Ideias para Debate

Thursday, April 14, 2005

À Sombra das Pirâmides

Por vezes às sapatadas, este blog vai fazendo caminho. Chegou agora ao Egipto, de onde nos chega esta contribuição:


E os Sapatos Limpos??

To sentado na minha sala em Cairo, o meu colega sai do seu quarto com uma capulana amarrada, faz-me lembrar os “mulumuzanas” da parte sul de Moçambique e na parte de cima traz uma camisete “puma”, senta-se e começa a falar sobre os “Sete Sapatos Sujos”, o tal artigo do respeitadíssimo Mia Couto que origina, depois, a reacção de muitos, mas em particular de Patrício Langa, o que a partida criou em mim uma enorme curiosidade já que me interesso muito pelos debates onde a definição do que é ser moçambicano é tema principal. Na verdade, eu tenho muitas dúvidas daquilo que eu sou porque me vejo como fruto de duas diferentes gerações: (i) a Samorista que, pelos efeitos do aperto do cinto, ajudou a criar em mim um senso de solidariedade, pois como a minha falecida tia me dizia “a pobreza é uma escola”; (ii) a “Geração de Roma”, esta que me encontra na minha adolescência a na fase em que procuro me direccionar enquanto homem, acredito eu, que começa a pensar por si. São duas gerações diferentes, a primeira é mais da capulana, mais tradicionalista, não por escolha própria, mas pelas condições que estavam a ser impostas e é mais sofrida com os efeitos da guerra por isso preocupando-se em sobreviver, enquanto que a segunda é mais do “Puma”, “Adidas”, “Nike”, por isso mais moderna, que saboreia os efeitos da paz e se preocupa em viver, ou se quisermos, “quer só curtir!”

É desta forma que eu vejo o meu Moçambique de hoje e não quero aqui trazer um discurso pessimista ou negativista porque sou optimista por natureza. Acredito que as duas gerações podem coexistir feito o meu colega que amarra a capulana e “curte” uma t-shirt puma. Na minha modesta opinião, a nova moçambicanidade (um adjectivo que teria Moçambicanismo como substantivo) tem que ser fruto da união entre os “Samoristas” e os “Romanistas” (uso esta designação para se fazer uma diferenciação com os nativos da cidade de Roma que são Romanos). Clamo por uma união que seja nacional já que se define esta como dependendo “...duma memória histórica partilhada, uma memória, ela mesma, constituída num conjunto de práticas comuns e localizadas dentro dum espaço territorialmente próximo.”[1] E esta nova identidade tem que calçar sapatos limpos, pois depois do Mia, do Langa e outros terem procurado descalçar os sujos, é hora de a moçambicanidade “gingar” com tanta beleza nos seus “pés”!

No meu humilde pensar, acredito que exista uma variedade de sapatos limpos que possam constituir o moçambicanismo de hoje, do século XXI, contudo me vou concentrar em quatro deles, mas espero que os meus compatriotas se sintam à vontade em trazerem outros sapatos limpos.

1. Discurso, Actos e Atitude Optimista

O que pretendo trazer aqui é a necessidade de procura dum discurso mais optimista, um discurso que fale de paz, que faça paz, que respire paz. É um discurso que tem que ser mais proactivo e não reactivo porque a paz tem que pressupor melhoria na atitude vis-a-vis o desenvolvimento do país. Este discurso pode reflectir-se no debate de ideias que sirvam para melhorar Moçambique à todos os níveis e tem que ser acompanhada de actos que ajudem a encurtar as várias assimetrias que se sentem no país da marrabenta.

2. Servir o País e não Servir-se do País

É deplorável ver alguém que tenha ganho uma bolsa de estudos para o exterior de Moçambique e findo a qual já não se vê voltando para o país no sentido de empregar os conhecimentos que obteve para engrandecer o “projecto Moçambique”. Com isto, quero encorajar o regresso dos quadros que estão a ser formados no exterior; quero encorajar a abraço ao patriotismo; quero encorajar o regresso à crença dos símbolos nacionais, pois os estes nos ajudam a ter uma maior pertença ao país que nos viu nascer. Por exemplo, fico triste quando vejo que a companhia aérea moçambicana, LAM, no seu logo não ostente as cores nacionais; fico triste quando exemplos que deviam ajudar na construção do tal servir Moçambique não são trazidos e tratados com devido enquadramento na sociedade moçambicana.

