Do Cabo ao Cairo
O Patricio Langa volta ao blog para comentar a "voz discordante". Quanto mais não seja para lhe dar este pretexto de se exprimir aquele texto já ganhou o seu direito a estar no Ideias Para Debate.
Aqui vai o comentário:
REVER A COMPETÊNCIA NO DEBATE
Caro Machado da Graça
A competência do Machado da Graça em moderar debates de ideias no espaço cibernético e não só tem, com publicação do texto do Sérgio Cruz, "UmaVoz Divergente", o seu testemunho irrefutável. É preciso ser competente no debate para poder aceitar publicar argumentos, de outros, mesmo quando deles discordamos. Está de parabéns o Machado pela sábia gestão do Blog. Como disse a Maria de Lurdes Turcato o 'o blog começa a animar'.Mas, com os ânimos, vem também, por vezes, o descuido e provável perda da razão essencial de ser do debate. Argumentar.Assim justifico a necessidade de recuperar uma colectânea de textos publicados no Jornal Notícias em 2004 com o título genérico: acompetência no debate. O autor dos referidos textos dispensa apresentação, uma vez que no país, é o único que se prestou a fazer esse tipo de publicações. O Elísio Macamo merece ser homenageado pelo contributo que tem dado para melhorar a qualidade do debate na nossa sociedade, e desta forma, a sociedade.Repito melhorar a qualidade da sociedade. Porque o primeiro até já existe, porém enferma de alguns problemas sérios diagnosticados na colectânea a que me referi. Sugeria, porque não, uma segunda edição da competência no debate desta vez no blog e que servisse de guia paraorientação do debate (Comentário meu: Macamo, é possivel eu receber esses textos para publicar?).O papel do debate de ideias. Dois mil e quatro testemunhou ao lançamento de um livro com o títuloIntrodução a Leitura Sociológica. Organizado, também, pelo Elísio Macamo, onde reúne textos de vários autores, incluído um meu. Passe a publicidade.Desde livro interessa-me retirar algumas linhas, da apresentação, que nos poderão fornecer uma ideia geral da função do debate de ideias na sociedade. Sugere-se a ideia de que a sociedade se constitui no debate.Se algum dia foi apanágio dos sociólogos discutir a constituição da sociedade, hoje já não se pode dizer o mesmo. Os "mass medias" são fortes concorrentes, e há mais... Mas como refere um dos mais brilhantes cérebros que esta disciplina emprestou à nossa contemporaneidade, PierreBourdieu (1930-2002), o sociólogo tem a particularidade, que nada tem de um privilégio, de ser aquele cuja tarefa é dizer as coisas do mundo social, e de as dizer, tanto quanto possível, como elas são: nisso, nada há que não seja normal, ou até mesmo trivial.A questão é que, diagnostica Bourdieu, "espera-se do sociólogo que, à medida do profeta, dê respostas últimas e (aparentemente) sistemáticas às questões da vida ou de morte que se colocam no dia-a-dia da existência social. E lhe é recusada a função, que ele tem direito de reivindicar, como qualquer cientista, de dar respostas precisas e verificáveis apenas às questões que está em condições de colocar cientificamente: quer dizer, rompendo com as perguntas postas pelo senso comum e também pelo jornalismo. Não deve entender-se com isto que ele deva assumir o papel de perito ao serviço dos poderes... Doravente, a sociologia estará tão segura de si mesma que dirá aos políticos que não podem pretender governar em nome de universos dos quais ignorem leis de funcionamento mais elementares". Uma dessas leis, em minha opinião, é a capacidade de produzir a sociedade por via do debate de ideias. Na verdade todas as pessoas duma ou doutra maneira fazem a sociedade nas ideias que trocam sobre sua natureza. Passo a transcrever parte da apresentação a que me referi para ser o mais fiel possível ao conteúdo do texto:
Essas ideias não são perenes, assentes duma vez por todas.Com efeito,trata-se de ideias que reproduzem pontos de vista contrários, opostos, muitas vezes em conflito ou, simplesmente, ideias que revelam formas diferentes de apreender a realidade em que vivemos. São ideias que mudam porque são ultrapassadas.O que este novo elemento traz ao debate é, talvez, a importância que o sentido crítico e a competência no debate, minha ênfase, assumem como atributos de qualquer indivíduo que se preze de ser membro de uma sociedade. Na verdade, viver em sociedade, agir socialmente e lidar com outros pressupõe a capacidade de reflectir criticamente o que os nossos sentidos nos permitem apreender, mas sobretudo, a capacidade de percebermos o que os outros querem nos dizer. Fim da transcrição.
