De novo Mia Couto
Enquanto os sapatos voam em todas as direcções, o Mia Couto volta ao debate:
Caro Paulo Rigger
Não se trata de um assunto que separa jovens dos adultos. Ao que parece, todos teremos que nos descalçar, velhos e novos. O que está em confronto são valores, atitudes, posturas éticas. O jovem Paulo Rigger tem razão ao apontar para a inércia de reprodução desses valores que nos alienam como um povo, uma nação em busca da sua identidade. O que está errado não são estes ou aqueles: é todo um sistema. E esse sistema não existe apenas dentro de Moçambique. É um sistema que se globalizou, tomou conta do nosso quotidiano e impõe , de forma hegemónica, gostos e formas de pensar. É comum dizer-se: gostos não se discutem. Mas deve ser exactamente o oposto: gostos discutem-se, sim. Sobretudo, quando, em nome de um certo tipo de gostos, se anulam e se humilham os gostos dos outros. A carta de Rigger é rica também como um depoimento de quem vive e sofre a hipocrisia de alguns (sublinho "alguns") elementos de uma geração que começou por prender e mandar para a reeducação os indisciplinados e acabou criando uma sociedade sem valores e permeável a toda a corrupção vinda de dentro ou de fora. Para restaurar este mundo nosso, este Moçambique que partilhamos novos e velhos são necessárias as contribuições de todos. Teremos não que andar descalços. Teremos, sim, que calçarmos outros sapatos, feitos à nossa medida, à medida da caminhada que nos falta fazer para criar um futuro onde todos (e não apenas uma minoria de endinheirados) possamos ser felizes. Fico satisfeito que a Oração de Sapiência do ISCTEM tenha gerado um debate que parece alargar-se e envolver gente nova como o Paulo Rigger. A juventude tem uma palavra decisiva no desenho da nossa vontade de sermos. De sermos outros, sermos nós, sermos melhores. Como eu dizia nos "Sete Sapatos Sujos": há muitos que falam para os jovens. Há poucos que falam com os jovens. O diálogo activo com os jovens pressupõe que vozes como as do Paulo se façam ouvir, mesmo que isso possa doer a uns tantos.
Mia Couto
Caro Paulo Rigger
Não se trata de um assunto que separa jovens dos adultos. Ao que parece, todos teremos que nos descalçar, velhos e novos. O que está em confronto são valores, atitudes, posturas éticas. O jovem Paulo Rigger tem razão ao apontar para a inércia de reprodução desses valores que nos alienam como um povo, uma nação em busca da sua identidade. O que está errado não são estes ou aqueles: é todo um sistema. E esse sistema não existe apenas dentro de Moçambique. É um sistema que se globalizou, tomou conta do nosso quotidiano e impõe , de forma hegemónica, gostos e formas de pensar. É comum dizer-se: gostos não se discutem. Mas deve ser exactamente o oposto: gostos discutem-se, sim. Sobretudo, quando, em nome de um certo tipo de gostos, se anulam e se humilham os gostos dos outros. A carta de Rigger é rica também como um depoimento de quem vive e sofre a hipocrisia de alguns (sublinho "alguns") elementos de uma geração que começou por prender e mandar para a reeducação os indisciplinados e acabou criando uma sociedade sem valores e permeável a toda a corrupção vinda de dentro ou de fora. Para restaurar este mundo nosso, este Moçambique que partilhamos novos e velhos são necessárias as contribuições de todos. Teremos não que andar descalços. Teremos, sim, que calçarmos outros sapatos, feitos à nossa medida, à medida da caminhada que nos falta fazer para criar um futuro onde todos (e não apenas uma minoria de endinheirados) possamos ser felizes. Fico satisfeito que a Oração de Sapiência do ISCTEM tenha gerado um debate que parece alargar-se e envolver gente nova como o Paulo Rigger. A juventude tem uma palavra decisiva no desenho da nossa vontade de sermos. De sermos outros, sermos nós, sermos melhores. Como eu dizia nos "Sete Sapatos Sujos": há muitos que falam para os jovens. Há poucos que falam com os jovens. O diálogo activo com os jovens pressupõe que vozes como as do Paulo se façam ouvir, mesmo que isso possa doer a uns tantos.
Mia Couto
0 Comments:
Post a Comment
<< Home