Mais sapatos, agora com chulé
Mais um jovem avança com a sua posição no nosso debate. É o Paulo Rigger e traz um novo odor ao assunto:
O CHULÉ DO SÉTIMO SAPATO SUJO
Assistia eu, jovem Hipopista desta geração Samorista, no dia 04 de Abril de 2005 a um programa de uma das Televisões que só funcionam em Maputo ou na zona sul e muita falta fazem ao País real, programa este que é emitido de segunda à sexta com recurso a temas diversos. Passava das 21 horas, uma outra estação de TV emitia uma telenovela interessante, aquela que se diz a nossa televisão, mas que minha não é, emitia uma outra telenovela que escuso dizer que também é brasileira. Como jovem fiz a minha escolha com o controle remoto e achei mais interessante aquele debate sobre ”O Papel da Juventude no Desenvolvimento de Moçambique”. Os convidados falaram, telespectadores ligaram e opinaram, não vou aqui resumir nem sintetizar o que foi dito, mas uma professora, que era convidada, disse “a juventude precisa de acompanhamento”. Parece que os mais velhinhos esquecem disso, sabem é criticar.
Ainda bem que uma mãe e educadora lembrou-se não de criticar aos jovens mas de refrescar a memória dos pais e dos mais velhos, que a juventude precisa de acompanhamento. Não só de acompanhamento. Quero refrescar mais ainda as memórias dos nossos pais e dos nossos mais velhos. No prosseguimento da ideia do Sr. Mia Couto fica aqui a minha reflexão sobre nós mesmos:
A juventude são sim um dos sapatos sujos (como diz o nosso escriba Mia Couto), somos uns “alienados” mas o que temos de fazer é recordar algumas das causas da nossa “alienação”. Não estou a calçar o 1º sapato sujo, ou seja, a admitir que os outros são sempre culpados, mas a dizer que os outros também são culpados. Insisto que a juventude é o que é porque segue exemplos, quem põe o chulé nos sapatos da juventude são os mais velhos, os nossos pais, os nossos tios, os nossos dirigentes e as nossas Televisões, todos aqueles que são os mais velhos que não nos ensinaram a secar os pés antes de calçar. Os jovens são e sempre serão umas crianças para os mais velhos e a criança tem a atitude semelhante a do macaco, aprende imitando, pensa que é certo o que fazem os outros. Não estou a dizer que os jovens não são ou não estão conscientes do que fazem. Claro que nós temos um filtro para saber o que é certo ou errado mas a distância entre a razão e a emoção é tão grande e a luta tão intensa que se torna fácil fazer as coisas que dão mais prazer, apesar de erradas (é uma das armadilhas do nosso cérebro) principalmente para as crianças e jovens. O que acontece é que os mais velhos preocupam-se em não ensinar “porcarias” às crianças e já não fazem o mesmo com os jovens que são hoje bebés abandonados. Da criança escondem o sexo, a origem dos bebés (que dizem comprar-se em algum mercado) e outras coisas mais. Dos jovens já escondem pouco ou quase nada e por isso ensinam-nos muita “porcaria”. Os nossos sapatos estão sujos por fora e por dentro cheiram a chulé porque quem nos faz calçá-los húmidos são os mais velhos. Quando descalçarmos os sapatos sujos quem suportará o cheiro de chulé?
Vou dar alguns exemplos para além dos que já dei:
Nós somos hoje filhos de pais separados, frutos de adultérios e amantismos. Temos irmãos que nem conhecemos e muitos de nós chegamos a namorar e fazer sexo com as nossas próprias irmãs, com o conhecimento dos nossos pais, que não têm coragem de dizer que somos irmãos porque não sabem como justificarem as nossas mães. Nossos pais vão à nossa escola para ir buscar nossas colegas e nossas irmãs e com elas namorar. Praticam o sexo como desporto, disputamos a mesma “pita” com nossos pais e tios, as nossas mães seduzem-nos com o materialismo, “altos” carros em segunda mão e flats. As missas dos nossos antepassados transformam em festas, dizem que quando nós estudamos é para trabalhar para os outros e não para criar auto-emprego, mas meia volta ninguém faz empréstimos financeiros aos jovens senão aos nossos dirigentes e aos seus filhos e outras elites que muitas vezes nem conseguem, ou não querem, pagar.
