Texto do Patricio
O Patricio Langa escreveu a queixar-se de que mandou um texto e eu não publiquei. A verdade, Patrício, é que não recebi. Deve ter caído lá para o KwaZulu/Natal e, a esta hora, está o chefe Buthelezi a tentar entendê-lo.
Mas como o Patricio mandou o texto de novo, aqui vai ele:
O País do Não-deixa andar
Sentido na própria pele tanto o deixa-andar, que o novo governo do presidente Guebuza anuncia aos quatro ventos querer combater, como o Não-deixa-andar, são a faca de dois gumes que tornam, não raras vezes, o nosso país um lugar 'insuportável' de se viver.
Contrariamente ao que se pode pensar, à primeira vista, não são os problemas estruturais que tornam o nosso país inóspito. Os buracos, a pobreza, o crime como se propala por aí, estes existem um pouco por todo lado, é claro que em proporções diferentes. Agora, a mesquinhice, a sovinice, a pequenez, que também não são características essencialmente moçambicanas, são predominantes no nosso país, talvez também consequência do estágio de não desenvolvimento em que a nossa sociedade se encontra.
Realmente, sou levado pelas evidências a concordar com os que pensam que o país só se podia desenvolver se já fosse desenvolvido. Mas a sina do subdesenvolvimento parece que está para ficar. Todos os esforços que se parece encetar na perseguição de tão almejado desiderato exaurem multiplicados por zero. Para além do efeito catastrófico e apocalíptico do HIV/SIDA que vai dizimando os construtores desse almejado país porvir, existem as coisas mesquinhas que resultam das nossas relações sociais quotidianas. É dessas situações quotidianas e da sua lógica que se desenham as alamedas para o desenvolvimento.
Neste artigo quero-me referir particularmente a um tipo social, o chefe, com quem temos que lidar no nosso quotidiano laboral, mas a reflexão não se limita a esta categoria social.
As observações que procuro fazer, de como esta categoria social foi de forma perversa apropriada por nós, podem ser aplicadas a todos nós.
Afinal quem é o chefe? O chefe somos nós!Lá no lugar em que nos encontramos e que de alguma forma nos permite exercer algum poder decisório que implique o destino de nossos conterrâneos sentimos, eventualmente, algum prazer em impedir o progresso do outro. Não-deixar andar! Não preciso deter-me neste artigo a explicar o sentido do termo deixa-andar. Tornou-se pão-nosso-de-cada-dia, senso comum, desde que apropriado como cavalo de batalha pelo novo governo, mesmo que transporte consigo múltiplas significações, o resultado é sempre a expressão de algo indesejável no funcionamento das nossas instituições.
Já para o termo Não-deixa-andar o leitor deve estar a fazer uma ginástica cerebral para perceber de que 'raio' estarei eu por aqui a falar. Pois bem, é o que me proponho fazer neste artigo, formular o problema do Não-deixa-andar. Formulá-lo da maneira mais corriqueira que a minha imaginação permitir.
Não me ocorre agora precisar a temporalidade do problema do Não-deixa-andar porém não é coisa recente. Recordo-me agora de algumas das situações que mereciam essa denominação. Não-deixa-andar! Desde situações em que o chefe faz tudo para impedir que um funcionário,colega, subordinado ou não, progrida na sua carreira até aquelas em que o vizinho incendeia a barraca do seu contíguo para o ver na mesma, ou pior, situação que a sua, impedindo-o de progredir. "Onde é que esse gajo pensa que vai?"
O chefe colocado numa posição e desempenhando uma função crucial na organização, uma vez que pode decidir sobre a vida dos outros, faz tudo mais alguma coisa para criar barreiras aos que procuram crescer profissionalmente dispondo dos recursos da organização para tal destinados. Tudo para Não-deixar-andar!
Quantas vezes não escutamos histórias como a seguinte: - anunciaram umas bolsas para o lugar x ou o curso y, no serviço Z, escola ou outra entidade qualquer. Mas só foram dadas a conhecer faltando 48 horas para o fim do prazo da entrega dos documentos necessários?
Recebi um convite com todas expensas pagas, mas só me foi entregue no dia em que a confêrencia terminou porque o meu chefe se esqueceu de me passar o documento, ou pior,diz que achava que eu não me interessaria por tal assunto. Estes são apenas alguns exemplos das diversas e (in)imaginárias situações que ocorrem no nosso país.Dou mão à palmatória se surgir um Moçambicano que não tenha, se não experimentado, pelo menos ouvido uma história parecida de um irmão, primo, tio, amigo, colega e por aí fora. Não pode estudar porque o chefe se recusou a aprovar o seu pedido para estudar, mesmo que a organização anuncie aos quatro ventos que a sua estratégia assenta na formação de quadros.
