Modernidade
O debate continua e os jovens mostram que têm coisas para dizer. O Rui Tembe é um deles:
AS NOVAS FORMAS DE PROMOVER A IDENTIDADE
Caro Machado:
Nem sei se devo escrever-lhe, mas escrevo mesmo assim. É por causa daquele seu espaço para debates. Ideias para debates. Permita-me transpor para o papel, esse papel moderno de hoje, que nos faz debater, conversar e trocar ideias com pessoas que nem sequer conhecemos, nem sequer sabemos de onde escrevem, ilustres desconhecidos e reconhecidos escritores, permita-me transferir para este papel, dizia, algumas ideias sobre o que se tem discutido neste espaço. E começo por elogiar a globalização, no papel que teve para a existência deste espaço. A globalização, disse. A mesma que é apontada como a grande causadora da perda dos valores culturais e tradicionais e é também acusada de americanizar o mundo. Afinal, existem aspectos positivos dela. Gosto também de pesquisar matérias da faculdade na Internet. É prático e simples. É que, preguiçoso que sou em ler livros grandes e cansativos, muito me alegro quando encontro material bem compilado e organizado para fazer download. Gosto da Internet e da Globalização. E dos celulares. E da televisão. E de tudo o que é moderno. Porque nasci neste tempo e o tempo me fez moderno. Mas com a Internet, também se acede facilmente a pornografia, por exemplo. E outros males. Parece-me que temos que repensar, não a globalização, mas a estratégia para lidar com ela. Explico: A ideia não é culpar a Internet, A televisão e etc.., pela perca da nossa identidade. A ideia é utilizar os mesmos meios que nos globalizam, para cultivarmos os nossos valores e tradições. Vamos a exemplos: Os moçambicanos assistem a telenovelas brasileiras e assimilam com elas, grandes vícios. Mas porque será que assistem à brasileiras e não por exemplo, a Portuguesas? Simples: porque são boas. Porque será que a América nos consegue globalizar com a sua música? Porque é boa. É bem trabalhada e agrada aos nossos ouvidos. Tem QUALIDADE. Repito, QUALIDADE. Acredito que passa por aqui a valorização da nossa cultura. A qualidade. Lembro-me por exemplo de uma série televisiva, por nós produzida, ‘O Sorriso’. Todos assistíamos. Porque tinha qualidade, e ainda bem que era nossa. Hoje, nas pistas de danças, frequentadas por jovens, o tal cancro da sociedade, já se dança música moçambicana. Que prazer ouvir um Danny OG ir buscar uma brincadeira de crianças e transformá-la num êxito de hip hop; E que prazer ouvir um António Maengane cantar em changana que não entendo e fazer dançar negros, mulatos e brancos moçambicanos. Porque será que gostamos destas músicas? Por patriotismo? Não. Porque começamos a produzir com qualidade. E porque não falar do funeral da Zaida Lhongo? Não foi bonito ver aquela multidão homenagear a nossa moçambicaníssima Zaida? O nosso, quando tem qualidade, é sempre melhor que o que vem de fora. Para que se construa uma verdadeira identidade moçambicana, é preciso que as pessoas gostem de ser moçambicanos. Para finalizar este capítulo da moçambicanidade e dos valores culturais destruídos pela Televisão, fazer apenas um apelo: não me peçam para gostar do que é nosso, só porque é nosso; peçam me para me orgulhar do que é nosso, porque tem qualidade. Quanto mais produzirmos arte e cultura de qualidade, mais crescerá o desejo de conhecer a cultura moçambicana e de adorá-la.