3. Revisitar as Instituições de Socialização

Uma vez quando na biblioteca portuguesa, aquando da nomeação para prémio nobel da literatura ao José Saramago, me lembro de ler uma frase deste que marcou o meu pensar em relação às minhas origens, e a mesma dizia “o pai do homem que eu sou é a criança que eu fui.” A primeira leitura que se pode ter desta simples mas elaborada frase é que o nosso pensar enquanto homens adultos é fruto do pensar a que tivemos acesso enquanto crianças. O que pretendo partilhar com quem leia estas linhas é o facto de eu ter olhado para a minha infância e ter encontrado mesquita, família e lazer. Assim, acredito que ao regressarmos às casas de culto e à instituição “família”, que me parecem por nós abandonadas, estaremos a ajudar a nós mesmos no criar dum moçambicano novo: mais solidário, mais humilde, mais fraterno, mais feliz, menos egoísta, mais respeitoso para com os pais e mais velhos, etc. Acredito, também, que ao diversificar o lazer, estaremos a ajudar na diminuição das imoralidades sociais. Um exemplo que me assalta à cabeça é o facto de jovens que usualmente usam os chats moçambicanos se encontrarem na sede da AEMO, passe a publicidade, para conversar e fazer amizades; acho isto muito bonito porque tenho visto partilha de várias ideias naquele local. Enfim, o que encorajo é mesmo o regresso às instituições de socialização porque estas ajudam a moralizar a sociedade e eu quero um Moçambique mais moralizado em todas às esferas.

4. Problemas Locais, Soluções Locais

Me lembro estar sentado num café em Cairo com amigos que fumavam Shisha (tabaco aromatizado parte da tradição árabe) e de repente o carvão que suporta a queima do tal tabaco ter caído e quase queimado um dos presentes. O garçon estava longe e era preciso evitar que o carvão criasse um incêndio, no que usando um dos objectos postos como cinzeiro, pude recuperar o carvão do chão para o seu lugar original. Os presentes, todos eles ocidentais, me felicitaram e lhes disse “nós cidadãos de países do Terceiro Mundo temos que nos habituar a encontrar soluções onde elas se pensam inexistentes.” Esta pequena história introduz uma grande preocupação minha: será que não se pode transformar o que aprendemos no global em tornar-se local para resolver problemas locais? Acredito que o debate em torno do sétimo sapato do Mia enquadra-se nesta minha inquietação, de forma que não vou alongar nesta discussão, apenas quero encorajar a busca do global sim, mas que o mesmo seja transformado em local para responder à inquietações e problemas locais.

Tendo dito o que disse, acredito que Moçambicanismo seria o conceito no qual seriam reconhecidas as características acima descritas num indivíduo que tenha nascido no território geográfico que se estende desde o Rovuma até ao Maputo. Afinal não somos conhecidos por sermos “maningue nices” por muitos? Então, que se promova esse moçambicanismo!

Para terminar, quero chamar atenção para o facto de eu não ser sociólogo, apenas sou um jovem preocupado em participar no debate sobre a moçambicanidade e que acredita no “projecto Moçambique”; assim, a todos que como eu, o Mia, o Langa e outros que acreditam nesse projecto envio a minha vénia, aos que não acreditam têm em mim alguém disposto a ajudar na mudança das suas mentalidades.

Abdul Manafi Mutualo

Cairo, 14 de Abril de 2005.


[1] Cf. P.A. Silverstein, Algeria in France, Indiana University Press, Bloomington and Indianapolis, 2004, p.150 e foi traduzido do ingles seguinte extracto “National unity depends on a shared historical memory, a memory itself constituted in common bodily practices and localized within a territoriality bounded space.”

1 Comments:

  • Parabéns pelo seu artigo, você esta certissímo1

    By Blogger Sandra, at 5:08 PM  

Post a Comment

<< Home