Como debater
Prossegue aqui a série de textos de Elisio Macamo sobre as formas de debater:
A Renamo não presta (5)
Para uns a Renamo não presta, para outros presta. É uma questão de preferência. Preferências estão profundamente ligadas a gostos. E gostos, como sabemos, não se discutem.
Na verdade, não é bem assim. Os gostos podem muito bem se discutir. Só que a sua discussão é duma natureza diferente. Quando alguém tira uma conclusão factual podemos perguntar se as razões que apresenta são adequadas, se se apoia em alguma autoridade, etc. Gostos são conclusões normativas. Obedecem a uma lógica completamente diferente.
Faz sentido na vida partir sempre do pressuposto segundo o qual as pessoas são capazes de justificar as suas preferências. Isto é, que as pessoas têm sempre razões para fundamentar os seus gostos. Estas razões são obviamente de natureza subjectiva. Mas existem, ou melhor têm que existir. Conclusões normativas exprimem, na maior parte das vezes, uma opinião em relação a acções, crenças ou coisas. Essa opinião constitui uma apreciação. Noutros termos, quando tiramos uma conclusão normativa dizemos que uma acção, por exemplo, é boa ou má, que uma coisa é feia ou bonita ou que é desejável ou não.
Isso pressupõe, pelo menos teoricamente, que temos critérios que nos permitem chegar a essa conclusão. Ou por outra, decidimos que uma coisa é má com base num padrão que temos em mente. Esse padrão ou esses critérios são de natureza geral. Aplicamo-los ao objecto, acção ou crença que nos interessa e decidimos se eles satisfazem esses critérios. A discussão que se seguirá concentrar-se-á nesses critérios bem como na decisão sobre se eles foram satisfeitos ou não.
Vamos exemplificar a coisa com recurso à conclusão “a Renamo não presta”. Esta é uma opinião muito forte. Não é rara no debate político nacional, sobretudo na rua. Muitas vezes ninguém a desafia porque se parte do princípio de que se trata da afirmação duma verdade. Para o bem da saúde do próprio debate, porém, era bom que esta opinião fosse desafiada. Podemos partir do princípio segundo o qual quem emite esta opinião tem em mente certos critérios gerais que a Renamo não satisfaz. Por exemplo, se calhar a pessoa acha que um partido político da estatura da Renamo devia abordar as questões nacionais de forma construtiva, ter militantes capazes e não atribuir as suas derrotas à fraude. Esses podiam ser os critérios gerais. É natural que cada um deles deveria, por sua vez, também ser justificado. Por exemplo, porque um partido político deve abordar questões nacionais? E o que significa abordá-los de forma construtiva? O que são militantes capazes? Em que circunstâncias não se devem atribuir derrotas à fraude?
Respondidas estas questões seria ainda necessário verificar, por exemplo, se estes critérios são satisfeitos por outros partidos políticos. Se não o são, porquê? Não será esperar demasiado dos nossos partidos políticos duma forma geral?
Mas mais importante ainda deveria ser a análise da própria Renamo. Satisfaz ou não os critérios enumerados? Só nessa base está justificada a conclusão segundo a qual a Renamo não presta. Naturalmente, algumas pessoas não vão concordar com os critérios gerais. Elas podem sugerir que eles são vagos e não descrevem de forma adequada o que deve ser o perfil dum partido. Podem até dizer que os critérios são parciais em relação a um outro partido que, na circunstância, os satisfaria a brincar.
O que importa aqui notar é que a partir do momento em que a discussão é à volta dos critérios ela assume um outro carácter. Já não é a discussão tipicamente circular de Moçambique em que uma pessoa diz que a Renamo não presta porque não presta. É uma discussão que interpela os critérios que fundamentam uma opinião. Esse tipo de discussão é extremamente útil à democracia. Através dele forma-se uma comunidade de debate que detém, até, o potencial de produção de valores consensualmente partilhados. Que melhor coisa poderia acontecer à nossa democracia senão um consenso à volta do que faz um bom partido? Não residem precisamente aí as enormes dificuldades que temos de dialogar, de trocar ideias sobre o passado, presente e futuro do país? Não será justamente a falta de consenso sobre estes critérios que impede o debate sobre questões mais fundamentais? Não será por causa disto que procuramos refúgio em acusações de feitiçaria, isto é afirmações que ganham plausibilidade por serem bizarras? Quando falamos de corrupção, de ladrões no governo, de políticos incompetentes, etc. quais são os critérios que temos em mente? São partilhados por todos, pela maioria ou são profundamente arbitrários e subjectivos?
O debate sobre gostos não precisa de terminar com um vencedor e um vencido. É possível e perfeitamente normal que não se chegue a acordo sobre os critérios. Gostos e preferências não são factos. A questão de saber se está a chover ou não é diferente da questão de saber se a chuva é boa coisa ou não. Uma é factual, a outra é normativa. A questão de saber se a Renamo presta ou não tem dois desfechos possíveis. Podemos, com base nos critérios gerais, concordar se a Renamo os satisfaz ou não. Podemos também não concordar em relação aos critérios. O único que é profundamente insatisfatório é insistir sempre no argumento circular de que a Renamo não presta porque não presta.
A Renamo não presta (5)
Para uns a Renamo não presta, para outros presta. É uma questão de preferência. Preferências estão profundamente ligadas a gostos. E gostos, como sabemos, não se discutem.