Histórias, muitas delas omissas, como estas fazem parte do nosso quotidiano em Moçambique.
Se o deixa-andar expressa em certo sentido a indiferença, desinteresse, que erroneamente se confunde com o burocratismo no nosso país, na prestação de um serviço público que deve ser feito como parte da obrigação e zelo pela ética profissional do funcionário público, o Não-deixa-andar é o acto de obstrução, impedimento, barreiras, para que o outro não avance. É feito de má fé!
Conheci jovens, brilhantes, que concluíram com sucesso cursos de licenciatura nas instituições de ensino superior no país depois de gincanas que se contadas a alguém, que não conhece o nosso país, pode pensar que se trata de mais um conto de ficção do Mia Couto. Depois de mil e uma solicitações para prosseguir os estudos recusadas resolveram alguns pedir a exoneração a fim de prosseguirem os estudos. Acompanhei histórias, não isoladas, de outros tantos jovens que após usufruírem de bolsas de estudos, completamente financiadas por alguma das diversas agências que cooperam com o nosso país para a formação de quadros, simplesmente passaram por situações indescritíveis de sofrimento humano, no estrangeiro, por que o gestor dos fundos é uma instituição moçambicana que acomoda gente que, simplesmente, Não-deixa-andar!
E se deixa é porque não lhe resta outra alternativa.
Num país ideal, numa organização o poder e as relações de poder entre os diferentes níveis hierárquicos não é somente vertical, mais teria outros mecanismos que impediriam o super-poder dos superiores hierárquicos sobre seus subordinados. Isso iria evitar muito do 'lambe botismo' que se vive no nosso país. Deveriam existir mecanismos que impedissem que recursos públicos fossem tratados como coisas particulares. Que as relações sociais na esfera publica e nas organizações fossem secundárias e de impessoalidade.Que as decisões tomadas fossem as certas e não as convenientes em função da in-dis-posição que certas caras nos trazem.
Enfim, o país devia ser desenvolvido. O favor em vez da obrigação. No nosso país a expressão 'se não fosse eu' corresponde a um tipo de moral social que nas instituições subverte e transmuta a obrigação e dever em prestação de favores.
O chefe que emite um despacho ou um parecer favorável e se sente a prestar um favor e não a cumprir um dever e obrigação, em função das análises que fez da situação, subverte o sentido do papel de chefe.Nenhum funcionário que beneficia de algum tipo de formação deveria se sentir a dever algum tipo de favor ao chefe que o autorizou em cumprimento de seu dever. Pelo contrário, é para com a organização que devia existir algum tipo de obrigação.
A concepção de chefia no nosso país subverte o sentido que o chefe ocupou na história social do trabalho com a divisão social do trabalho.
Na história social do trabalho a função de chefia surge com alguns indivíduos se desligando dos trabalhos manuais ocupando-se da vigilânciados de mais trabalhadores, o 'capataz' é disso um exemplo; no desempenho de suas tarefas de modo a evitar o desperdício de recursos entre os quais o do tempo e tornar a execução das tarefas eficaz e eficiente. Para não recuar aos primórdios das relações de trabalho num mundo que muitos nem sequer imaginam da organização do trabalho 'Taylorista' ou'Fordista', simplifiquemos esta explicação com um exemplo:
O novo Ministro da Saúde é médico de profissão e chefe como ministro.Enquanto médico, as suas visitas ao HCM não causavam a mesma preocupação aos seus subordinados que causam hoje as visitas relâmpagos como chefe.
O efeito ou pelo menos o propósito manifesto é tornar as instituições eficientes. Podemos questionar a moralidade e eficácia de tais métodos, porém o que interessa reter neste artigo é a ideia de que a função social do chefe seria justamente a de 'fazer andar', evitar a indiferença, o desleixo, etc. Todo o esforço do Ministro da Saúde e de seus homólogos segundo se anuncia visa o combate ao tão propalado deixa-andar, luta que espero venha surtir efeitos desejados.
Há porém o outro gume da mesma faca, já que prestamos mais atenção e respeito aos mortos no país que aos vivos, permitam-me colocar as coisas nos seguintes termos: Enquanto fazemos o cerimonial para acompanhar o espírito do deixa-andar, um outro espírito forte e endémico anda a perturbar a nossa sociedade: O espírito do Não deixa-andar!
