Ideias para Debate

Monday, April 18, 2005

Regras para o debate

O Patricio Langa referiu, num dos seus últimos textos, uma série de artigos de Elisio Macamo sobre a forma como devem decorrer os debates.
O autor dos artigos, simpaticamente, mandou-me os textos e aqui começo hoje a publicá-los:


Uma introdução em 10 partes (1)

Os gregos tinham um lugar chamado “Agora”. Nele discutiam os problemas públicos. Davam tanta importância à discussão que se preocuparam em desenvolver a arte da retórica. Para os gregos saber discutir era um atributo importante da cidadania. No Ocidente quando se diz que a democracia tem as suas raízes na Grécia quer-se, em parte, salientar o aspecto retórico. É evidente, porém, que saber discutir não é um atributo reservado aos gregos. Viver em sociedade implica, em minha opinião, aprender a confrontar ideias. Saber discutir é uma condição necessária à participação cívica. Logo, qualquer sociedade possui a faculdade retórica.
As nossas tradições culturais contêem provas disso. No sul de Moçambique, por exemplo, existia uma instituição chamada “B’andhla”. Penso que se pode traduzir por “Agora”. Era também um lugar onde a comunidade discutia problemas públicos. A ideia central por detrás do “B’andhla” não era de impor o ponto de vista do chefe. Era, sim, de apurar o melhor argumento. O bom membro da comunidade revelava-se pela sua capacidade de participar condignamente no debate público.
Actualmente, essas tradições não têm uma presença forte no nosso quotidiano. Isso não se deve, porém, ao que alguns iriam imediatamente supor, nomeadamente que a sociedade, duma forma geral, se distanciou das suas tradições. Deve-se, quer-me parecer, a um declínio constante da nossa capacidade de discutir. Isso não admira. No nosso passado mais recente preferimos a violência física à confrontação honesta e aberta de ideias. Essa violência gerou um clima generalizado de desconfiança que dificulta, suponho, o surgimento dum espaço de debate.
Há duas tendências que me parecem dificultar o debate. Uma já mencionada é o nosso passado recente. É difícil apreciar a plausibilidade dos argumentos dos outros quando somos motivados por valores. Pessoalmente, ainda preciso de tempo para aprender a apreciar um argumento de alguém da Renamo. A ideia que tenho deste partido impede-me, ainda, de ter a abertura de espírito necessária para apreciar as boas coisas que dela possam sair. A segunda tendência é a falta de informação para avaliar um argumento. Não é fácil participar num debate sem informação. Informação, neste sentido, quer dizer conhecimento de causa. Embora esta tendência tenha a ver com a formação académica, não se reduz apenas a isso. Mesmo analfabetos devíamos, em princípio, ser capazes de avaliar razões que se dão para sustentar uma conclusão.
Conta-se que um beduíno marroquino contestou a ideia de que alguém tivesse posto os pés na lua com o argumento segundo o qual ele teria visto a pessoa com os próprios olhos, pois todos os dias vê luz lá em cima. Não é irracional o beduíno. Provavelmente, com mais informação ele seria capaz de apreciar a insuficiência das razões que ele proporciona para não aceitar a ideia que lhe foi proposta. Isto é importante. Não podemos saber tudo. Todo o conhecimento é falível, isto é susceptível de ser falsificado um dia. Não é por isso que devemos deixar de ter opiniões à espera do conhecimento infalível. Usamos a pouca informação que temos para tirarmos conclusões.
Aquando da introdução da democracia houve uma grande preocupação em proporcionar educação cívica aos eleitores. Essa educação cívica concentrou-se, por razões que me parecem plausíveis, na iniciação das pessoas às instituições democráticas. A principal característica duma democracia, nomeadamente o debate honesto e aberto, não mereceu o destaque que devia ter merecido.
Não obstante, é importante notar que sem debate a democracia não é possível. Não é apenas votando e conhecendo as leis do país que se vai consolidar a democracia. Para que a democracia seja viva é necessário que tenha conteúdo. Esse conteúdo é a troca de ideias. É a discussão de valores, factos e propostas de políticas para resolver problemas.
Nos artigos que se vão seguir a este gostaria de introduzir o leitor a algumas ideias centrais do debate. O objectivo não é de ensinar lógica nem argumentação. É sim de chamar a atenção do leitor para alguns aspectos que, observados, tornam a convivência social possível. Tal como outras sociedades a moçambicana tem os seus debates. Muitos deles são emocionais, controversos e acesos. Bem ou mal, eles dão contornos aos vários interesses constitutivos da nossa sociedade.
Os artigos vão-se debruçar sobre questões como o sentido das palavras, estrutura de argumentos, tipos de conclusões e formas de argumentação. Sempre que possível, e oportuno, estes temas serão ilustrados com referência a alguns debates quentes da nossa sociedade. No fim destes 10 artigos o leitor não vai ser nenhum Sherlock Holmes, mas se for muito atento vai se dar conta de que muitas das deduções de Holmes são bastante problemáticas.

1 Comments:

  • Participo de uma comunidade do orkut onde o objetivo central é o debate. Acredito que suas opiniões e argumentos seriam de grande valia para os outros membros.

    http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=45613400

    By Anonymous Anonymous, at 9:12 AM  

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