá estaremos mortos!



Gilberto.
LUTAR LUTAR LUTAR...!

Thursday, October 20, 2005

Desenvolvimento

Do Elisio Macamo recebi o interessante texto que abaixo publico:

Gerir o desenvolvimento


Parte 1

Cada época tem as suas ilusões. A ilusão dos nossos tempos é a ideia de desenvolvimento. Uso a noção de ilusão no sentido em que Jean Baudrillard, o sociólogo francês, usou a noção de “simulacro”. Com efeito, tal como o simulacro o desenvolvimento é uma representação fiel de algo que não existe. É verdade que todos nós temos uma ideia mais ou menos convergente do que é o desenvolvimento. Instados podemos até indicar exemplos empíricos. Podemos falar dos famosos índices de desenvolvimento – humanos ou monetários – podemos apontar para as economias, sistemas políticos e sociais de certos países e dizer, com toda a propriedade, que o desenvolvimento é o que eles representam. Mais do que isso, podemos apontar para a nossa condição, para a condição de países que, tal como o nosso, estão a braços com a pobreza material, com falta de confiança no sistema político, com economias desajustadas e dizer, também com propriedade, que eles representam o não-desenvolvimento. Suponho que se use a noção “subdesenvolvimento” por uma questão de optimismo: registam desenvolvimento, mas abaixo do ideal. Prefiro a oposição extrema: não-desenvolvimento.

O desenvolvimento é uma ilusão com consequências. Invariavelmente, essas consequências são, para os nossos países, nefastas. É, pois, sobre essas consequências nefastas que quero reflectir. Não obstante, para não ser totalmente negativo gostaria de orientar a minha reflexão no sentido de identificar espaços de acção e iniciativa para o nosso País. Esse desiderato justifica-se pelo facto de que, ilusão ou não, o desenvolvimento veio para ficar. Não temos outro remédio senão saber lidar com ele. Na verdade, algumas das consequências nefastas desta ilusão adveem não tanto do facto de o desenvolvimento ser, na sua própria natureza, mau. Antes pelo contrário, elas resultam, muitas vezes, da nossa incapacidade de com ele lidar.

A questão que se coloca, evidentemente, é de saber o que significa saber lidar com o desenvolvimento. Saber lidar com o desenvolvimento é saber gerir aqueles que nos querem desenvolver. Estou ansioso por ler a reflexão prometida pelo Maximiano no seu comentário ao texto de Gabriel Muthisse. A ideia de concentrar a nossa atenção no potencial local parece interessante, mas não sei até que ponto toma em consideração o grande constrangimento que a presença do próprio desenvolvimento constitui para todos nós. O problema de iniciativas locais é que têm que disputar espaço com a presença institucional e discursiva da indústria do desenvolvimento.

Para percebermos o significado desta constatação temos que, num primeiro momento, nos debruçar sobre a própria ilusão. A forma mais fácil de fazer isso é ver o desenvolvimento como um argumento, um mau argumento. Com efeito, o desenvolvimento remete-nos para algumas falácias que são constitutivas do tipo de relações que entretemos com os que nos querem bem e nos querem, em virtude disso, ajudar. Para simplificar, concentrar-me-ei em duas falácias que me parecem, de resto, centrais. Na verdade, o desenvolvimento é um argumento de autoridade e de causa falsa.

Parte 2

Desenvolvimento como argumento de autoridade

As cruzadas foram feitas em nome duma fé. A colonização foi feita em nome da civilização. A colectivização soviética foi feita em nome do comunismo. Os campos de reeducação no Moçambique pós-independência foram erigidos em nome da revolução socialista liderada pela vanguarda da aliança operário-camponesa. O terrorismo brutal e hediondo da Renamo foi feito em nome da luta anti-comunista. Fé, civilização, comunismo, revolução socialista e anti-comunismo são conceitos distantes do ponto de vista da sua conjuntura histórica bem como do seu significado. Há, contudo, uma coisa que os une, que os torna faces duma mesma medalha.

Essa coisa é a forte convicção dos que estão por detrás desses conceitos de que toda a gente deve partilhar a sua opinião. Para isso até estão dispostos a usar a violência. De forma muito narcisa essa violência legitima-se por si própria com recurso à justeza dos fins almejados. Um dos mandamentos diz que se não deve matar, mas quando se mata em nome da fé está tudo bem. O comunismo quer a felicidade de cada pessoa, mas se uma pessoa é suficientemente estúpida para não perceber que essa felicidade não reside no individualismo, então tem que ser obrigada a abrir os olhos. A revolução socialista quer a emancipação económica, política e social de cada um de nós, mas só nos termos da aliança operário-camponesa; quem ainda não percebeu isso revela apenas atraso na sua própria educação. Finalmente, o anti-comunismo quer devolver a dignidade arrancada às pessoas pelo comunismo, nem que seja a custo da trivialização da vida humana. Cada um dos exemplos aqui dados é um comentário negativamente crítico à plausibilidade de argumentos de autoridade. Não é porque o argumento faz sentido que ele deve ser aceite, não, é porque quem o defende detém a força necessária para exigir a aquiescência dos outros.