31/05/05
Patrício Langa
Cape Town
Mas como o Patricio mandou o texto de novo, aqui vai ele:
O País do Não-deixa andar
Sentido na própria pele tanto o deixa-andar, que o novo governo do presidente Guebuza anuncia aos quatro ventos querer combater, como o Não-deixa-andar, são a faca de dois gumes que tornam, não raras vezes, o nosso país um lugar 'insuportável' de se viver.
Contrariamente ao que se pode pensar, à primeira vista, não são os problemas estruturais que tornam o nosso país inóspito. Os buracos, a pobreza, o crime como se propala por aí, estes existem um pouco por todo lado, é claro que em proporções diferentes. Agora, a mesquinhice, a sovinice, a pequenez, que também não são características essencialmente moçambicanas, são predominantes no nosso país, talvez também consequência do estágio de não desenvolvimento em que a nossa sociedade se encontra.
Realmente, sou levado pelas evidências a concordar com os que pensam que o país só se podia desenvolver se já fosse desenvolvido. Mas a sina do subdesenvolvimento parece que está para ficar. Todos os esforços que se parece encetar na perseguição de tão almejado desiderato exaurem multiplicados por zero. Para além do efeito catastrófico e apocalíptico do HIV/SIDA que vai dizimando os construtores desse almejado país porvir, existem as coisas mesquinhas que resultam das nossas relações sociais quotidianas. É dessas situações quotidianas e da sua lógica que se desenham as alamedas para o desenvolvimento.
Neste artigo quero-me referir particularmente a um tipo social, o chefe, com quem temos que lidar no nosso quotidiano laboral, mas a reflexão não se limita a esta categoria social.
As observações que procuro fazer, de como esta categoria social foi de forma perversa apropriada por nós, podem ser aplicadas a todos nós.
Afinal quem é o chefe? O chefe somos nós!Lá no lugar em que nos encontramos e que de alguma forma nos permite exercer algum poder decisório que implique o destino de nossos conterrâneos sentimos, eventualmente, algum prazer em impedir o progresso do outro. Não-deixar andar! Não preciso deter-me neste artigo a explicar o sentido do termo deixa-andar. Tornou-se pão-nosso-de-cada-dia, senso comum, desde que apropriado como cavalo de batalha pelo novo governo, mesmo que transporte consigo múltiplas significações, o resultado é sempre a expressão de algo indesejável no funcionamento das nossas instituições.
Já para o termo Não-deixa-andar o leitor deve estar a fazer uma ginástica cerebral para perceber de que 'raio' estarei eu por aqui a falar. Pois bem, é o que me proponho fazer neste artigo, formular o problema do Não-deixa-andar. Formulá-lo da maneira mais corriqueira que a minha imaginação permitir.
Não me ocorre agora precisar a temporalidade do problema do Não-deixa-andar porém não é coisa recente. Recordo-me agora de algumas das situações que mereciam essa denominação. Não-deixa-andar! Desde situações em que o chefe faz tudo para impedir que um funcionário,colega, subordinado ou não, progrida na sua carreira até aquelas em que o vizinho incendeia a barraca do seu contíguo para o ver na mesma, ou pior, situação que a sua, impedindo-o de progredir. "Onde é que esse gajo pensa que vai?"
O chefe colocado numa posição e desempenhando uma função crucial na organização, uma vez que pode decidir sobre a vida dos outros, faz tudo mais alguma coisa para criar barreiras aos que procuram crescer profissionalmente dispondo dos recursos da organização para tal destinados. Tudo para Não-deixar-andar!
Quantas vezes não escutamos histórias como a seguinte: - anunciaram umas bolsas para o lugar x ou o curso y, no serviço Z, escola ou outra entidade qualquer. Mas só foram dadas a conhecer faltando 48 horas para o fim do prazo da entrega dos documentos necessários?
Recebi um convite com todas expensas pagas, mas só me foi entregue no dia em que a confêrencia terminou porque o meu chefe se esqueceu de me passar o documento, ou pior,diz que achava que eu não me interessaria por tal assunto. Estes são apenas alguns exemplos das diversas e (in)imaginárias situações que ocorrem no nosso país.Dou mão à palmatória se surgir um Moçambicano que não tenha, se não experimentado, pelo menos ouvido uma história parecida de um irmão, primo, tio, amigo, colega e por aí fora. Não pode estudar porque o chefe se recusou a aprovar o seu pedido para estudar, mesmo que a organização anuncie aos quatro ventos que a sua estratégia assenta na formação de quadros.
