Continua a série
Aqui vai mais um texto do Elisio Macamo sobre as regras do debate:
A Renamo tem que ser apoiada (6)
Já vimos conclusões factuais e normativas. Falta mais um tipo de conclusão para fechar o capítulo sobre conclusões. A este tipo dou o nome de “recomendação” por não me ocorrer melhor rótulo. Este tipo de conclusão costuma ser uma exortação. Nela recomendamos um certo tipo de acção. É a espinha dorsal do debate político: vamos pedir ajuda; vamos reformar o aparelho do Estado; vamos criar uma unidade anti-corrupção; vamos rever a constituição, etc. No nosso país parece haver mais debate normativo – e mal – do que debate político no sentido de avaliação de cursos de acção.
Apesar da grande fanfarra que acompanha a Reforma do Sector Público há pouco debate sobre as medidas preconizadas. Debate-se, antes pelo contrário, a questão de saber se os funcionários são corruptos. Apesar do alarido que se faz à volta do alívio à pobreza não se fala das medidas em si, mas sim dos que estão a comer sozinhos. Apesar das grandes expectativas depositadas na NEPAD não se debatem os seus pressupostos; fala-se, quando se fala, de integração regional. Em suma, o nosso debate político é pobre na sua substância. É refém de opiniões. Mal fundamentadas.
O que é então uma conclusão de tipo “recomendação”? É uma conclusão que tem como premissa a ideia de que algo está mal e é necessário corrigi-lo. Esta é a forma mais simples de definir esse tipo de conclusão. A conclusão diz o que deve ser feito, mas mais importante ainda é o diagnóstico sobre o qual assenta. Esse diagnóstico é que devia informar o debate. Se a conclusão é que devemos reformar o aparelho do Estado o debate não se deve reduzir a dizer “esses não vão conseguir nada, são ladrões e corruptos”; o debate tem que ser sobre as razões que levam os decisores políticos a quererem fazer a reforma. Que leitura fizeram eles da situação? É pertinente? Convincente? Justificada?
Podemos ilustrar isto melhor com a conclusão “a Renamo tem que ser apoiada”. Temos aqui uma conclusão do tipo “recomendação”. Não é infrequente no nosso país, sobretudo da parte daqueles que acham que o país é desmesuradamente dominado por um único partido. Que diagnóstico antecede uma conclusão desta natureza? Podíamos pegar nos receios há pouco formulados e dizer, por exemplo, que a democracia moçambicana é demasiado parcial, que para se consolidar precisa não só dum governo forte como também duma oposição forte, que a oposição não é forte porque lhe faltam meios, etc. Partindo deste diagnóstico podemos, talvez, inferir que apoiando a Renamo poderíamos compensar algumas das insuficiências apontadas pelo diagnóstico.
Aí teríamos então o argumento que fundamenta a recomendação de concessão de apoio à Renamo. O debate já pode acontecer. Temos algo que está mal e uma ideia de como corrigi-la. Podíamos perguntar se de facto a nossa democracia é parcial; podíamos interpelar a premissa segundo a qual a consolidação da democracia carece duma oposição forte: será mesmo assim? Que exemplos temos? Podíamos, ainda, perguntar se a fraqueza da nossa oposição se deve à falta de meios; o que são esses meios? Finalmente, podíamos indagar se o apoio à Renamo é a melhor solução a esse problema: porque não à FUMO, MONAMO, PIMO, etc.? E o que significa “apoiar”? Dar dinheiro? Dar formação num seminário na Ilha de Inhaca financiado pela Fundação Ford? Integrar quadros da Frelimo nas fileiras da oposição?
O leitor atento vai reparar que a fundamentação duma conclusão deste tipo se apoia em conclusões factuais e normativas. Isso é legítimo. É perfeitamente legítimo justificar a necessidade de apoio à oposição com base no argumento segundo o qual já é altura de acabar com a arrogância da Frelimo ou com base no argumento segundo o qual a oposição seria fraca. Em ambos os casos não me subtraio ao dever de fundamentar as minhas conclusões. No primeiro caso tenho que proporcionar as razões que me levam a supor que a Frelimo seja arrogante assim como a pensar que isso seja um problema; no segundo caso tenho que demonstrar a fraqueza da oposição.
No fundo, debater é formar-se. Só pode debater quem está preparado para se informar. Para se informar é preciso aprender, avaliar factos, decidir se uma instituição é credível ou não. Esse processo educa. Forma. É como fazer sociologia: como é que são as coisas? Porque são como são? O que vai acontecer se forem alteradas? Vão-se alterar ou continuar na mesma? E o que significa “alterar-se” e “continuar na mesma”? Quando alguma coisa se altera, altera-se? E quando não se altera, não se altera? Debater é investigar, investigar é fazer sociologia, fazer sociologia é ser um cidadão responsável. Isso não significa, como é óbvio, que todos os moçambicanos devem fazer sociologia. Significa apenas que todos devemos desenvolver aquilo que Carlos Serra, o nosso sociólogo, chama de “mentalidade sociológica”. É a melhor forma de patriotismo que conheço.