Os que me vêm acompanhando desde o início, assim como os que têm seguido o debate no blog do Machado, já devem ter se apercebido que o presente texto é uma reacção a "uma voz divergente'. A ideia não é discordar, prefiro este termo, da voz discordante por ser discordante. Mas de discordar da maneira como o discordante discorda. O discordante fere com as regras elementares da argumentação e isso tem consequências para a qualidade de debate que se vem desenvolvendo noblog. É só por essa razão que estas linhas estão sendo escritas. Na esperança de salvaguardar essa qualidade que se tem vefificado.É salutar para um debate de ideias que haja ideias discordantes. Nisso,penso, estamos de acordo. Já não diria o mesmo com relação à forma como endereçamos a discórdia.Algumas pessoas pensam que argumentar é simplesmente expôr seus preconceitos de uma forma diferente. Muitos por causa disso confundem argumentar com, discussão, uma contenda verbal. Isso não tem nada a ver com a argumentação. Argumentar, na sua definição mais simples, mais correcta, significa oferecer um conjunto de razões para sustentar uma conclusão ou dados favoráveis a uma conclusão. Portanto, não se trata apenas de afirmar um determinado ponto de vista nem uma discussão. Argumentos são tentativas de apoiar certos pontos de vista com razões. Neste sentido, argumentar não é um exercício fútil e inútil, pelo contrário, é fundamental a uma sociedade.É fundamental porque constitui a forma de empreendermos a descoberta dos melhores pontos de vista. Não me alongo mais em considerações sobre este aspecto que os textos que sugeri logo no início fazem-no com competência. O texto do Sérgio Cruz pode ser tomado como um exemplo de uma forma de argumentar que devia ser desencorajada, pelo menos, no blog, mas de preferência no país. O seu argumento apresenta alguns problemas que minam um ambiente são de debate de ideias. Para além de ter uma estrutura argumentativa problemática.Vejamos, então, como o Sérgio constrói o seu argumento, analisando a sua estrutura.A conclusão a que o Sérgio chega ao acompanhar o debate que se desenrolou após a réplica, bem intencionada, que encetei ao texto de Mia é a seguinte: Tanto o Mia, como eu, "dedicamo-nos - prefiro não usar a expressão original, destoante para o debate, porque mesmo usada metaforicamente revela-se uma escolha menos acertada - a lucubrações [minha expressão para substituir a do Sérgio] mentais sobre temas que talvez tivessem relevância nos EUA ou na Europa ou no Japão, mas para Moçambique a realidade é a seguinte.".A única razão para tamanha conclusão que o Sérgio apresenta é uma série de dados estatísticos sobre diferentes problemas que enfermam o nosso país. Nem eu, e acredito que o Mia também, em algum momento sugerimos que tais problemas não merecessem a nossa atenção. A minha percepção dos"sapatos sujos do Mia" é de que Mia debate, justamente, esses e outros problemas não mencionados pelo Sérgio no seu texto. Percorra os sapatos e verá. Sei também que Mia 'suja as mãos', para usar a expressão doSérgio, no seu trabalho como Biólogo e Ecologista. E ainda lhe sobra tempo para escrever. Estaria a concordar com o Sérgio se parasse por aqui. O Mia podia até não exercer nenhuma das profissões que acabo de mencionar, nem dedicar-se à busca de soluções para aqueles problemas que o Sérgio considera prioritários. Estaria, mesmo assim, dando um grande contributo para este país só com a sua escrita.Não vou falar de mim, este não seria o lugar apropriado para apresentaro meu curriculum. Se leu a minha carta aos bloguistas, deve ter-se apercebido que me sinto confortado com o anonimato. Não sei se lhe satisfaço a preocupação se lhe disser