Na verdade, não é bem assim. Os gostos podem muito bem se discutir. Só que a sua discussão é duma natureza diferente. Quando alguém tira uma conclusão factual podemos perguntar se as razões que apresenta são adequadas, se se apoia em alguma autoridade, etc. Gostos são conclusões normativas. Obedecem a uma lógica completamente diferente.
Faz sentido na vida partir sempre do pressuposto segundo o qual as pessoas são capazes de justificar as suas preferências. Isto é, que as pessoas têm sempre razões para fundamentar os seus gostos. Estas razões são obviamente de natureza subjectiva. Mas existem, ou melhor têm que existir. Conclusões normativas exprimem, na maior parte das vezes, uma opinião em relação a acções, crenças ou coisas. Essa opinião constitui uma apreciação. Noutros termos, quando tiramos uma conclusão normativa dizemos que uma acção, por exemplo, é boa ou má, que uma coisa é feia ou bonita ou que é desejável ou não.
Isso pressupõe, pelo menos teoricamente, que temos critérios que nos permitem chegar a essa conclusão. Ou por outra, decidimos que uma coisa é má com base num padrão que temos em mente. Esse padrão ou esses critérios são de natureza geral. Aplicamo-los ao objecto, acção ou crença que nos interessa e decidimos se eles satisfazem esses critérios. A discussão que se seguirá concentrar-se-á nesses critérios bem como na decisão sobre se eles foram satisfeitos ou não.
Vamos exemplificar a coisa com recurso à conclusão “a Renamo não presta”. Esta é uma opinião muito forte. Não é rara no debate político nacional, sobretudo na rua. Muitas vezes ninguém a desafia porque se parte do princípio de que se trata da afirmação duma verdade. Para o bem da saúde do próprio debate, porém, era bom que esta opinião fosse desafiada. Podemos partir do princípio segundo o qual quem emite esta opinião tem em mente certos critérios gerais que a Renamo não satisfaz. Por exemplo, se calhar a pessoa acha que um partido político da estatura da Renamo devia abordar as questões nacionais de forma construtiva, ter militantes capazes e não atribuir as suas derrotas à fraude. Esses podiam ser os critérios gerais. É natural que cada um deles deveria, por sua vez, também ser justificado. Por exemplo, porque um partido político deve abordar questões nacionais? E o que significa abordá-los de forma construtiva? O que são militantes capazes? Em que circunstâncias não se devem atribuir derrotas à fraude?
Respondidas estas questões seria ainda necessário verificar, por exemplo, se estes critérios são satisfeitos por outros partidos políticos. Se não o são, porquê? Não será esperar demasiado dos nossos partidos políticos duma forma geral?
Mas mais importante ainda deveria ser a análise da própria Renamo. Satisfaz ou não os critérios enumerados? Só nessa base está justificada a conclusão segundo a qual a Renamo não presta. Naturalmente, algumas pessoas não vão concordar com os critérios gerais. Elas podem sugerir que eles são vagos e não descrevem de forma adequada o que deve ser o perfil dum partido. Podem até dizer que os critérios são parciais em relação a um outro partido que, na circunstância, os satisfaria a brincar.
O que importa aqui notar é que a partir do momento em que a discussão é à volta dos critérios ela assume um outro carácter. Já não é a discussão tipicamente circular de Moçambique em que uma pessoa diz que a Renamo não presta porque não presta. É uma discussão que interpela os critérios que fundamentam uma opinião. Esse tipo de discussão é extremamente útil à democracia. Através dele forma-se uma comunidade de debate que detém, até, o potencial de produção de valores consensualmente partilhados. Que melhor coisa poderia acontecer à nossa democracia senão um consenso à volta do que faz um bom partido? Não residem precisamente aí as enormes dificuldades que temos de dialogar, de trocar ideias sobre o passado, presente e futuro do país? Não será justamente a falta de consenso sobre estes critérios que impede o debate sobre questões mais fundamentais? Não será por causa disto que procuramos refúgio em acusações de feitiçaria, isto é afirmações que ganham plausibilidade por serem bizarras? Quando falamos de corrupção, de ladrões no governo, de políticos incompetentes, etc. quais são os critérios que temos em mente? São partilhados por todos, pela maioria ou são profundamente arbitrários e subjectivos?
O debate sobre gostos não precisa de terminar com um vencedor e um vencido. É possível e perfeitamente normal que não se chegue a acordo sobre os critérios. Gostos e preferências não são factos. A questão de saber se está a chover ou não é diferente da questão de saber se a chuva é boa coisa ou não. Uma é factual, a outra é normativa. A questão de saber se a Renamo presta ou não tem dois desfechos possíveis. Podemos, com base nos critérios gerais, concordar se a Renamo os satisfaz ou não. Podemos também não concordar em relação aos critérios. O único que é profundamente insatisfatório é insistir sempre no argumento circular de que a Renamo não presta porque não presta.
3 Comments:
Concordo plenamente contigo que a Renamo não presta. Mas para mim, a questão mais importante e séria é: A Frelimo presta? No início do mês do Maio teremos um indicador preliminário da seriedade e da qualidade do partido em poder.
Bosse Hammarström
By Anonymous, at 8:13 AM
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