Quem criou a cultura do deixa andar? Foram os jovens?
Nossos dirigentes começam por mandar os filhos estudar no estrangeiro, dando a entender que o nosso ensino não presta. Como não chega calçam o 2º sapato sujo, o sucesso não nasce do trabalho, criam e desenvolvem esquemas de corrupção aumentando os incentivos para nós não estudarmos. Fazem-nos crer que a vida é fácil e devemos esperar a nossa chance de roubar, de desviar, de corromper ou ser corrompido.
A “estranha visita” que o jovem recebe em casa (a televisão) não faz ou faz poucos programas de carácter educativo, os editores dos programas são os jovens ou os mais velhos? Nestas mesmas televisões assistem-se de forma hipócrita publicidades que convidam os jovens e as crianças a beber cerveja, publicidades alegres, coloridas capazes de atrair qualquer um a provar o produto, com analogias entre a cerveja e instrumentos musicais que criam harmonia. É a cerveja uma fonte de harmonia? Pode ser que seja!
As grandes empresas da praça, que muito dinheiro ganham, dizem investir no entretenimento, fazem concursos nas praias para as nossas irmãs mostrarem o rabo e as maminhas e até chegam a ir às escolas secundárias, como diziam no programa “a voz do povo” na TV Miramar (acima citado), nunca fazem um concurso de declamação de poesia ou de escrita. Depois dizem descaradamente que a juventude não lê, esquecem que a leitura está ligada a motivação. Os mais velhos esquecem muito, talvez por estarem realmente a ficar velhos no sentido real da palavra.
Ao meu ver o insucesso juvenil pode estar ligado não somente as influencias já mostradas mas também a frustrações, como a falta de emprego. O jovem sente a pressão que a sociedade faz e procura refúgios, para responder às pressões sociais desenham nova identidade, fazem as músicas que os outros fazem não só por gosto mas porque é a música que a sociedade quer ouvir e valoriza. A sociedade não é estática, evolui no tempo, é por isso que a música e a cultura de hoje são diferentes das dos tempos dos nossos mais velhos. A sociedade pressiona o jovem a vestir-se e comportar-se de uma certa forma. É tanta a pressão que, se o jovem não adere, é excluído desta mesma sociedade, é considerado atrasado e fora de moda, perde acesso ao mínimo reconhecimento social e, como consequência, não consegue por exemplo ter a moça dos seus sonhos que já está com um dos nossos mais velhos que tem um carro, dinheiro que são das coisas mais valorizadas hoje pela nossa sociedade.
Tem a culpa também a globalização, que traz consigo custos cada vez menores de acesso às televisões e influências culturais externas. As drogas e o homossexualismo chegam de forma fácil, se o segundo pode ser feito via televisão, o que se pode dizer do primeiro? Como é que chega aos jovens? Quem as faz chegar?
Qual a influência mais forte no comportamento juvenil? Talvez aquela que se pode melhor controlar, a dos mais velhos – o exemplo.
Citando os 7 sapatos sujos ”... resta-nos ser verdadeiros e confessar aos mais jovens que nós também não sabemos...”, portanto, penso eu que os mais velhos têm de aceitar a sua parte de culpa na situação do jovem.
“...Mas nós fizemos parte dessa História, fomos também empobrecidos por nós próprios. A razão dos nossos actuais e futuros fracassos mora também dentro de nós.” Nós os jovens temos também a nossa culpa, aceitemos. E existem também outros culpados como a globalização e a pressão involuntária que a sociedade exerce sobre nós.
“É por isso que vale a pena aceitarmos descalçar não só os sete mas todos os sapatos que atrasam a nossa marcha colectiva. Porque a verdade é uma: antes vale andar descalço do que tropeçar com os sapatos dos outros.” O que resta saber é quem irá suportar o mau cheiro, o chulé produzido pelos sapatos sujos que afinal também estão sujos por dentro?
Como é natural, não existem regras sem excepções. Não são todos os mais velhos que se comportam da forma supracitada, não são todos os dirigentes e todas as elites, não são todos os programas televisivos que “deseducam” a juventude, não é toda cultura externa de influência negativa, não é todo jovem que tem os sapatos sujos, não são todas as pressões que a sociedade faz negativas, etc. Não nos basta descalçar os sapatos sujos, é preciso saber quem irá suportar o cheiro intenso e característico do CHULÉ DO 7º SAPATO SUJO.
