Ideias para Debate

Thursday, April 21, 2005

Debate

Apesar de o meu amigo Teixeira ter receio de que estes textos do Elísio Macamo se transformem em regras obrigatórias do blog, vou continuar a publicá-los porque me parecem extraordinariamente pedagógicos.
A propósito, lembro o que alguém uma vez me disse sobre o Picasso. Segundo essa pessoa o grande pintor espanhol, na sua juventude, estudou a fundo a pintura dita clássica e só quando dominou as suas tecnicas se sentiu abalisado para as começar a subverter.
Para muitos de nós é ainda útil que nos ensinem as tecnicas clássicas do debate.
Aqui vai mais um texto:

A Renamo é um partido político (4)

Veja se nota a diferença entre estas três afirmações: (i) a Renamo é um partido político; (ii) a Renamo não presta; (iii) a Renamo tem que ser apoiada.
Quando pedi a uma das minhas filhas para me dizer se notava alguma diferença entre estas três afirmações ela disse-me, enigmaticamente, que só uma é que era correcta. Não me disse qual delas.
A verdade, contudo, é que cada uma destas afirmações é uma conclusão. Trata-se, todavia, de conclusões de natureza completamente diferente. Essa diferença tem implicações para a forma como as avaliamos. A primeira conclusão é factual, a segunda normativa e a terceira é uma recomendação. Portanto, temos factos no primeiro caso, valores no segundo e recomendações no terceiro.
É natural que haja diferenças na avaliação de cada uma destas conclusões. Todos nós sabemos que contra factos não há argumentos, que gostos não se discutem e que o que deve ser feito deve ser feito. A questão que se coloca, portanto, é de saber se os factos são sólidos, como se justifica o juízo de valor sobre uma determinada coisa e porque se deve fazer o que deve ser feito.
Vamos por pequenos passos.
Neste artigo vamos avaliar as conclusões factuais. Nos dois seguintes apreciaremos as conclusões normativas e as que fazem recomendações, respectivamente.
A Renamo é um partido político. Porque é que esta conclusão é factual? Simples, ela é factual porque estabelece um facto, isto é afirma o que existiu, existe ou existirá e, sobretudo, apoia-se em informação factual que pode ser verificada. A verificação pode ser por meio de estatísticas ou do testemunho duma autoridade. A expressão “contra factos não há argumentos” quer dizer mesmo isso. É fácil chegar a acordo sobre constatações como “isto é uma árvore”, “está a chover”, “ontem houve inundações no Save”, “a província de Nampula é a mais populosa de Moçambique”, etc.
Mesmo uma afirmação como “neste país a maior parte dos governantes é do sul” é factual – se for verdade – e, por isso, válida como descrição dum estado factual de coisas. A interpretação é um outro assunto, mas isso vai-nos ocupar no último artigo da série.
Quando tiramos conclusões factuais apoiamo-nos em vários alicerces. Esses alicerces devem responder a três perguntas, nomeadamente: (a) se dispomos de dados suficientes e apropriados, se (b) nos apoiamos em autoridades dignas de crédito e, finalmente, se (c) distinguimos claramente entre factos e inferências.
Podemos ver isto no caso da conclusão sobre a Renamo ser um partido político.
Que dados são necessários para fundamentar uma afirmação dessa natureza? Parece evidente que um dado muito importante é se a Renamo goza do estatuto jurídico de partido político. Para o efeito, terá que estar registada. Para se registar precisa de satisfazer certos critérios que são aceites, no nosso país, como os atributos que tornam um grupo de pessoas num partido político. Independentemente do que sentimos em relação à Renamo o facto de ela satisfazer esses critérios é suficiente para merecer a designação de partido político. O registo constitui um dado apropriado para determinar isso.
Podíamos também nos apoiar na opinião duma autoridade. Essa autoridade tem que ter competência para esse efeito. O Ministério da Justiça ou a Comissão Nacional de Eleições têm essa autoridade. A Liga Muçulmana não; o Banco Mundial não; o Parlamento Britânico não. Essas instituições podem emitir uma opinião sobre o estatuto da Renamo, mas não podem confirmar ou infirmar a facticidade desse estatuto. Já agora, nem mesmo o presidente da República, no sistema democrático que temos, tem autoridade suficiente para confirmar essa facticidade.
Por último, podíamos, com base em palpites fundamentados e claramente expostos, inferir a conclusão. Isso é legítimo. Podíamos a partir da sua apresentação pública, do seu perfil, das suas actividades e dos seus pronunciamentos considerar que se trate dum partido político. Esta inferência pressupõe, naturalmente, que tenhamos em mente critérios partilhados amplamente na sociedade. Esses critérios não podem ser subjectivos. Não podemos, por exemplo, dizer “para mim um partido político é aquele que tem uma perdiz na sua bandeira”. Bom, podemos, mas nesse caso não estaremos a tirar uma conclusão factual, mas sim a formular um juízo de valor.
O que estes critérios querem dizer deve estar claro: as únicas razões que podem fundamentar uma conclusão factual são as que acabamos de ver aqui. Não precisam de ser formuladas de cada vez que dizemos “ a Renamo é um partido político”; mas se formos chamados a defender a conclusão devem ser activadas. Só em pleno conhecimento dessas razões é que podemos tirar esse tipo de conclusões.

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