que me considero mero estudioso do social. Não entenda estudioso como superlativo, mais como substantivo.A noção de acção, que parece emprestar ao seu texto, leva-me a inferir,com muito esforço, porque nem diz o que entende por acção, que a reduz a exercício físico. Uma vez que, pensar, escrever, debater, sugerir caminhos, visões, que poderão ir ao encontro de soluções para os problemas que cavaca prioritários, na sua concepção, não é acção.Não fica claro no seu texto por que é que os temas que o Mia e eu debatemos só têm relevância naqueles países que aponta. Países desenvolvidos. Para o Sérgio um país pobre não tem direito a identidade?Um país com elevados índices de infecção pelo vírus de HIV/SIDA não pode debater aspectos éticos sobre a distribuição de anti-retrovirais? Sabia que a questão do estigma de que tantos são vitima, os doentes e portadores do vírus, assim como os pobres é essencialmente uma questão de identidades? O Sérgio não deve ter noção do contributo que pessoas como Mia dão no debate cultural particularmente sobre as identidades que reivindicamos como essências e por isso naturais. Demonstrar que as identidades são construídas, historicizá-las, relativizá-las, não só dá conta da dimensão real do fenómeno como pode reduzir focos de conflitos, como aqueles que graçam o nosso continente por falta desse entendimento. Vivo num país onde essa questão atravessa/ou o âmago das clivagens sociais. O apartheid não foi só resultado da brutalidade de um regime político e económico, foi também e principalmente um problema de identidades raciais. Se o objectivo era económico, o discurso ideológico que o procurava justificar era baseado nas identidades, na crença de que existem raças e que umas são superiores às outras.A insensatez que justifica a maior parte dos conflitos em África, inclusive o da 'luta pela democracia no país do Sérgio', resulta de problemas relacionados às identidades. Os dezasseis anos de "luta pela democracia" resultaram desse desprezo pelo debate de ideias.Deve estar informado sobre a bestialidade e carnificina derivada do conflito que opôs Hutus e Tutsis. Não preciso alongar-me neste tipo de exemplos para justificar a pertinência dum debate sobre as identidades.Os países que cavaca que deviam se ocupar destes assuntos, tanto o fazem, que hoje, já não correm o risco de viver situações como a de Darfur no Sudão. Por esta linha de argumentação nós sim, estamos sedentos deste tipo de debates. São também estas e outras questões queMia e eu debatemos.A fraqueza da argumentação do Sérgio resulta da falta de apresentação de razões, plausíveis, que justificam a sua conclusão de que o debate que oMia e eu iniciámos é irrelevante.Apesar da fraqueza da argumentação do Sérgio, inclusivamente com ataques pessoais, ou argumentos ad hominem a que faz apelo, o aspecto mais interessante é a contradição a que a acaba por incorrer ao entrar para este debate.O seu ponto de vista, apesar de problemático, só chegou a nós porque oSérgio, segundo a sua noção de acção, cometeu o mesmo pecado que o Mia e eu, não agiu: Pensou! Já imaginou se eu empregasse, agora, aquela expressão com que nos caracterizou para si.Seja bem-vindo ao ideias para debate, mas com competência!
Patrício Langa, Cape Town, 16/04/05
Ps: Quero aproveitar a ocasião para felicitar ao Abdul Manafi Mutualo pela sua interessante intervenção. Um dos monumentos imponetes, que não passa despercebido, a quem visita a universidade do Cabo, na RSA, é a estátua de Cecil Rhodes virada para o norte.Depois de ler o seu texto pensei no seguinte: O que Rhodes não conseguiuunir a vida inteira, o Machado conseguiu em algumas horas, através do blog. O Cabo ao Cairo.