O CHULÉ DO SÉTIMO SAPATO SUJO
Assistia eu, jovem Hipopista desta geração Samorista, no dia 04 de Abril de 2005 a um programa de uma das Televisões que só funcionam em Maputo ou na zona sul e muita falta fazem ao País real, programa este que é emitido de segunda à sexta com recurso a temas diversos. Passava das 21 horas, uma outra estação de TV emitia uma telenovela interessante, aquela que se diz a nossa televisão, mas que minha não é, emitia uma outra telenovela que escuso dizer que também é brasileira. Como jovem fiz a minha escolha com o controle remoto e achei mais interessante aquele debate sobre ”O Papel da Juventude no Desenvolvimento de Moçambique”. Os convidados falaram, telespectadores ligaram e opinaram, não vou aqui resumir nem sintetizar o que foi dito, mas uma professora, que era convidada, disse “a juventude precisa de acompanhamento”. Parece que os mais velhinhos esquecem disso, sabem é criticar.
Ainda bem que uma mãe e educadora lembrou-se não de criticar aos jovens mas de refrescar a memória dos pais e dos mais velhos, que a juventude precisa de acompanhamento. Não só de acompanhamento. Quero refrescar mais ainda as memórias dos nossos pais e dos nossos mais velhos. No prosseguimento da ideia do Sr. Mia Couto fica aqui a minha reflexão sobre nós mesmos:
A juventude são sim um dos sapatos sujos (como diz o nosso escriba Mia Couto), somos uns “alienados” mas o que temos de fazer é recordar algumas das causas da nossa “alienação”. Não estou a calçar o 1º sapato sujo, ou seja, a admitir que os outros são sempre culpados, mas a dizer que os outros também são culpados. Insisto que a juventude é o que é porque segue exemplos, quem põe o chulé nos sapatos da juventude são os mais velhos, os nossos pais, os nossos tios, os nossos dirigentes e as nossas Televisões, todos aqueles que são os mais velhos que não nos ensinaram a secar os pés antes de calçar. Os jovens são e sempre serão umas crianças para os mais velhos e a criança tem a atitude semelhante a do macaco, aprende imitando, pensa que é certo o que fazem os outros. Não estou a dizer que os jovens não são ou não estão conscientes do que fazem. Claro que nós temos um filtro para saber o que é certo ou errado mas a distância entre a razão e a emoção é tão grande e a luta tão intensa que se torna fácil fazer as coisas que dão mais prazer, apesar de erradas (é uma das armadilhas do nosso cérebro) principalmente para as crianças e jovens. O que acontece é que os mais velhos preocupam-se em não ensinar “porcarias” às crianças e já não fazem o mesmo com os jovens que são hoje bebés abandonados. Da criança escondem o sexo, a origem dos bebés (que dizem comprar-se em algum mercado) e outras coisas mais. Dos jovens já escondem pouco ou quase nada e por isso ensinam-nos muita “porcaria”. Os nossos sapatos estão sujos por fora e por dentro cheiram a chulé porque quem nos faz calçá-los húmidos são os mais velhos. Quando descalçarmos os sapatos sujos quem suportará o cheiro de chulé?
Vou dar alguns exemplos para além dos que já dei:
Nós somos hoje filhos de pais separados, frutos de adultérios e amantismos. Temos irmãos que nem conhecemos e muitos de nós chegamos a namorar e fazer sexo com as nossas próprias irmãs, com o conhecimento dos nossos pais, que não têm coragem de dizer que somos irmãos porque não sabem como justificarem as nossas mães. Nossos pais vão à nossa escola para ir buscar nossas colegas e nossas irmãs e com elas namorar. Praticam o sexo como desporto, disputamos a mesma “pita” com nossos pais e tios, as nossas mães seduzem-nos com o materialismo, “altos” carros em segunda mão e flats. As missas dos nossos antepassados transformam em festas, dizem que quando nós estudamos é para trabalhar para os outros e não para criar auto-emprego, mas meia volta ninguém faz empréstimos financeiros aos jovens senão aos nossos dirigentes e aos seus filhos e outras elites que muitas vezes nem conseguem, ou não querem, pagar.
Quem criou a cultura do deixa andar? Foram os jovens?
