Ideias para Debate

Wednesday, April 06, 2005

Mais sapatos

Parece que os sapatos, por cá, são mais do que os da famosa Imelda Marcos, que se diz que tinha milhares de pares. Aí vai a contribuição de Pinto Lobo:

Caro Machado da Graça,

Tenho acompanhado com imenso interesse e prazer o debate sobre cultura, identidade e moçambicanidade e, em particular, as questões colocadas sobre a juventude, talvez alienada, ainda que pense que todos se referem a uma juventude eminentemente citadina.

Reli recentemente o romance "Kufemba" de João Salva-Rey, tendo-me saltado aos olhos um parágrafo que penso que ajudará a reflectir, dirigido essencialmente para nós, mais velhos, "a geração da entrega generosa" como lhe chama Fátima Ribeiro, mas que me parece estar a eximir-se de responsabilidades em relação à juventude. Nesse romance a dada altura (pág. 258), diz o anti-herói da história:

"- À força de se ouvir por aí, falar em dever cumprido, sacrifícios sofridos, a juventude é levada a olhar para trás, analisar friamente o mundo que das mãos de uns passa para as mãos de outros, um mundo terrível de problemas não resolvidos, guerras devastadoras, exploração dos trabalhadores, fome, miséria, hipocrisias sem fim, uma moral convencional e ambígua, apoiada na falsidade e na mentira. Diga-me por favor - (...) - que espécie de exemplos poderemos adoptar da geração que nos deixa tal testemunho?"

Imagine que este texto foi escrito em 1972! Alguma coincidência com o mundo actual onde vivemos? Serve para descrever o estado actual das coisas em Moçambique?

Aproveito também a oportunidade para lhe enviar um poema inédito do mesmo escritor:

Em cada estrela Em cada estrela, irmão, plantámos uma esperança E as estrelas deixaram de brilhar Perderam-se as esperanças, uma a uma, na distância Ou são os nossos olhos que as deixaram de enxergar?


PS: João Salva-Rey é o pseudónimo literário de João Corrêa dos Reis, natural de Lisboa, fixado em Moçambique, Lourenço Marques, desde Janeiro de 1937 até finais de Dezembro de 1975. Viveu posteriormente mais de 15 anos em Macau. Regressou a Portugal em 2004. É historiador e jornalista, foi ele quem editou em Moçambique, pela 1ª vez, o livro do Luís Bernardo Honwana "Nós matamos o cão tinhoso". Fundou em 1962 o jornal Tribuna em Lourenço Marques, onde teve como colaboradores José Craveirinha e Rui Knopfli, Eugénio Lisboa, Orlando Mendes, Rui Nogar, de entre outros. Foi preso pela PIDE em 1964, com José Craveirinha e Malangatana.

Cumprimentos
Pinto Lobo

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