Aquele abraço
Patricio Langa
Aqui vai o comentário:
REVER A COMPETÊNCIA NO DEBATE
Caro Machado da Graça
A competência do Machado da Graça em moderar debates de ideias no espaço cibernético e não só tem, com publicação do texto do Sérgio Cruz, "UmaVoz Divergente", o seu testemunho irrefutável. É preciso ser competente no debate para poder aceitar publicar argumentos, de outros, mesmo quando deles discordamos. Está de parabéns o Machado pela sábia gestão do Blog. Como disse a Maria de Lurdes Turcato o 'o blog começa a animar'.Mas, com os ânimos, vem também, por vezes, o descuido e provável perda da razão essencial de ser do debate. Argumentar.Assim justifico a necessidade de recuperar uma colectânea de textos publicados no Jornal Notícias em 2004 com o título genérico: acompetência no debate. O autor dos referidos textos dispensa apresentação, uma vez que no país, é o único que se prestou a fazer esse tipo de publicações. O Elísio Macamo merece ser homenageado pelo contributo que tem dado para melhorar a qualidade do debate na nossa sociedade, e desta forma, a sociedade.Repito melhorar a qualidade da sociedade. Porque o primeiro até já existe, porém enferma de alguns problemas sérios diagnosticados na colectânea a que me referi. Sugeria, porque não, uma segunda edição da competência no debate desta vez no blog e que servisse de guia paraorientação do debate (Comentário meu: Macamo, é possivel eu receber esses textos para publicar?).O papel do debate de ideias. Dois mil e quatro testemunhou ao lançamento de um livro com o títuloIntrodução a Leitura Sociológica. Organizado, também, pelo Elísio Macamo, onde reúne textos de vários autores, incluído um meu. Passe a publicidade.Desde livro interessa-me retirar algumas linhas, da apresentação, que nos poderão fornecer uma ideia geral da função do debate de ideias na sociedade. Sugere-se a ideia de que a sociedade se constitui no debate.Se algum dia foi apanágio dos sociólogos discutir a constituição da sociedade, hoje já não se pode dizer o mesmo. Os "mass medias" são fortes concorrentes, e há mais... Mas como refere um dos mais brilhantes cérebros que esta disciplina emprestou à nossa contemporaneidade, PierreBourdieu (1930-2002), o sociólogo tem a particularidade, que nada tem de um privilégio, de ser aquele cuja tarefa é dizer as coisas do mundo social, e de as dizer, tanto quanto possível, como elas são: nisso, nada há que não seja normal, ou até mesmo trivial.A questão é que, diagnostica Bourdieu, "espera-se do sociólogo que, à medida do profeta, dê respostas últimas e (aparentemente) sistemáticas às questões da vida ou de morte que se colocam no dia-a-dia da existência social. E lhe é recusada a função, que ele tem direito de reivindicar, como qualquer cientista, de dar respostas precisas e verificáveis apenas às questões que está em condições de colocar cientificamente: quer dizer, rompendo com as perguntas postas pelo senso comum e também pelo jornalismo. Não deve entender-se com isto que ele deva assumir o papel de perito ao serviço dos poderes... Doravente, a sociologia estará tão segura de si mesma que dirá aos políticos que não podem pretender governar em nome de universos dos quais ignorem leis de funcionamento mais elementares". Uma dessas leis, em minha opinião, é a capacidade de produzir a sociedade por via do debate de ideias. Na verdade todas as pessoas duma ou doutra maneira fazem a sociedade nas ideias que trocam sobre sua natureza. Passo a transcrever parte da apresentação a que me referi para ser o mais fiel possível ao conteúdo do texto:
Essas ideias não são perenes, assentes duma vez por todas.Com efeito,trata-se de ideias que reproduzem pontos de vista contrários, opostos, muitas vezes em conflito ou, simplesmente, ideias que revelam formas diferentes de apreender a realidade em que vivemos. São ideias que mudam porque são ultrapassadas.O que este novo elemento traz ao debate é, talvez, a importância que o sentido crítico e a competência no debate, minha ênfase, assumem como atributos de qualquer indivíduo que se preze de ser membro de uma sociedade. Na verdade, viver em sociedade, agir socialmente e lidar com outros pressupõe a capacidade de reflectir criticamente o que os nossos sentidos nos permitem apreender, mas sobretudo, a capacidade de percebermos o que os outros querem nos dizer. Fim da transcrição.