A Renamo tem que ser apoiada (6)
Já vimos conclusões factuais e normativas. Falta mais um tipo de conclusão para fechar o capítulo sobre conclusões. A este tipo dou o nome de “recomendação” por não me ocorrer melhor rótulo. Este tipo de conclusão costuma ser uma exortação. Nela recomendamos um certo tipo de acção. É a espinha dorsal do debate político: vamos pedir ajuda; vamos reformar o aparelho do Estado; vamos criar uma unidade anti-corrupção; vamos rever a constituição, etc. No nosso país parece haver mais debate normativo – e mal – do que debate político no sentido de avaliação de cursos de acção.
Apesar da grande fanfarra que acompanha a Reforma do Sector Público há pouco debate sobre as medidas preconizadas. Debate-se, antes pelo contrário, a questão de saber se os funcionários são corruptos. Apesar do alarido que se faz à volta do alívio à pobreza não se fala das medidas em si, mas sim dos que estão a comer sozinhos. Apesar das grandes expectativas depositadas na NEPAD não se debatem os seus pressupostos; fala-se, quando se fala, de integração regional. Em suma, o nosso debate político é pobre na sua substância. É refém de opiniões. Mal fundamentadas.
O que é então uma conclusão de tipo “recomendação”? É uma conclusão que tem como premissa a ideia de que algo está mal e é necessário corrigi-lo. Esta é a forma mais simples de definir esse tipo de conclusão. A conclusão diz o que deve ser feito, mas mais importante ainda é o diagnóstico sobre o qual assenta. Esse diagnóstico é que devia informar o debate. Se a conclusão é que devemos reformar o aparelho do Estado o debate não se deve reduzir a dizer “esses não vão conseguir nada, são ladrões e corruptos”; o debate tem que ser sobre as razões que levam os decisores políticos a quererem fazer a reforma. Que leitura fizeram eles da situação? É pertinente? Convincente? Justificada?
Podemos ilustrar isto melhor com a conclusão “a Renamo tem que ser apoiada”. Temos aqui uma conclusão do tipo “recomendação”. Não é infrequente no nosso país, sobretudo da parte daqueles que acham que o país é desmesuradamente dominado por um único partido. Que diagnóstico antecede uma conclusão desta natureza? Podíamos pegar nos receios há pouco formulados e dizer, por exemplo, que a democracia moçambicana é demasiado parcial, que para se consolidar precisa não só dum governo forte como também duma oposição forte, que a oposição não é forte porque lhe faltam meios, etc. Partindo deste diagnóstico podemos, talvez, inferir que apoiando a Renamo poderíamos compensar algumas das insuficiências apontadas pelo diagnóstico.
Aí teríamos então o argumento que fundamenta a recomendação de concessão de apoio à Renamo. O debate já pode acontecer. Temos algo que está mal e uma ideia de como corrigi-la. Podíamos perguntar se de facto a nossa democracia é parcial; podíamos interpelar a premissa segundo a qual a consolidação da democracia carece duma oposição forte: será mesmo assim? Que exemplos temos? Podíamos, ainda, perguntar se a fraqueza da nossa oposição se deve à falta de meios; o que são esses meios? Finalmente, podíamos indagar se o apoio à Renamo é a melhor solução a esse problema: porque não à FUMO, MONAMO, PIMO, etc.? E o que significa “apoiar”? Dar dinheiro? Dar formação num seminário na Ilha de Inhaca financiado pela Fundação Ford? Integrar quadros da Frelimo nas fileiras da oposição?
O leitor atento vai reparar que a fundamentação duma conclusão deste tipo se apoia em conclusões factuais e normativas. Isso é legítimo. É perfeitamente legítimo justificar a necessidade de apoio à oposição com base no argumento segundo o qual já é altura de acabar com a arrogância da Frelimo ou com base no argumento segundo o qual a oposição seria fraca. Em ambos os casos não me subtraio ao dever de fundamentar as minhas conclusões. No primeiro caso tenho que proporcionar as razões que me levam a supor que a Frelimo seja arrogante assim como a pensar que isso seja um problema; no segundo caso tenho que demonstrar a fraqueza da oposição.
No fundo, debater é formar-se. Só pode debater quem está preparado para se informar. Para se informar é preciso aprender, avaliar factos, decidir se uma instituição é credível ou não. Esse processo educa. Forma. É como fazer sociologia: como é que são as coisas? Porque são como são? O que vai acontecer se forem alteradas? Vão-se alterar ou continuar na mesma? E o que significa “alterar-se” e “continuar na mesma”? Quando alguma coisa se altera, altera-se? E quando não se altera, não se altera? Debater é investigar, investigar é fazer sociologia, fazer sociologia é ser um cidadão responsável. Isso não significa, como é óbvio, que todos os moçambicanos devem fazer sociologia. Significa apenas que todos devemos desenvolver aquilo que Carlos Serra, o nosso sociólogo, chama de “mentalidade sociológica”. É a melhor forma de patriotismo que conheço.
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