O desenvolvimento é, também, um argumento de autoridade. A necessidade de nos desenvolvermos, de acabarmos com a pobreza absoluta, combater as doenças, dar ensino a todos – portanto, homens, mulheres, crianças, camponeses, citadinos, xangan ou sena – não se nos apresenta como sendo válida pelo facto de assentar em premissas sólidas. Por vezes até porque é assim. Por norma, contudo, a validade de qualquer exortação neste sentido reside na força que certos países, organizações e pessoas singulares têm de nos obrigar a cumprir. Não há, nos nossos dias, pior acusação que se pode fazer à classe política dum país senão a suspeita de que se não queiram desenvolver. Ai do país que se atreve a dar essa impressão. Uma boa parte dos problemas que Robert Mugabe tem – com boa dose de responsabilidade individual – advém justamente da suspeita de que ele está a recusar o desenvolvimento. Nos anos oitenta leu-se com avidez um livro escrito pela africana Axelle Kabou que levantava simplesmente esta suspeita: que tal se a África ela própria estivesse a recusar o desenvolvimento? O interesse que o livro suscitou advinha do facto de que a autora responsabilizava os próprios países africanos pelos problemas que tinham. Kabou precedeu Mia Couto, na sua crítica à nossa tendência de responsabilizar os outros pelos nossos problemas, em quase duas décadas.

A consequência mais nefasta do desenvolvimento como argumento de autoridade é de criar um país que não consegue se erguer e ficar sobre os próprios pés por causa do peso das expectativas que sobre ele recaiem: é proibido ter pobres, toda a gente tem que ter acesso ao ensino, saúde, alimentação, todos os direitos usufruidos pelos cidadãos dos países chamados desenvolvidos têm que ser alargados imediatamente a todos. O verdadeiro sentido do desenvolvimento como argumento de autoridade está mesmo na dificuldade de contrariar as suas intenções. No mesmo momento em que deploro as boas intenções do desenvolvimento tenho que justificar a minha posição. Tenho que esclarecer que não estou contra o combate à pobreza, doença, analfabetismo, má-nutrição e opressão. Procuro simplesmente chamar atenção para o facto de que a forma como estas coisas devem ser realizadas não conduz necessariamente ao desenvolvimento. Deixa o País atolado na lama de expectativas que não pode satisfazer.

Desenvolvimento como argumento da causa falsa

Para poder discutir este assunto recorro ao empiricismo radical do filósofo escocês do século XVIII, David Hume. Retiro desse empiricismo radical a rejeição do argumento causal e retenho, para os meus propósitos aqui, a posição de Hume segundo a qual o único que nos permite estabelecer uma relação causal entre dois fenómenos é a experiência. Dito doutro modo, é a observação da sucessão temporal de dois fenómenos que nos permite dizer que um é a causa de outro. A causalidade em si escapa à nossa observação.

É um pouco com base nesta ideia que a indústria do desenvolvimento estabelece relações causais entre o desenvolvimento, como efeito, e democracia, economia de mercado ou mesmo cristianismo como causas. Como qualquer olhar de relance à História nos pode facilmente mostrar, esta relação é algo coxa. A ideia de que a democracia liberal, a economia de mercado ou mesmo a ética religiosa cristã são condições necessárias e suficientes do desenvolvimento constitui um argumento da causa falsa, pois não há um único exemplo no mundo de países que chegaram onde estão hoje por via da criação consequente dessas condições. A maior parte dos países europeus desenvolveu-se com base em sistemas políticos que só nos últimos sessenta anos – após a Segunda Guerra Mundial – é que se começaram a abrir verdadeiramente. Até muito recentemente, as mulheres não podiam votar na Suíça, muito mais tarde do que a Turquia que foi o primeiro país a introduzir o direito de voto para as mulheres! Muitos dos países que se desenvolveram mais tarde – os tigres asiáticos – fizeram-no na base de sistemas políticos ditactoriais e, para meter sal na ferida, com base em sistemas económicos altamente proteccionistas. O grande cientista social egípcio, Samir Amin, já fez um reparo pertinente sobre o Haiti: no século XVIII, o Haiti tinha uma das economias mais abertas e integradas no sistema mundial, mas nem por isso logrou um desenvolvimento digno de nota.