Os que me vêm acompanhando desde o início, assim como os que têm seguido o debate no blog do Machado, já devem ter se apercebido que o presente texto é uma reacção a "uma voz divergente'. A ideia não é discordar, prefiro este termo, da voz discordante por ser discordante. Mas de discordar da maneira como o discordante discorda. O discordante fere com as regras elementares da argumentação e isso tem consequências para a qualidade de debate que se vem desenvolvendo noblog. É só por essa razão que estas linhas estão sendo escritas. Na esperança de salvaguardar essa qualidade que se tem vefificado.É salutar para um debate de ideias que haja ideias discordantes. Nisso,penso, estamos de acordo. Já não diria o mesmo com relação à forma como endereçamos a discórdia.Algumas pessoas pensam que argumentar é simplesmente expôr seus preconceitos de uma forma diferente. Muitos por causa disso confundem argumentar com, discussão, uma contenda verbal. Isso não tem nada a ver com a argumentação. Argumentar, na sua definição mais simples, mais correcta, significa oferecer um conjunto de razões para sustentar uma conclusão ou dados favoráveis a uma conclusão. Portanto, não se trata apenas de afirmar um determinado ponto de vista nem uma discussão. Argumentos são tentativas de apoiar certos pontos de vista com razões. Neste sentido, argumentar não é um exercício fútil e inútil, pelo contrário, é fundamental a uma sociedade.É fundamental porque constitui a forma de empreendermos a descoberta dos melhores pontos de vista. Não me alongo mais em considerações sobre este aspecto que os textos que sugeri logo no início fazem-no com competência. O texto do Sérgio Cruz pode ser tomado como um exemplo de uma forma de argumentar que devia ser desencorajada, pelo menos, no blog, mas de preferência no país. O seu argumento apresenta alguns problemas que minam um ambiente são de debate de ideias. Para além de ter uma estrutura argumentativa problemática.Vejamos, então, como o Sérgio constrói o seu argumento, analisando a sua estrutura.A conclusão a que o Sérgio chega ao acompanhar o debate que se desenrolou após a réplica, bem intencionada, que encetei ao texto de Mia é a seguinte: Tanto o Mia, como eu, "dedicamo-nos - prefiro não usar a expressão original, destoante para o debate, porque mesmo usada metaforicamente revela-se uma escolha menos acertada - a lucubrações [minha expressão para substituir a do Sérgio] mentais sobre temas que talvez tivessem relevância nos EUA ou na Europa ou no Japão, mas para Moçambique a realidade é a seguinte.".A única razão para tamanha conclusão que o Sérgio apresenta é uma série de dados estatísticos sobre diferentes problemas que enfermam o nosso país. Nem eu, e acredito que o Mia também, em algum momento sugerimos que tais problemas não merecessem a nossa atenção. A minha percepção dos"sapatos sujos do Mia" é de que Mia debate, justamente, esses e outros problemas não mencionados pelo Sérgio no seu texto. Percorra os sapatos e verá. Sei também que Mia 'suja as mãos', para usar a expressão doSérgio, no seu trabalho como Biólogo e Ecologista. E ainda lhe sobra tempo para escrever. Estaria a concordar com o Sérgio se parasse por aqui. O Mia podia até não exercer nenhuma das profissões que acabo de mencionar, nem dedicar-se à busca de soluções para aqueles problemas que o Sérgio considera prioritários. Estaria, mesmo assim, dando um grande contributo para este país só com a sua escrita.Não vou falar de mim, este não seria o lugar apropriado para apresentaro meu curriculum. Se leu a minha carta aos bloguistas, deve ter-se apercebido que me sinto confortado com o anonimato. Não sei se lhe satisfaço a preocupação se lhe disser que me considero mero estudioso do