Ideias para Debate

Friday, April 22, 2005

Fins e meios

Recebi do Manuel Tivane a carta que se segue:

O Machado da Graça e o Fernando Lima são colunistas de minha leitura prioritária na nossa mídia, quer pela limpeza e escorreição da sua escrita (coisa rara, muito rara nos jornalistas do dia), quer pela contundência dos argumentos.
O Mia Couto já nem tanto (não pela falta de qualidade da sua escrita) , pois, não sei porquê mas incomoda-me aquele seu jeito de deixar sempre um mandamento, uma lição e, normalmente, sempre dentro do politicamente correcto. Que saudades das suas "imaginadâncias". Para mim foi do melhor que o Mia fez. Mas quem sou eu para questionar o gosto de tantos admiradores por todo o mundo. Tenho que me render à força dos argumentos... e das provas dadas.

Mas, voltando ao M. da Graça e ao Lima, e parafraseando Eduardo Águalusa, deAngola, (e fazendo a transposição para Moçambique), diria que os intlectuais moçambicanos estão a libertar-se da sua própria história, da qual têm estado prisioneiros e amordaçados (muitas vezes por auto censura ou até por mero instinto de sobrevivência). Antes tarde que nunca.

Eu vergo-me à intervenção honesta e corajosa especialmente de M. da Graça, que não se acomoda perante injustiças e graves contradições, sobretudo por parte dos poderes políticos. Ninguém mais legítimo para criar um blog destes. Bem haja!

Venho a terreiro, tentar colocar em debate a questão da postura, da correcção e do respeito mínimo dos dirigentes e líderes para com os dirigidos. Já vi ou ouvi algures que a força dos grandes se vê pela forma como tratam os pequeninos.

Lembro-me a este propósito de um artido de M. Couto em que se lamentava de ter ido a casa de um amigo moçambicano, e de ficar arrepiado pelos modos com que tratava o empregado doméstico. Reví-me um pouco naquela crítica, envergonhando-me, e tentei também, ao meu nível, melhorar neste aspecto. Continuo a fazê-lo, para combater, quiçá, antigas e tristes influências e resquícios de um natural mau feitio.

É que, como tem havido ultimamente vários casos de sucesso/competência em que os protagonistas primam pela incordialidade, para não dizer má criação e mesmo casmurrice (v.g. Filipe Scolari, Mourinho e Semedo) pode ficar a ideia de que para se ser competente é preciso ser-se rude e grosseiro e que a justeza dos fins até justifica a falta de consideração e respeito pelas pessoas.

Tanto quanto me apercebo, em ambientes civilizados, quer lá fora quer entre nós, o estilo de dirigismo do tipo capataz é cada vez menos aceitável, pois causa dos danos colaterais que acarreta, e por deixar ressentimentos, mesmo que alcance objectivos e metas. Os ressentimentos geram vinganças, que muitas vezes apenas são adiadas. É a natureza humana.

Hoje, mais que a mera prosperidade na execução de uma tarefa, cargo ou função, promove-se a "Prosperidade Pacífica", que seja competente, que alcance objectivos, que atinja metas, mas que seja pacífica, que seja harmoniosa, que seja "ambiental".

Hoje já não se quer, nem é aceitável, um chefe que ande aos berros, que seja resmungão, que não respeite nem demonstre consideração pelos subordinados e colaboradores.

Esse tipo de chefe, que impera pelo terror, mesmo que cumpra muitas das metas, fá-lo duma forma que causa infelicidade, angústia e aflição a muita gente, pelo que o mérito do cumprimento dos objectivos é apagado.

Hoje quer-se um líder, assim como um pai, ou um marido, que não precise de andar aos gritos e sempre amuado para que os filhos cresçam educados e sejam bons estudantes e cidadãos.

Um verdadeiro líder pode ser rigoroso e exigente, mas é cordial e camarada. Respeita os outros e, como é também competente, alcança os objectivos de forma harmoniosa ("sustentável", é como se usa dizer, não?).

O verdadeiro líder desenvolve a habilidade para empolgar os colaboradores e obtém o seu engajamento e concurso nas causas que promove.

Basicamente, o nosso ministro da saúde é uma pessoa carrancuda e muito mal humorada. Isto é muito mais que sabido. Por norma, não cumprimenta as pessoas comuns do povo, por exemplo se as encontra no elevador. Enfim, e tem muito mau feitio. É o mínimo que se pode dizer...

Triste é que, por ser pessoa inteligente, culta e competente, alcança objectivos, ou pelo menos parte deles, podendo levar à ideia de que para pôr as coisas a funcionar nas organizações é preciso ser-se assim, grosseiro e até malcriado, como aliás já deu demonstrações disso em directo para as televisões.

O povo aplaude o animado folklore, vendo algumas regalias das elites intermédias a desaparecer, mas sobretudo porque algo está a resultar e os hospitais estão a funcionar visivelmente melhor. Mas será que isso não pode ser conseguido com boa educação e fineza, ou seja, com respeito pelas pessoas, ainda que usando de rigor e firmeza? Eu preferia que fosse pelo outro método, o da prosperidade pacífica. Enfim, o Ivo que se cuide com os ressentimentos desnecessários que está a criar...

Vamos suster os excessos, o despezismo, a inércia e malandragem nas instituições públicas, mas faça-mo-lo com correcção e humanismo.

Dêmos bons exemplos aos cidadãos, pois, como disse o poeta “Não basta que seja pura e justa a nossa causa, mas é necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós”

P.S. O apelo é extensivo à Vice-Ministra da Agricultura pois, por mais legítima que sejam as suas razões e intenções, não deve deixar de ter presente os mínimos de urbanidade e polidez exigíveis a um cargo público. O combate ao deixa-andar não tem de ser feito com brutalidade.

Subscrevo o programa destes ministros. Abomino a forma como estão a tentar consegui-lo executar.

1 Comments:

  • Me revejo nessa sua inquietacao e nao me refiro apenas aos ministros por si focados, mas a todos os ministros e governadores, alguns dos quais assumiram cargos directivos em governos anteriores, que actualmente comportam-se duma forma populistas apresentando-se como guias pra moralizacao da sociedade, dos servicos publicos, em fim, o tal combate ao espirito de "deixa andar".Vejo Hipocrisia naqueles governates que tendo transitado do anterior governo, so assumem esse comportamento no actual governo e vejo consistencia naqueles que sempre procuraram combater o tal espirito (ex. Felicio Zacarias).

    Sem pretender retirar o merito da postura do actual governo, espero sincerramente que tal postura seja motivada por um compromisso serio com a sociedade e nao termine em simples "demonstracoes populistas". Sou pela vigilancia porque tenho em mente que o populismo pode ser usado para entreter as pessoas fazendo-se de contas que se esta a combater um problema generalizado sem que haja um compromisso a longo prazo com a causa que se abraca - neste caso, o combate ao espirito de deixa andar.

    Crendo que existe um compromisso e dada a gravidade da situacao, acho que a 'terapia de choque', 'toleranca zero' sao bem vindas desde que aplicadas com civismo e educacao de modo a se evitarem os tais ressentimentos...mas nao bastam discursos ou 'shows', sao necessarios actos que tragam resultados a curto e medio prazos...

    (What About...)

    By Blogger Sérgio Gomes, at 10:06 PM  

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