Histórias, muitas delas omissas, como estas fazem parte do nosso quotidiano em Moçambique.
Se o deixa-andar expressa em certo sentido a indiferença, desinteresse, que erroneamente se confunde com o burocratismo no nosso país, na prestação de um serviço público que deve ser feito como parte da obrigação e zelo pela ética profissional do funcionário público, o Não-deixa-andar é o acto de obstrução, impedimento, barreiras, para que o outro não avance. É feito de má fé!
Conheci jovens, brilhantes, que concluíram com sucesso cursos de licenciatura nas instituições de ensino superior no país depois de gincanas que se contadas a alguém, que não conhece o nosso país, pode pensar que se trata de mais um conto de ficção do Mia Couto. Depois de mil e uma solicitações para prosseguir os estudos recusadas resolveram alguns pedir a exoneração a fim de prosseguirem os estudos. Acompanhei histórias, não isoladas, de outros tantos jovens que após usufruírem de bolsas de estudos, completamente financiadas por alguma das diversas agências que cooperam com o nosso país para a formação de quadros, simplesmente passaram por situações indescritíveis de sofrimento humano, no estrangeiro, por que o gestor dos fundos é uma instituição moçambicana que acomoda gente que, simplesmente, Não-deixa-andar!
E se deixa é porque não lhe resta outra alternativa.
Num país ideal, numa organização o poder e as relações de poder entre os diferentes níveis hierárquicos não é somente vertical, mais teria outros mecanismos que impediriam o super-poder dos superiores hierárquicos sobre seus subordinados. Isso iria evitar muito do 'lambe botismo' que se vive no nosso país. Deveriam existir mecanismos que impedissem que recursos públicos fossem tratados como coisas particulares. Que as relações sociais na esfera publica e nas organizações fossem secundárias e de impessoalidade.Que as decisões tomadas fossem as certas e não as convenientes em função da in-dis-posição que certas caras nos trazem.
Enfim, o país devia ser desenvolvido. O favor em vez da obrigação. No nosso país a expressão 'se não fosse eu' corresponde a um tipo de moral social que nas instituições subverte e transmuta a obrigação e dever em prestação de favores.
O chefe que emite um despacho ou um parecer favorável e se sente a prestar um favor e não a cumprir um dever e obrigação, em função das análises que fez da situação, subverte o sentido do papel de chefe.Nenhum funcionário que beneficia de algum tipo de formação deveria se sentir a dever algum tipo de favor ao chefe que o autorizou em cumprimento de seu dever. Pelo contrário, é para com a organização que devia existir algum tipo de obrigação.
A concepção de chefia no nosso país subverte o sentido que o chefe ocupou na história social do trabalho com a divisão social do trabalho.
Na história social do trabalho a função de chefia surge com alguns indivíduos se desligando dos trabalhos manuais ocupando-se da vigilânciados de mais trabalhadores, o 'capataz' é disso um exemplo; no desempenho de suas tarefas de modo a evitar o desperdício de recursos entre os quais o do tempo e tornar a execução das tarefas eficaz e eficiente. Para não recuar aos primórdios das relações de trabalho num mundo que muitos nem sequer imaginam da organização do trabalho 'Taylorista' ou'Fordista', simplifiquemos esta explicação com um exemplo:
O novo Ministro da Saúde é médico de profissão e chefe como ministro.Enquanto médico, as suas visitas ao HCM não causavam a mesma preocupação aos seus subordinados que causam hoje as visitas relâmpagos como chefe.
O efeito ou pelo menos o propósito manifesto é tornar as instituições eficientes. Podemos questionar a moralidade e eficácia de tais métodos, porém o que interessa reter neste artigo é a ideia de que a função social do chefe seria justamente a de 'fazer andar', evitar a indiferença, o desleixo, etc. Todo o esforço do Ministro da Saúde e de seus homólogos segundo se anuncia visa o combate ao tão propalado deixa-andar, luta que espero venha surtir efeitos desejados.
Há porém o outro gume da mesma faca, já que prestamos mais atenção e respeito aos mortos no país que aos vivos, permitam-me colocar as coisas nos seguintes termos: Enquanto fazemos o cerimonial para acompanhar o espírito do deixa-andar, um outro espírito forte e endémico anda a perturbar a nossa sociedade: O espírito do Não deixa-andar!
31/05/05
Patrício Langa
Cape Town
0 Comments:
Post a Comment
<< Home