Pessoalmente, sou a favor da democracia e também duma economia de mercado. Não conheço melhor forma de organização política ou económica e, consequentemente, também social. Isto, contudo, não me compromete de nenhuma maneira com a ideia de que a democracia e a economia de mercado são imprescindíveis para o desenvolvimento. O problema desta ilação, o que faz com que estejamos perante um argumento da causa falsa, é a incapacidade de ver que há muito mais que trava o desenvolvimento do que a falta de vontade de adoptar a democracia liberal e uma economia de mercado. Pior ainda, o não-desenvolvimento pode estar por detrás da nossa incapacidade de ver mérito na democracia e na economia de mercado. A consequência mais nefasta disto pode ser a nossa falta de sensibilidade para o círculo vicioso em que nos encontramos. Despendemos uma parte considerável das nossas energias à procura de bodes expiatórios para um problema que não é propriamente da nossa autoria, muito embora ele constitua uma agregação do que cada um de nós faz no seu dia a dia.

Parte 3

Gerir os que nos desenvolvem

As considerações que acabo de tecer parecem-me importantes para perceber um aspecto muito específico do que tem vindo a acontecer ao País nos últimos vinte anos. O auxílio ao desenvolvimento sugere a ideia de que se parte dum problema claramente definido para uma solução, ou conjunto de soluções, à medida desse problema. Há uma certa circularidade nesta suposição. Se, por exemplo, se diz que o problema do nosso aparelho estatal reside na centralização do processo decisório a solução que se propõe é a descentralização. Todavia, se bem que a descentralização possa, efectivamente, ser a solução do problema da centralização, do ponto de vista analítico ainda não se ganhou nada com essa conclusão. Porque é que o processo decisório é centralizado? Quem tem interesse em que o processo esteja centralizado? Quem tem interesse em que haja descentralização e como é que esse interesse se articula com a necessidade de descentralizar para tornar o processo decisório mais eficiente?

O auxílio ao desenvolvimento evoluiu bastante nos últimos tempos. Duma maneira geral, ele preocupa-se também em responder estas perguntas. Não obstante, a abordagem dominante, aquela que domina as consultorias, a outorgação e concepção de projectos é a que parte duma visão mecânica da problemática: problema conduz à solução. Retira, por assim dizer, o elemento humano e social da equação. Descura o facto de que por volta de problemas e soluções interveem outros factores que desafiam a lógica linear até às últimas consequências. A descentralização pode ser vista por todos como uma boa coisa que é ao mesmo tempo necessária. Os que estavam habituados a dar ordens a partir da “nação” podem também ser dessa opinião, mas perante a perca de importância, influência e mesmo de oportunidades de enriquecimento, conforto e protagonismo podem se sentir tentados a influenciar o processo de descentralização no sentido de preservar as suas regalias. Da mesma forma, ao nível da base – qual é o oposto de “nação”? – a descentralização pode ser vista como uma oportunidade bem vinda também de enriquecer, ter conforto e maior protagonismo. Nenhuma destas constatações quer sugerir automatismos no comportamento das pessoas. Trata-se apenas duma advertência para se prestar mais atenção a outros factores que desempenham um papel importante no sucesso de qualquer análise dum problema e formulação da respectiva solução.

O auxílio ao desenvolvimento faz o que todos nós, no nosso dia a dia, fazemos. Reduzimos a complexidade da realidade social, económica, política e cultural através da formulação de modelos simples dessa realidade. A ideia de que Moçambique tem que se desenvolver porque não é desenvolvido assenta nesse processo de simplificação da realidade. O problema da simplificação, contudo, é que ela pode partir duma apreciação errada da realidade ou então pura e simplesmente fazer deduções inválidas, senão mesmo triviais. Por exemplo, é característico do auxílio ao desenvolvimento dizer coisas como “enquanto não se acabar com a corrupção, o país não vai andar”, “é preciso estabelecer a igualdade de género como precondição para o desenvolvimento do país”, “o acesso à educação é imperioso para o desenvolvimento deste país” e por aí fora. Trata-se de exortações nobres e pertinentes, mas do ponto de vista da acção, daquilo que deve ser feito, o que significam senão a reafirmação do que é óbvio? Que sentido faz uma afirmação do género “Moçambique tem que se desenvolver para acabar com a fome, nudez, miséria, doença, instabilidade política, degradação ambiental, etc.”? Não é o mesmo que dizer “Moçambique tem que se desenvolver para poder ser desenvolvido”? Que sentido faz isso?

