Corrupção e Crescimento
O Manuel Mangue enviou-me, com autorização do autor, um texto do Gilberto Norte, que publico a seguir:
CORRUPÇÃO E CRESCIMENTO
Desde que Adam Smith escreveu a Riqueza das Nações (1776), várias têm sido as receitas para o crescimento econômico. Tais receitas incluem desde teorias neo-malthusianas sobre o controle do crescimento populacional, passando pelas teses defensoras do investimento em máquinas e tecnologias, incentivo à educação, concessão de empréstimos, até as políticas de alivio da dívida e a teoria de déficit de investimento. Esta última presume que a ajuda externa aumenta a capacidade de investimento dos países necessitados e, por sua vez, os investimentos seriam a fonte de crescimento econômico de longo prazo. Apesar da visão retrospectiva indicar uma realidade diferente da teoria, seguindo a opinião de economistas ligados ao FMI e ao Banco Mundial (William Easterly e Paolo Mauro), acredito que seja com base nesta lógica que as Instituições Financeiras Internacionais e os países desenvolvidos têm repassado volumosos montantes de ajuda externa e perdoando as dívidas externas de países como Moçambique. Ajudas que geralmente são desviadas de seus projetos iniciais e ao invés de eliminar o déficit financeiro ou de investimentos cria na maioria dos beneficiários, incentivos perversos por nós conhecidos.
Ainda sobre a ajuda externa, mesmo reconhecendo a importância de outros determinantes do crescimento econômico e da necessidade de se analisar outros aspectos macro e micro-estruturais que extrapolam a esfera econômica, admito que esta desempenharia o seu relativo papel de impulsionador do crescimento econômico e do desenvolvimento se não fosse o problema da Corrupção que caracteriza as nossas instituições. Corrupção que foi assunto do último relatório da ONG Transparência Internacional (www.transparency.org) divulgado na semana passada. O referido relatório classificou Moçambique em 97º lugar no ranking mundial da corrupção num total de 159 países estudados. Uma posição aparentemente orgulhosa para quem geralmente figura na lista dos “Dez Mais” quando se trata de indicadores vergonhosos. Contudo, esta classificação aparentemente orgulhosa está significativamente relacionada com os tristes indicadores sociais e econômicos que o país apresenta, nomeadamente a baixa renda per capita, o baixo IDH e a pobreza.
Obviamente, quero ressaltar que apesar da nossa tímida melhora no ranking da Transparência Internacional, a corrupção nos altos e baixos escalões que se verifica no país continua sendo bastante nociva para o crescimento econômico e o desenvolvimento. Estou a falar do não respeito aos contratos; dos subornos cobrados pelos funcionários públicos para despachar licenças e etc; da falta de vaga na classe seguinte para o melhor aluno, só porque o “gajo não fez ver qualquer coisa”; das licitações públicas ganhas por concorrentes ineficientes, e principalmente do assalto aos recursos internos e advindos do auxílio externo. Enfim, falo das várias atitudes de corrupção, letais ao crescimento econômico. Letais na medida que a exigência de suborno constitui uma segunda tributação direta, gerando altos custos de produção e baixas taxas de retorno para os investidores. Ademais, alocação de contratos de licitação pública aos concorrentes ineficientes geralmente resulta em serviços públicos inferiores e oferta de produtos de má qualidade, e as matrículas escolares baseadas em critérios nada meritocráticos beneficiam os alunos de nível socio-econômico médio e alto, colocando na rua os alunos mais habilidosos.
De todas as formas de corrupção acima citadas, estudos apontam que as que afetam significativamente o crescimento econômico atuam via investimentos. E neste sentido, a corrupção no nosso Moçambique está acabando com os recursos para investimentos internos, está inibindo a atração de investimentos diretos estrangeiros e ceifando os recursos do auxílio internacional para o desenvolvimento. Recursos estes que ao invés de promoverem a poupança e os investimentos necessários, estão promovendo a aquisição de bens de consumo (de luxo) para o beneficio das elites, o que Castells chama de “política da barriga”.