Sobre os sapatos de Mia já muito se disse e não vou aqui repetir o Patrício Langa nem outros. O debate que se seguiu ao texto de Mia, concentrou-se muito na juventude e nos seus valores. Leia-se o Patrício para se perceber qual é também a minha opinião, embora não concorde em alguns aspectos, mas não pretendo rebater o já muito debatido tema. Apenas comentar que Mia Couto não sugeriu que nós andássemos de peles nas ruas. E nem podia. O artístico é geralmente um exagero da realidade e não deve ser imitado cegamente. Da mesma forma que nem nas terras onde se dança o ballet se vem os dançarinos passearam com aqueles trajes na rua, também não nos pedem os da Companhia Nacional para que os imitemos na rua. Mas me parece, porém, que alguém terá que ensinar a alguns jovens moçambicanos a distinguirem melhor sobre o que é praticável no dia a dia em relação aos trajes dos vídeo clips, e o que é simplesmente ficção e arte. Deve haver aí alguma confusão. É que os artistas têm necessariamente que se distanciar do seu público, e uma das formas de o fazer é precisamente o uso de trajes extravagantes. Não imitem tudo, por favor.
Ps: Embora se revele intelectualmente interessante o texto Dos sapatos sujos, no que toca a juventude, parece-me no entanto extremamente penoso para o país que se resuma a juventude moçambicana em 80 ou 90 jovenzinhos, filhos deste ou daquele, cuja principal ambição é ter um carrão. O país não está aí. O país está em Murrumbala, em Monapo, em Maxixe, lá onde a Mercedes desses meninos ricos nem sequer chega porque não há acessos. É desses que eu quero ouvir figuras que têm audiência falar. Lá onde o cheiro do chulé dos sapatos sujos dos outros chega em forma de perfume, porque andam descalços e não sabem o que é chulé. Estes jovens citadinos são um falso problema. Estes representam 0.1% da juventude. Aqueles que são o verdadeiro problema, nem sequer sabem calcular a sua percentagem. O único perigo, é que por vezes, nesses locais, existe a tal caixinha mágica, onde atravês da qual podem ver e ouvir algumas destas opiniões sobre a juventude moçambicana. Oxalá que não.
Rui Tembe
Maputo
09.04.05
AS NOVAS FORMAS DE PROMOVER A IDENTIDADE
Caro Machado:
Nem sei se devo escrever-lhe, mas escrevo mesmo assim. É por causa daquele seu espaço para debates. Ideias para debates. Permita-me transpor para o papel, esse papel moderno de hoje, que nos faz debater, conversar e trocar ideias com pessoas que nem sequer conhecemos, nem sequer sabemos de onde escrevem, ilustres desconhecidos e reconhecidos escritores, permita-me transferir para este papel, dizia, algumas ideias sobre o que se tem discutido neste espaço. E começo por elogiar a globalização, no papel que teve para a existência deste espaço. A globalização, disse. A mesma que é apontada como a grande causadora da perda dos valores culturais e tradicionais e é também acusada de americanizar o mundo. Afinal, existem aspectos positivos dela. Gosto também de pesquisar matérias da faculdade na Internet. É prático e simples. É que, preguiçoso que sou em ler livros grandes e cansativos, muito me alegro quando encontro material bem compilado e organizado para fazer download. Gosto da Internet e da Globalização. E dos celulares. E da televisão. E de tudo o que é moderno. Porque nasci neste tempo e o tempo me fez moderno. Mas com a Internet, também se acede facilmente a pornografia, por exemplo. E outros males. Parece-me que temos que repensar, não a globalização, mas a estratégia para lidar com ela. Explico: A ideia não é culpar a Internet, A televisão e etc.., pela perca da nossa identidade. A ideia é utilizar os mesmos meios que nos globalizam, para cultivarmos os nossos valores e tradições. Vamos a exemplos: Os moçambicanos assistem a telenovelas brasileiras e assimilam com elas, grandes vícios. Mas porque será que assistem à brasileiras e não por exemplo, a Portuguesas? Simples: porque são boas. Porque será que a América nos consegue globalizar com a sua música? Porque é boa. É bem trabalhada e agrada aos nossos ouvidos. Tem QUALIDADE. Repito, QUALIDADE. Acredito que passa por aqui a valorização da nossa cultura. A qualidade. Lembro-me por exemplo de uma série televisiva, por nós produzida, ‘O Sorriso’. Todos assistíamos. Porque tinha qualidade, e ainda bem que era nossa. Hoje, nas pistas de danças, frequentadas por jovens, o tal cancro da sociedade, já se dança música moçambicana. Que prazer ouvir um Danny OG ir buscar uma brincadeira de crianças e transformá-la num êxito de hip hop; E que prazer ouvir um António Maengane cantar em changana que não entendo e fazer dançar negros, mulatos e brancos moçambicanos. Porque será que gostamos destas músicas? Por patriotismo? Não. Porque começamos a produzir com qualidade. E porque não falar do funeral da Zaida Lhongo? Não foi bonito ver aquela multidão homenagear a nossa moçambicaníssima Zaida? O nosso, quando tem qualidade, é sempre melhor que o que vem de fora. Para que se construa uma verdadeira identidade moçambicana, é preciso que as pessoas gostem de ser moçambicanos. Para finalizar este capítulo da moçambicanidade e dos valores culturais destruídos pela Televisão, fazer apenas um apelo: não me peçam para gostar do que é nosso, só porque é nosso; peçam me para me orgulhar do que é nosso, porque tem qualidade. Quanto mais produzirmos arte e cultura de qualidade, mais crescerá o desejo de conhecer a cultura moçambicana e de adorá-la.