O nosso País constrói-se na intersecção entre estas contradições lógicas do auxílio ao desenvolvimento e o que nós fazemos em reacção a elas. Frequentemente, o que nós fazemos costuma ser contraproducente. Pode aqui surgir a tentação de ver nessas coisas contraproducentes justamente a explicação do nosso não-desenvolvimento. A corrupção, por exemplo, é uma reacção racional, ainda que moralmente indesejável, à presença de fundos, externos ou não, cuja utilização não está sujeita a grandes controlos. É verdade que as pessoas corruptas podem, em certas circunstâncias, dificultar os processos de controlo a fim de poderem usar os fundos indevidamente. Não obstante, a corrupção em si não explica o nosso não-desenvolvimento. Até porque em certa medida ela é um dos efeitos, nefasto é verdade, mas efeito de qualquer maneira, da presença do desenvolvimento no sentido institucional do termo.

Os argumentos falaciosos discutidos mais acima manifestam-se no quotidiano das pessoas em forma de instituições – projectos, seminários, programas, organizações, governos – e de pessoas – “experts”, consultores, oficiais de programas, beneficiários, representantes de doadores – que baralham as cartas do tecido social. A reacção das pessoas à presença institucional do desenvolvimento não consiste, por regra, em aderir incondicionalmente à lógica linear que o caracteriza – problema, logo, solução. Embora a aderência seja importante e constitua até a espinha dorsal da retórica developementalista interna, o que mais caracteriza a reacção das pessoas é a análise e aproveitamento do que a presença do desenvolvimento significa ao nível individual. O aproveitamento tanto pode ser bom para o país como não. Para as pessoas envolvidas costuma ser simplesmente bom.

Está em funcionamento aqui algo que podemos chamar de lógica situacional que pode ser colocada em termos de princípio antropológico: as pessoas procuram sempre tirar proveito próprio de situações. Este princípio antropológico é tanto mais presente quanto os mecanismos morais bem como os de controlo coercivo não gozarem de nenhuma ascendência sobre os indivíduos. Não constitui nenhuma fatalidade antropológica roubar seja o que for, faltar o respeito aos bens públicos e aos outros, mas o princípio é fundamental para perceber o que se passa num determinado contexto social.

Tento usar a noção de lógica situacional duma forma neutra, isto é sem nenhum investimento normativo pessoal. Uso-a como uma categoria descritiva e analítica. O problema desta lógica, porém, é que ela tem a tendência de se reproduzir. Dito doutro modo, quanto mais uma determinada lógica situacional se caracteriza pelo aproveitamento, pelos indivíduos, moralmente negativo da sua posição, maior será a tendência de se criarem estruturas normativas e institucionais viradas para o aproveitamento egoísta de situações. A lógica situacional é a mãe de todos os círculos viciosos. Esta constatação torna claro que o desenvolvimento não é nem fácil, nem barato. O desenvolvimento não é a solução de problemas claramente definidos pela indústria do desenvolvimento. O desenvolvimento é, custa reconhecer, o conjunto das suas próprias contradições: é o discurso normativo da integridade, mas também a corrupção; é o crescimento económico, mas também o empobrecimento; é Estado de Direito, mas também a insegurança e a intrasparência dos processos burocráticos.

No dia em que reconhecermos isto, governo e sociedade civil, havemos também de começar a apreciar devidamente o que significa dizer que nos queremos desenvolver. Desenvolvermo-nos é, fundamentalmente, gerir o desenvolvimento tal e qual ele se apresenta no nosso quotidiano. Na verdade, uma parte considerável dos problemas que temos resulta mais da presença do desenvolvimento do que propriamente do nosso não-desenvolvimento.

Tuesday, October 18, 2005

PAPO, ENFIM

Muito obrigado pelos comentários colocados no post Fim de Papo.

Parece ter sido precisa a minha "chicotada psicológica" (como dizem os ligados ao futebol) para que os colaboradores do blog voltassem a aparecer.