Assim, seguimos vivendo na promocional condição de País em Desenvolvimento, esquecendo-nos de que a nossa pobreza não é nada “Absoluta” e talvez
caminhamos para o Sub-Desenvolvimento “auto-sustentado” e para um retrocesso de longo prazo, financiado pela Riqueza quase “Absoluta” da elite política e
predatória. Por falar em longo prazo, contrariando o instinto revolucionário
da minha juventude, quase me consolo com a afirmativa de Keynes, segundo a qual até lá estaremos mortos!
Gilberto.
LUTAR LUTAR LUTAR...!
7 Comments:
A questão é muito complexa, como dão os comentários ao post (e o próprio post). Lembro de uma afirmação de Mia Couto no livro PENSATEMPOS: «o colonialismo não morreu com as independências. Mudou de turno e de executores. O actual colonialismo dispensa colonos e tornou-se indígena nos nossos territórios. Não só se naturalizou como passou a ser co-gerido numa parceria entre ex-colonizadores e ex-colonizados». A propósito de doadores e corrupção(e estes tramam!!!!!), é interessante o texto de Joseph Hanlon «Do donors promote corruption?: the case of Mozambique». In Third World Quarterly, Vol. 25, No. 4, pp. 747-763. Carfax Publishing, Taylor & Francis Group.
By Nkhululeko, at 11:19 AM
Creio ter percebido que o Gilberto, que não descarta as reformas estruturais, chama-nos a atenção para a questão individual e moral, como que a dizer que tais reformas nasceriam comprometidas se não se fizerem acompanhar pelo "homem novo", isto é, seria necessário a reforma da reforma e assim por diante. Analisadas as sociedades com baixos índices de corrupção encontram-se sistemas administrativos adequados; Leis adequadas; mas, sobretudo, pessoas éticas. Uma delas, e traduzindo, disse-me outra vez: "se você só não rouba porque está sendo vigiado ou porque seria preso, você é ladrão do mesmo jeito". Essas juntas - mais do que sistema administrativo, legal, etc. isoladamente - são os elementos do regime que os governa.
By Mangue, at 5:04 PM
acho esta troca de ideias interessantes. penso que outra maneira útil de abordar o assunto da corrupção seria de clarificar o próprio conceito. a actual discussão em moçambique, e um pouco neste debate também, não permite perceber do que se está a falar. muitas vezes tenho a impressão de que se usa essa palavra simplesmente para marcar os limites da nossa capacidade de perceber o que se está a passar no nosso país. o facto de os milhões injectados não produzirem os efeitos desejados não implica necessariamente que a corrupção tenha metido o dedo lá, ou melhor ainda, que os corruptos tenham metido os seus dedos. se calhar os programas foram maus! alguém me pode explicar o que é corrupção em moçambique?
By Elísio Macamo, at 3:58 AM
Lamento ter de servir de cardeal de diabo neste debate. Não concordo que haja corrupção no nosso país nos moldes aqui pressupostos. Há, talvez, uma corrupção mal feita que está na base dos problemas aqui apontados. Bem feita a corrupção pode produzir elementos de previsibilidade que são importantes para os agentes económicos. Quem quer investir precisa de saber que custos isso acarreta, quantas pessoaas deve subornar, quantos papeis deve assinar, etc. Ou por outra, não é por haver corrupção em Moçambique que não se investe, mas sim por haver má corrupção. Agora, seria interessante saber se essa má corrupção é de facto corrupção. Acho que não. É qualquer outra coisa que nenhum de nós ainda percebeu. Suponho que se trate dum problema de ineficiência generalizada que alguns, de certeza, vão reduzir à conspiração de corruptos. O que nos devolve ao círculo vicioso. É neste sentido que pedi que alguém me explicasse o que é corrupção em Moçambique. É claro que não é preciso escrever um tratado sobre o assunto, mas apenas repetir o que todos supomos não me parece nem suficiente nem útil para lidarmos com os problemas que o país enfrenta.
By Elísio Macamo, at 11:37 PM
Lembro-me de ter falado em um dos textos da questão da qualificação dos fenômenos, em que, para que tenhamos um mesmo fenômeno, não só o acto/acção, mas também o significado e intencionalidade sejam os mesmos. Ou seja, o acto/acção em si, não qualifica o fenômeno. Deste prisma, o Macano pode ter razão quando diz não haver corrupção em Moçambique, quando se pensa no suborno, por exemplo, como acto/acção para a obtenção de alguma vantagem, seja ela comercial, vaga na universidade, etc. – não que isso não represente corrupção, mas, neste nível, cabem manobras de justificação que remetem o acto à ineficiência do Estado e das instituições e, por isso, as pessoas estão se “virando”. Atribuem-se, assim, outros significados e intencionalidades.