social. Não entenda estudioso como superlativo, mais como substantivo.A noção de acção, que parece emprestar ao seu texto, leva-me a inferir,com muito esforço, porque nem diz o que entende por acção, que a reduz a exercício físico. Uma vez que, pensar, escrever, debater, sugerir caminhos, visões, que poderão ir ao encontro de soluções para os problemas que cavaca prioritários, na sua concepção, não é acção.Não fica claro no seu texto por que é que os temas que o Mia e eu debatemos só têm relevância naqueles países que aponta. Países desenvolvidos. Para o Sérgio um país pobre não tem direito a identidade?Um país com elevados índices de infecção pelo vírus de HIV/SIDA não pode debater aspectos éticos sobre a distribuição de anti-retrovirais? Sabia que a questão do estigma de que tantos são vitima, os doentes e portadores do vírus, assim como os pobres é essencialmente uma questão de identidades? O Sérgio não deve ter noção do contributo que pessoas como Mia dão no debate cultural particularmente sobre as identidades que reivindicamos como essências e por isso naturais. Demonstrar que as identidades são construídas, historicizá-las, relativizá-las, não só dá conta da dimensão real do fenómeno como pode reduzir focos de conflitos, como aqueles que graçam o nosso continente por falta desse entendimento. Vivo num país onde essa questão atravessa/ou o âmago das clivagens sociais. O apartheid não foi só resultado da brutalidade de um regime político e económico, foi também e principalmente um problema de identidades raciais. Se o objectivo era económico, o discurso ideológico que o procurava justificar era baseado nas identidades, na crença de que existem raças e que umas são superiores às outras.A insensatez que justifica a maior parte dos conflitos em África, inclusive o da 'luta pela democracia no país do Sérgio', resulta de problemas relacionados às identidades. Os dezasseis anos de "luta pela democracia" resultaram desse desprezo pelo debate de ideias.Deve estar informado sobre a bestialidade e carnificina derivada do conflito que opôs Hutus e Tutsis. Não preciso alongar-me neste tipo de exemplos para justificar a pertinência dum debate sobre as identidades.Os países que cavaca que deviam se ocupar destes assuntos, tanto o fazem, que hoje, já não correm o risco de viver situações como a de Darfur no Sudão. Por esta linha de argumentação nós sim, estamos sedentos deste tipo de debates. São também estas e outras questões queMia e eu debatemos.A fraqueza da argumentação do Sérgio resulta da falta de apresentação de razões, plausíveis, que justificam a sua conclusão de que o debate que oMia e eu iniciámos é irrelevante.Apesar da fraqueza da argumentação do Sérgio, inclusivamente com ataques pessoais, ou argumentos ad hominem a que faz apelo, o aspecto mais interessante é a contradição a que a acaba por incorrer ao entrar para este debate.O seu ponto de vista, apesar de problemático, só chegou a nós porque oSérgio, segundo a sua noção de acção, cometeu o mesmo pecado que o Mia e eu, não agiu: Pensou! Já imaginou se eu empregasse, agora, aquela expressão com que nos caracterizou para si.Seja bem-vindo ao ideias para debate, mas com competência!
Patrício Langa, Cape Town, 16/04/05
Ps: Quero aproveitar a ocasião para felicitar ao Abdul Manafi Mutualo pela sua interessante intervenção. Um dos monumentos imponetes, que não passa despercebido, a quem visita a universidade do Cabo, na RSA, é a estátua de Cecil Rhodes virada para o norte.Depois de ler o seu texto pensei no seguinte: O que Rhodes não conseguiuunir a vida inteira, o Machado conseguiu em algumas horas, através do blog. O Cabo ao Cairo.
Aquele abraço
Patricio Langa
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