É o caso do Muthisse que mandou comentário e texto. Aqui vão:

Caro Machado,
Eu não sei inserir comentários no nosso blog. Tentei-o várias vezes sem sucesso. Esta é a razão que está por trás da ausência de qualquer comentário a três acontecimentos recentes do blog que mexeram muito comigo: i) a tua surpreendente decisão de encerrar o espaço; ii) os comentários de Tivane ao meu último texto e iii) os comentários de um amigo brasileiro, também ao meu último texto.
Relativamente � tua decisão. Imagina as secas cíclicas que acometem o nosso país. Imagina que, por ocasião de um desses estranhos e persistentes fenómenos, minha mãe tivesse decidido fechar a machamba, deixar de cultivar. Eu não estaria aqui a escrever-te estes comentários. Teria simplesmente morrido da falta de alimentos. Considere a ausência de textos como uma daquelas secas cíclicas a que os moçambicanos estão habituados. Não vejo porquê encerrar um espaço que já não te pertence a ti. Tu és apenas o mais velho, o coordenador concentido e eceite por todos. Parece que a maioria de nós desejamos que continues a exercer essa função de coordenador. No nosso espaço que tu meritoriamente criaste.
Quanto aos comentários ao meu último texto prometo-te alguma reacção para breve. O que acontece é que tenho andado com alguns assuntos que não me deixam tempo para reflectir.
No entanto, para consolação, aceite o texto que te envio. É inédito, não foi ainda publicado em qualquer jornal. É relativamente antigo mas penso que pode contribuir para revitalizar a nossa célula de debate.
Um forte abraço
Gabriel Muthisse


Sapatos Sujos e Outras Determinantes da Nossa Pobreza

Por: Gabriel S. Muthisse

Joseph Stiglitz, o antigo economista chefe do Banco Mundial, expressou, em certa ocasião, duras críticas à maneira como o FMI lidou com a crise asiática e a transição Russa. Anders Aslund, um especialista em Rússia no Carnegie Endowment for International Peace, respondeu a estas críticas dizendo na revista The Economist que “sem saber de nada, (Stiglitz) abre a boca para dizer qualquer estupidez que vem à cabeça.” Paul Krugman do MIT também expressou suas reservas quanto à actuação do FMI, tendo inclusivamente ponderado que os economistas daquela instituição “optaram por deitar fora os livros didácticos” frente à crise asiática e a prescrever medidas que só fizeram piorar a situação. A resposta de Michael Musa, economista chefe do FMI, foi que aqueles que acreditam que uma política monetária frouxa teria amenizado a luta dos países atingidos pela crise estão “fumando alguma coisa que não é de todo legal.” Rudiger Dornbusch, também um reputado economista do MIT, criticou Stiglitz, dizendo que “se há uma instituição a ser acusada de ter procedido mal, esta seria o Banco Mundial.” Entretanto, Stiglitz e o antigo presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, sugeriram uma abordagem “holística” para lidar com os problemas do subdesenvolvimento. A proposta de abordagem destes dois conhecidos rostos do Banco Mundial levou o respeitado economista da Universidade de Columbia, Jagdhish Bhagwati, a especular nas páginas do Financial Times sobre o que poderia explicar as falácias e as suposições equivocadas nas quais Wolfensohn e Stiglitz basearam suas ideias. Ele concluiu que talvez tenha sido resultado de “simples ignorância.” T. N. Srinivasan, da Universidade de Yale, foi da mesma opinião, descrevendo as ideias de Wolfensohn e Stiglitz, como “banais e simples clichés”.

Alguém poderá ser tentado a achar que estes debates estejam a opor teóricos neo-marxistas a duros pensadores da escola neo-liberal. Nada seria mais equivocado. Estamos na verdade perante discordâncias entre as pessoas mais respeitadas e influentes da área económica que partilham crenças ideológicas favoráveis em relação a mercado, capital privado, livre comércio e investimento. Os debates revelam o quão complexos são os desafios económicos de desenvolvimento que países como Moçambique devem enfrentar.

Perante ideias tão desencontradas sobre como promover o desenvolvimento, como é que países como o nosso poderão fazer opções seguras de como entrar “a corpo inteiro na modernidade”, como preconiza o escritor Mia Couto na oração de sapiência que fez numa das nossas universidades? Os desafios que enfrentamos têm uma dimensão dantesca. As instituições do sector público não funcionam adequadamente. Muitas, tais como escolas, hospitais ou instituições policiais - que se vêem desnorteadas por uma demanda explosiva de serviços - não possuem, e nunca possuíram, funcionários nem recursos adequados para suprir estas demandas. E para melhorar este funcionamento se requer a identificação dos principais nós de estrangulamento e sua consequente remoção, o que muitas vezes requer avultados recursos. Recursos para disponibilizar serviços públicos em quantidade e qualidade desejadas. A corrupção, por exemplo, ultrapassando as simples questões de moral deveria ser vista, também, na sua condição de termómetro que indicaria possíveis desequilíbrios entre a oferta e a procura de serviços públicos.