Mas este acto/acção – o suborno, como o escolhido da vez – participa de outro cenário: o mesmo acto/acção com significado e intencionalidade bem definidos; isto é, corrupção. Ou seja, este acto/acção já está estabelecido de tal forma que ele participa do processo de ter que ter (ou ser) para que as coisas andem; passa a ser intrínseco ao processo; e, com isso, o sujeito do poder da vez encara-o como requisito básico (necessário e, por vezes, por si só suficiente) para a tramitação dos processos. Em última instância, isso culmina na anulação dos direitos civis, visto que a lógica, em especial para este sujeito de poder, passa a ser: ter cada vez mais às custas do nada ter (ser ou conseguir) dos que pouco têm. Isto é concreto em Moçambique. É um cancro social real, cujos sintomas estão refletidos, entre outras, na competição desleal para as maiorias sociais, donos apenas de uma humanidade recusada. Isso vai desde os milhões de dólares “legalmente extraviados” para o desvio de 1 metro de estrada para a porta da casa do Sr. A, até aos 50 mil meticais que faltaram para a injeção do sr. B. Não obstante, discute-se – sempre dentro dos cânones normativos – em função do valor monetário mais alto como forma, apenas, de esconder a má realidade relacionada ao sr. B.
Sendo um cancro, a posição individual e moral de que se fala, não é, sem dúvida e por assim dizer, a quimioterapia. Mas é, pelo menos a alimentação adequada ou são as multi-vitaminas que serão a base até para que a esta quimioterapia (reformas estruturais, no caso da corrupção) não levam à involução do quadro anterior ou acelerem o aspecto nocivo desse mesmo cancro.
Ainda de forma análoga, que moral tem o meu amigo que reclama dos buracos no passeio que quase quebraram a sua perna? Ele estaciona o 4 x 4 dele sobre o passeio – isso porque o Municípo não cria condições para que ele estacione em outro lugar. Que moral tem o meu amigo de falar do lixo nas ruas se a parte externa da sua flat está em semelhante situação? Remeter sempre e apenas ao Município, faz-nos voltar à velha questão: que veio primeiro, o ovo ou a galinha?
A questão individual e moral está em ser ou dar o ovo, cientes de que ele não é a galinha, mas tem seu papel fundamental nesse ciclo (e assim, sim, ter moral para cobrar, a quem tem esse dever, a galinha).
By Mangue, at 7:24 AM
Já estava a ficar desesperado por não ter resposta à minha pergunta. Mandei ainda ontem um breve artigo ao Machado da Graça em que tento responder à pergunta que eu coloquei. Espero que haja discussão. Não tenho a certeza se percebi muito bem o que o Mangue respondeu. Peço que me corrija se estiver a interpretar mal. Parece-me que ele vê a questão de dois ângulos diferentes. O primeiro é de que um acto corrupto não é corrupto quando o indivíduo que o pratica não atribui esse significado ao que ele está a fazer. A pergunta mantém-se: o que é corrupção? O segundo é mais complicado. Ele parece estar a sugerir que corrupção é toda a acção que leva ao enriquecimento de uns em detrimento de outros. Portanto, corrupção é praticamente tudo. Isto não nos ajuda em nada.
By Elísio Macamo, at 11:37 PM
Caro Macamo
A preocupação em fazer um texto brevíssimo tem esses inconvenientes. Não consegui expressar com clareza o ponto de vista. Mas não esperava que ficasse tão breve e que, por isso, fosse simplificado ao ponto de só coincidimos no facto de eu ter exposto a idéia em dois ângulos, cabendo correção nos outros aspectos.
A idéia é de que, no primeiro ângulo, as circunstâncias e a oportunidade é que fazem o corrupto e corruptor (com algumas variações, em que, algumas vezes, o corrupto é fixo e outras o corruptor é que é – este só resolve as coisas dessa forma). Mas a principal característica é que é situacional, esporádica e oportunista. Como referi na nota explicativa no outro texto, esta também é corrupção, mas neste nível recorre-se ao eufemismo, alegando-se deficiências de outra ordem (baixos salários, etc.), o que ofusca o facto em si e como tal (corrupção). É oportunista porque, ocasionalmente, vai-se a uma instituição para obter um determinado documento, o B.I., por exemplo. Satura-nos a sucessão desse mesmo acto para outros documentos e instituições. Mas, na realidade, são isolados um do outro. Disso, o que podemos ter como visão geral, é a soma aritmética e esporádica de vários casos (o que não significa que seja menos preocupante – arranha os direitos das pessoas).