Sobre os sapatos de Mia já muito se disse e não vou aqui repetir o Patrício Langa nem outros. O debate que se seguiu ao texto de Mia, concentrou-se muito na juventude e nos seus valores. Leia-se o Patrício para se perceber qual é também a minha opinião, embora não concorde em alguns aspectos, mas não pretendo rebater o já muito debatido tema. Apenas comentar que Mia Couto não sugeriu que nós andássemos de peles nas ruas. E nem podia. O artístico é geralmente um exagero da realidade e não deve ser imitado cegamente. Da mesma forma que nem nas terras onde se dança o ballet se vem os dançarinos passearam com aqueles trajes na rua, também não nos pedem os da Companhia Nacional para que os imitemos na rua. Mas me parece, porém, que alguém terá que ensinar a alguns jovens moçambicanos a distinguirem melhor sobre o que é praticável no dia a dia em relação aos trajes dos vídeo clips, e o que é simplesmente ficção e arte. Deve haver aí alguma confusão. É que os artistas têm necessariamente que se distanciar do seu público, e uma das formas de o fazer é precisamente o uso de trajes extravagantes. Não imitem tudo, por favor.
Ps: Embora se revele intelectualmente interessante o texto Dos sapatos sujos, no que toca a juventude, parece-me no entanto extremamente penoso para o país que se resuma a juventude moçambicana em 80 ou 90 jovenzinhos, filhos deste ou daquele, cuja principal ambição é ter um carrão. O país não está aí. O país está em Murrumbala, em Monapo, em Maxixe, lá onde a Mercedes desses meninos ricos nem sequer chega porque não há acessos. É desses que eu quero ouvir figuras que têm audiência falar. Lá onde o cheiro do chulé dos sapatos sujos dos outros chega em forma de perfume, porque andam descalços e não sabem o que é chulé. Estes jovens citadinos são um falso problema. Estes representam 0.1% da juventude. Aqueles que são o verdadeiro problema, nem sequer sabem calcular a sua percentagem. O único perigo, é que por vezes, nesses locais, existe a tal caixinha mágica, onde atravês da qual podem ver e ouvir algumas destas opiniões sobre a juventude moçambicana. Oxalá que não.
Rui Tembe
Maputo
09.04.05
1 Comments:
Caro Rui,
Embora esteja de acordo consigo na maior parte do seu argumento, discordo quando diz ..."Porque será que a América nos consegue globalizar com a sua música? Porque é boa. É bem trabalhada e agrada aos nossos ouvidos. Tem QUALIDADE. Repito, QUALIDADE."...
É que por vezes essa globalização com que se assimilam outros valores culturais, nada tem a ver com qualidade mas com marketing, matematicamente testado. É só moda e como tal é efémera. O que não significa que seja de rejeitar ou que não seja agradável de ver e/ou ouvir.
Os valores culturais divergem pois são mais consistentes nas raízes e na durabilidade, que também estão em mutação constante mas são mais enraizados socialmente e como tal, evoluem de forma mais lenta.
É só essa a discordância, de resto é um dos melhores debates surgidos na sociedade moçambicana nos últimos tempos.
By RjL, at 3:21 AM
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