O fim do sistema de dominação colonial a partir dos anos 50 deu origem a um optimismo generalizado quanto à possibilidade de que os nossos países superassem rapidamente o seu atraso. De facto, até finais dos anos 70 era patente um crescimento consequente do Produto Interno Bruto dos países africanos e, ao mesmo tempo, era visível uma rápida alteração da estrutura das suas economias, com um incremento apreciável do peso específico da contribuição da indústria transformadora.

Os recursos necessários ao arranque proviriam nomeadamente das exportações crescentes e mais caras, de matérias primas de origem mineral e agrícola, para os países desenvolvidos. O aumento do preço do petróleo e de alguns outros produtos primários nos princípios dos anos 70, à primeira vista, pareceu dar razão a estas esperanças optimistas. A realidade porém revelou-se muitíssimo mais complexa, agravada pela remodelação da estrutura e, mesmo, dos conceitos de gestão económica global dos países desenvolvidos. Com o desenvolvimento técnico-científico inerente a estes países, foi possível encetar-se um processo de uso mais racional dos recursos energéticos e materiais por unidade de produto. Consequentemente, as exportações de matérias primas dos países emergentes baixaram drasticamente. Com o incremento da investigação agrícola reduziram também as necessidades de os países ocidentais importarem produtos agrícolas; surgiram contrariamente, amplas possibilidades de eles exportarem, socorrendo-se da maior eficiência e economicidade das suas herdades.

Adicionalmente, a robotização e informatização permitiram conservar nos países desenvolvidos as produções que anteriormente, devido a questões de vantagem comparativa, eram localizadas nos nossos países. Iniciou-se então, a partir dos princípios dos anos 80, um crescente e imparável processo de marginalização económica e política dos países de África, Ásia e América Latina.

Mia Couto, com a finura a que nos habituou, produziu um conjunto de reflexões a que denominou “Os Sete Sapatos Sujos”, no qual se insurge contra a dificuldade de nos pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho. Insurge-se ainda contra a generalização entre nós da descrença na possibilidade de mudarmos o nosso destino e, nesse contexto, indaga: O que está a acontecer? O que é preciso mudar dentro e fora de África? Na verdade, a pergunta crucial de Mia Couto é: O que é que nos separa desse futuro que todos queremos?

Pode-se dizer que estas perguntas sistematizam, em grande medida, a busca angustiosa de progresso que os africanos vêm encetando ao longo de séculos. O nosso continente e, em particular, o nosso país procuram identificar o que os separa do futuro radioso há várias gerações. Essa busca ter-se-á intensificado quando a consciência do seu atraso em relação ao resto do mundo começou a cristalizar-se e a tomar forma. As lutas de libertação nacional inseriram-se no contexto dessa procura de um futuro melhor e mais digno para os africanos. Os que se engajaram na experiência revolucionária das décadas 70 e 80 do século passado fizeram-no certamente porque estavam convencidos que, dessa forma, poder-se-ia erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento do nosso país.

A guerra e a conjuntura internacional levaram a um desencanto em relação ao modelo de desenvolvimento socialista que o país vinha seguindo. Esse desencanto levou a uma necessidade urgente de novos paradigmas sobre como organizar a vida económica e política do país. Qualquer ideologia desempenha o importante papel de servir como mecanismo sintetizador de ideias. E qualquer tentativa de sintetizar e sistematizar ideias termina por simplificar e organizar realidades que, muitas vezes, são inacreditavelmente confusas e caóticas. E a complexidade da realidade presente de África e de Moçambique torna reducionistas as respostas que possamos oferecer a muitas das perguntas de Mia Couto.

Houve sempre tentativas para responder a essas perguntas. Por exemplo, as premissas da visão neo-liberal, na década de 80, eram de que as causas do subdesenvolvimento e da estagnação económica em países como o nosso seriam o carácter inadequado, centralizado, populista e terceiro-mundista dos sistemas económicos e políticos dos nossos Estados. Assim, os culpados pelo subdesenvolvimento seríamos, apenas, nós mesmos e jamais o colonialismo, o imperialismo velho ou novo, os oligopólios internacionais, as relações desiguais de troca, o proteccionismo dos países desenvolvidos e das oligarquias vinculadas aos interesses estrangeiros. Esta foi a premissa básica que justificou as medidas de ajustamento estrutural que, no caso do nosso país, começaram a ser implementadas em finais da década de 80.