Nossos dirigentes começam por mandar os filhos estudar no estrangeiro, dando a entender que o nosso ensino não presta. Como não chega calçam o 2º sapato sujo, o sucesso não nasce do trabalho, criam e desenvolvem esquemas de corrupção aumentando os incentivos para nós não estudarmos. Fazem-nos crer que a vida é fácil e devemos esperar a nossa chance de roubar, de desviar, de corromper ou ser corrompido.
A “estranha visita” que o jovem recebe em casa (a televisão) não faz ou faz poucos programas de carácter educativo, os editores dos programas são os jovens ou os mais velhos? Nestas mesmas televisões assistem-se de forma hipócrita publicidades que convidam os jovens e as crianças a beber cerveja, publicidades alegres, coloridas capazes de atrair qualquer um a provar o produto, com analogias entre a cerveja e instrumentos musicais que criam harmonia. É a cerveja uma fonte de harmonia? Pode ser que seja!
As grandes empresas da praça, que muito dinheiro ganham, dizem investir no entretenimento, fazem concursos nas praias para as nossas irmãs mostrarem o rabo e as maminhas e até chegam a ir às escolas secundárias, como diziam no programa “a voz do povo” na TV Miramar (acima citado), nunca fazem um concurso de declamação de poesia ou de escrita. Depois dizem descaradamente que a juventude não lê, esquecem que a leitura está ligada a motivação. Os mais velhos esquecem muito, talvez por estarem realmente a ficar velhos no sentido real da palavra.
Ao meu ver o insucesso juvenil pode estar ligado não somente as influencias já mostradas mas também a frustrações, como a falta de emprego. O jovem sente a pressão que a sociedade faz e procura refúgios, para responder às pressões sociais desenham nova identidade, fazem as músicas que os outros fazem não só por gosto mas porque é a música que a sociedade quer ouvir e valoriza. A sociedade não é estática, evolui no tempo, é por isso que a música e a cultura de hoje são diferentes das dos tempos dos nossos mais velhos. A sociedade pressiona o jovem a vestir-se e comportar-se de uma certa forma. É tanta a pressão que, se o jovem não adere, é excluído desta mesma sociedade, é considerado atrasado e fora de moda, perde acesso ao mínimo reconhecimento social e, como consequência, não consegue por exemplo ter a moça dos seus sonhos que já está com um dos nossos mais velhos que tem um carro, dinheiro que são das coisas mais valorizadas hoje pela nossa sociedade.
Tem a culpa também a globalização, que traz consigo custos cada vez menores de acesso às televisões e influências culturais externas. As drogas e o homossexualismo chegam de forma fácil, se o segundo pode ser feito via televisão, o que se pode dizer do primeiro? Como é que chega aos jovens? Quem as faz chegar?
Qual a influência mais forte no comportamento juvenil? Talvez aquela que se pode melhor controlar, a dos mais velhos – o exemplo.
Citando os 7 sapatos sujos ”... resta-nos ser verdadeiros e confessar aos mais jovens que nós também não sabemos...”, portanto, penso eu que os mais velhos têm de aceitar a sua parte de culpa na situação do jovem.
“...Mas nós fizemos parte dessa História, fomos também empobrecidos por nós próprios. A razão dos nossos actuais e futuros fracassos mora também dentro de nós.” Nós os jovens temos também a nossa culpa, aceitemos. E existem também outros culpados como a globalização e a pressão involuntária que a sociedade exerce sobre nós.
“É por isso que vale a pena aceitarmos descalçar não só os sete mas todos os sapatos que atrasam a nossa marcha colectiva. Porque a verdade é uma: antes vale andar descalço do que tropeçar com os sapatos dos outros.” O que resta saber é quem irá suportar o mau cheiro, o chulé produzido pelos sapatos sujos que afinal também estão sujos por dentro?
Como é natural, não existem regras sem excepções. Não são todos os mais velhos que se comportam da forma supracitada, não são todos os dirigentes e todas as elites, não são todos os programas televisivos que “deseducam” a juventude, não é toda cultura externa de influência negativa, não é todo jovem que tem os sapatos sujos, não são todas as pressões que a sociedade faz negativas, etc. Não nos basta descalçar os sapatos sujos, é preciso saber quem irá suportar o cheiro intenso e característico do CHULÉ DO 7º SAPATO SUJO.
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