Por outro ângulo – e, neste, concordo com o Maximiano, que a questão não pode ser tão simplificada e representada pela apropriação (ou dividendos) indevida, porque o simples roubo ou o caso acima já caracteriza a apropriação indevida – a coisa é mais complexa. Não tem nada a ver com “o enriquecimento de uns em detrimento de outros” - depende da lógica de enriquecimento; aliás, o mais importante é a lógica subjacente e nem tanto os resultados (se se fica rico ou não) – e, menos ainda, tem algo a ver com o facto de tudo ser corrupção. Neste caso, e para ilustrar, não escolhi o cancro por acaso. É uma doença, mas nem toda a doença é cancro, como te pareceu.
O cancro, daí a analogia com este nível de corrupção, tem uma característica peculiar: primeiro, a forma ordenada de crescimento e reprodução celular, o que seria equiparado às instituições e às formas regulares de participação social. Mas, já num segundo momento, alguns fatores dentro das células (que se entenda de forma ampla dentro da analogia, instituições, por exemplo) provocam alterações que levam a uma mudança de funcionamento normal da célula, de forma rápida e incontrolável, que, por sua vez, em estágios avançados, pode passar de um tecido (órgão) para o outro e inclusive ser “assassina celular” transmitindo “informação invertida” (em relação ao inicialmente programado ou à forma ordenada). Aí surgem os tumores; aí está a corrupção.
Neste caso, não estamos diante de uma (várias) doença qualquer. Mas diante de um processo que em tudo se parece com o ordenado (daí a dificuldade dos anti-corpos de agir), menos na sua missão, na medida em que sofre mutações (influenciadas interna ou externamente, isto é, parte de corrupto ou corruptor interno ou externo à instituição) em que se estabelece o governo (no sentido de direcionamento) sustentado numa lógica invertida e pervertida; mutações estas que não só se estabelecem mas também tornam-se pré-estabelecidas, isto é, as pessoas passam a introjectar esta lógica como a forma “certa” de fazer as coisas. Neste caso, como diria Ruben Alves, “num mundo de fugitivos, quem estiver no sentido oposto, parece estar fugindo”. Ou seja, quem agir conforme o ordenado, parece ser corrupto (ou corruptor. São necessários os dois atores, embora, a dado momento, não precisem estar directamente relacionados; não sejam facilmente identificáveis). Isso acontece de várias formas: suborno, tráfico de influências, formação de cartéis, etc., que, em última análise, não só arranham, mas anulam o direito inclusive natural das pessoas.
Sem dúvida, é mais complexo do que isso. Mas, muito mais complexo que a apropriação indevida. Um contabilista de uma empresa pode se apropriar do que não lhe cabe, mas nem por isso ser corrupto; afinal, uma pessoa com cancro pode também estar com gripe (ou ter gripe sem cancro. A gripe, que é uma apropriação indevida do corpo pelo virus). O que é preciso é ver se está ou não a serviço daquela lógica invertida que “roe e sopra; roe e sopra” ou como faz o cupim na madeira: um serviço extremamente organizado de destruição.
Mas, mais complexo ainda do que definir a corrupção é estabelecer a dimensão real dela. Por exemplo, se se quer perceber a quantas anda o mercado de trabalho, não podemos limitar-nos a dizer que, se em 2004 foram criados 5 postos de trabalho e em 2005 mais 3, houve, portanto, um aumento. Mais do que isso, é preciso, também, um estudo comparativo para se verificar quantos postos deixaram de ser criados. Idem em relação à corrupção: quantas bolsas de estudo deixaram de ser criadas; quanto deixou-se de arrecadar (embora a arrecadação tenha aumentado nos serviços aduaneiros. Este número pode ser maior inclusive que o valor base); e em ultima instância, quanto de direito natural foi recusado...
By Mangue, at 4:17 AM
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