As recomendações originais que enformaram as medidas de ajustamento estrutural reinaram sem contestação por muito pouco tempo. Alterações nas dinâmicas políticas e económicas internacionais e novas condições internas nos nossos países criaram problemas não previstos pelos proponentes das medidas, originando, assim, a procura de novas respostas. Algumas destas respostas contrariavam dramaticamente as recomendações anteriores. Nossos países aperceberam-se de como metas políticas, que alguns meses antes eram consideradas como indicadores de sucesso do processo de reformas, se estavam a tornar meras pre-condições. Novas metas, mais voláteis, menos tangíveis e, quiçá, mais utópicas foram incluídas na lista do que se considerava o mínimo aceitável para se ter um desempenho económico e político aceitável. Por exemplo, depois de se ter atingido um certo grau de conforto com determinadas ideias e prescrições, um acontecimento repentino, conjugado com o benefício do tempo transcorrido, colocava em dúvida a pertinência dessas prescrições, para além de fazer com que parecessem um tanto tolas. Os novos dados, além de deixar claro a necessidade de mais reformas, mostravam que determinado facto relevante, coisas do tipo “corrupção” ou “instituições fracas”, não havia sido levado em conta.

O neo-liberalismo produziu um conjunto de termos que se tornou, em algum momento dos anos 90, o centro das atenções dos fervilhantes debates entre comentadores políticos, economistas, políticos e formadores de opinião: corrupção, BAILOUTS, BAIL-INS, risco moral, globalização, crony capitalism e o Efeito Tequila. Destes termos, o nosso país elegeu a corrupção como o principal catalisador do debate público. Um debate muitas das vezes eivado de um fervor messiânico, que tende a reduzir os graves problemas de países como o nosso a uma questão moral. Na verdade, a realidade que todos aqueles nomes e conceitos tentavam apreender resultava das muitas surpresas que a implementação das reformas de mercado projectou. Eles servem de poderoso indicador da evolução, nos últimos dez anos, do senso comum sobre as reformas liberalizantes.

O escritor Mia Couto pergunta na sua oração de sapiência, referindo-se à Zâmbia, uma nação que nunca teve guerra (para servir de desculpa ao seu atraso) e com poderosos recursos naturais: De quem é a culpa deste frustrar de expectativas? Que falhou? Foi a Universidade? Foi a sociedade? Foi o mundo inteiro que falhou? Remata depois com esta constrangedora comparação: E porque razão Singapura e Malásia progrediram e a Zâmbia regrediu?

Mia Couto contou sete sapatos sujos que “necessitamos deixar na soleira da porta dos tempos novos”. O tempo novo a que Mia se refere é o tempo do progresso. Aquilo a que ele, em outras passagens da sua Oração de Sapiência chama de modernidade. Mia Couto chama a esse descalçar de sapatos sujos uma nova atitude e enfatiza que se não mudarmos de atitude não conquistaremos uma condição melhor. Só pode estar de parabéns Mia Couto por repetir vezes sem conta que parte da responsabilidade pelo nosso subdesenvolvimento sempre morou dentro de casa e que estamos sendo vítimas de um longo processo de desresponsabilização estimulada por algumas elites africanas que querem permanecer na impunidade. É bom sempre mostrar este lado da moeda.

Há no entanto outra tentativa de desresponsabilização. E esta é protagonizada pelas elites internacionais para justificarem o falhanço estrondoso das chamadas medidas de ajustamento estrutural. É protagonizado também pelo ocidente no geral para que séculos de colonialismo, escravatura e opressão se apaguem da história. Esse lado da moeda deve ser referido com a mesma insistência. Para que também não fique esquecido e para que os séculos de colonialismo e escravatura não fiquem impunes.

Apresentar o colonialismo como um dos factores determinantes da nossa pobreza não é uma mera desculpa das elites africanas. Na verdade, uma das características mais marcantes do colonialismo foi a institucionalização de um conjunto de mecanismos destinados a inibir o desenvolvimento social, cultural e político dos africanos. Concretamente no que se refere ao desenvolvimento económico, os africanos eram simplesmente impedidos de exercer a actividade empresarial. Como consequência, não houve no período anterior à proclamação das independências nacionais, qualquer processo de acumulação de capital, quer material, quer humano, este último na forma de conhecimentos e habilidades próprias para gerir com sucesso um empreendimento económico. Aquilo a que Mia Couto designa de conjunto de posturas, crenças, conceitos e preconceitos não nasce por acaso. Está a aparecer na medida historicamente certa, se atendermos por exemplo ao facto de a geração a que pertenço ser a primeira que teve as portas escancaradas para a educação no nosso país.

Mia Couto tem provavelmente razão ao minimizar a importância dos factores económicos no atraso de Moçambique. É no entanto necessário enfatizar que enquanto fortes choques económicos internacionais prevalecerem será difícil concretizar o desiderato do progresso. Não há crescimento sem investimento, e sem crescimento económico não há política nem instituições cívicas ou morais que se sustentem. Ademais, parecem sábias as palavras de James Wolfensohn quando diz que “não podemos adoptar um sistema no qual os aspectos económicos e financeiros são abordados separadamente dos aspectos estruturais, sociais e humanos de um país e vice-versa”. O crescimento económico nem sempre é suficiente para combater a pobreza e, certamente, não é sinónimo de desenvolvimento. Todavia, sem crescimento todas as demais tentativas de combater a pobreza fracassam inexoravelmente.


A utopia que Mia Couto sugere, que adviria do descalçar dos sapatos sujos, aparece com um paradoxo interessante. É que qualquer país capaz de atingir aqueles níveis de perfeição moral já se encontraria entre os países desenvolvidos. Na verdade, a utopia sugerida por Mia Couto não difere da que se encontra contida no actual renascimento das ideias que há algumas décadas atrás eram designadas por “economia de desenvolvimento”. Por exemplo, algumas das ideias que dão conteúdo à abordagem “holística” de James Wolfensohn são similares àquelas discutidas nas décadas de 40 e 50. Discutia-se que o subdesenvolvimento não podia ser detido sem uma abordagem que desse ênfase à importância das questões institucionais, da desigualdade, dos “factores estruturais”, das especificidades culturais e das restrições impostas pelo cenário económico internacional. Uma importante diferença no actual renascimento destas ideias clássicas está no fato de as declarações sobre as questões de desenvolvimento serem invariavelmente precedidas por um prefácio que esclareça a importância de fundamentos macro-económicos estáveis. Depois deste esclarecimento é comum aparecer um conjunto de transformações a serem encetadas na esfera social – governos honestos, um sistema judiciário imparcial, funcionários públicos bem remunerados e preparados, sistemas regulatórios transparentes, fim da corrupção e assim por diante.

O paradoxo é que qualquer país capaz de alcançar exigências tão rigorosas já se encontra entre os países desenvolvidos. Na verdade, o estado utópico que se sugere só pode ser alcançado através de medidas que, de per si, são objectivos utópicos. Estas aspirações não são inválidas. São, apenas, pretensiosas. O desafio que se coloca diante dos nossos países é o de criar agendas que incluem exigências intermédias viáveis e objectivos mais realistas.

Um desenvolvimento acelerado não leva necessariamente a resultados instantâneos. Países em desenvolvimento precisarão de um tempo considerável para colher os benefícios de qualquer política.

Os países em desenvolvimento terão que embarcar num compromisso ideológico compartilhado que emerge de dentro, não imposto de fora. Na ausência de uma ampla base social de sustentação similar àquela que se seguiu à proclamação das nossas independências, a aceitação e a sustentabilidade de qualquer reforma dependerá da manutenção de um alto nível de desempenho que, na maioria dos casos, só pode ser quimérico. Em décadas anteriores, muitos dos nossos países eram dirigidos por regimes autoritários com uma base ideológica forte. Possuíam ainda mecanismos de estados repressivos para sustentar políticas cujos resultados poderiam tardar a chegar. O desafio central para as lideranças dos nossos países é o de alimentar um compromisso amplamente compartilhado com um conjunto de políticas que podem levar anos para dar frutos. A paciência de países em desenvolvimento não será cobrada pela volatilidade da economia global, mas pela volatilidade das inconstantes demandas e prescrições que surgem a cada dia, de dentro e de fora.

As opiniões sobre o que leva um país à prosperidade sempre foram das mais variadas. Os últimos anos parece que viram crescer a variedade e a volatilidade das prescrições políticas e morais produzidas por intelectuais, dentro dos nossos países, e de segmentos da comunidade mundial. A receita para o progresso tem muitos ingredientes e as suas quantidades exactas, misturas e modo de cozinhar não são bem conhecidos. Alcançar a prosperidade é muito mais difícil e leva muito mais tempo do que aquele que a nossa impaciência e a angústia da pobreza recomendam. Esta compreensão é fulcral até para coarctar a acção aventureira de governantes que acreditam que podem vencer a pobreza absoluta correndo sozinhos sem mobilizar os seus colectivos e técnicos, hostilizando-os até.


Monday, October 10, 2005

FIM DE PAPO

Amigos

Por qualquer razão que não percebo, depois de eu regressar de férias o grupo de colaboradores, que mantinha este blog vivo e interessante, deixou de participar.
Nestas condições o Ideias Para Debate deixa de fazer sentido e, por isso, o declaro extinto a partir deste momento.
Foi bom enquanto durou mas, está visto, não faz mais falta.
Obrigado a todos os que colaboraram e visitaram.
Um abraço

Machado