Acções concertadas
Fiquei um tempo à espera a ver se o Roberto Tibana respondia ao Elisio Macamo (post: Regresso de Elisio Macamo) mas como ele deve andar demasiado ocupado, lá pelo Gana, resolvi entrar eu nesta questão. A crítica da Lurdes de que há falta de debate no blog também serviu de incentivo.
Creio que a parte mais importante do texto de E. Macamo é a que transcrevo a seguir:
Não nego os roubos, as irregularidades eleitorais e todos os outros males que cada um de nós pode facilmente apontar no nosso país. Nego, isso sim, que a constatação da existência desses males seja também a confirmação da existência de uma acção concertada. Para isso ainda não vi nenhum argumento plausivel.
Ora há uma coisa que une esses males todos em Moçambique: a impunidade. E creio que é por aí que temos que encontrar os tais argumentos plausíveis que o Elisio Macamo reclama.
Comecemos pelas irregularidades eleitorais:
Nas eleições autárquicas ficou célebre o caso do sr. Albuquerque que, na Beira, foi apanhado com a boca na botija a falsificar editais a favor da Frelimo. Pois, apesar do flagrante delito, não lhe aconteceu absolutamente nada. Talvez porque ele afirmava, à boca cheia, que se o prendessem ele diria quem lhe deu as ordens para actuar como actuou.
Tivemos agora as eleições parlamentares e presidenciais e, por todo o lado, as irregularidades choveram, a favor da Frelimo. Alguém foi detido, acusado e condenado? Não, ninguém. Ouvi há dias que há uns fulanos da Renamo que estão detidos e vão ser julgados por irregularidades eleitorais. Da Frelimo, nada.
Vai o Macamo dizer que isto não tem nenhum significado? Que não é uma (in)acção concertada?
No caso do assalto ao dinheiro da banca, tão bem explicado pelo Joe Hanlon, quantos casos foram levados a tribunal? Nenhum. É por acaso ou porque os criminosos e os agentes da Justiça fazem todos parte da mesma "panelinha"?
Os jornais fazem, diariamente, denúncias de roubos escandalosos. Só a título de exemplo, o Savana denunciou, com pormenores, graves irregularidades do PCA da Electricidade de Moçambique. Foi ao menos aberto algum inquérito para saber se as acusações eram verdadeiras? Não, que eu saiba.
Há anos e anos que existem provas de que Moçambique é uma parte importante dos trajectos do tráfico de drogas. Já foi preso e levado a tribunal algum grande traficante? Não. Nenhum.
No famoso caso das 40 toneladas de haxixe foram apreendidos dois camiões carregados, com dois condutores e uma pessoa que acompanhava o transbordo. Pois não é espantoso que, até hoje, não se saiba onde os camiões foram carregar os contentores e onde os iam descarregar?
O Bairro Militar é conhecido e reconhecido como importante zona de venda de drogas pesadas. Já foi feita alguma coisa para reprimir, a sério, esse tráfico? Não. Chegou-se mesmo ao ponto de organizar uma ida de alguns dos principais dirigentes da área de segurança do país, fardados a rigor, pedir por favor aos traficantes que parem com o negócio.
Tem havido prisões de jovens moçambicanas que chegam do Brasil com cocaína. Há tempos houve uma que denunciou a pessoa que a tinha mandado ao Brasil. Essa pessoa confirmou mas só bastante mais tarde foi detida para, logo a seguir, ser posta em liberdade. Mas a jovem, muito provavelmente, ainda hoje está detida. Além disso os jornais foram rápidos a publicar o nome da jovem mas nunca o da mandante. É por acaso isto tudo, Elísio Macamo?
Das trapalhadas à volta dos casos Cardoso e Siba-Siba nem é bom falar. Os órgãos do Estado ligados à justiça parecem fazer todos os esforços para atrapalhar as investigações e impedir a Justiça, ao contrário do que seria a sua vocação. Ninguém lhes deu ordens para isso?
Quando o Anibalzinho foi libertado a primeira vez a B.O. estava guardada por três distintas forças, todas elas sob o comando do ministro Manhenge. Mas ele saiu quando era conveniente que saísse para não pôr em risco o filho de quem nomeou o ministro Manhenge. Não é concertado isto?
O Procurador Geral da República, nomeado pela mesma pessoa que nomeou o ministro, é famoso pela sua inacção em relação a crimes do poder. Porque é que ninguém o substitui por outro mais activo?
Ele costuma dizer que "em Moçambique ninguém está acima da lei" mas eu, baseado na nossa realidade, continuo a frase dizendo: excepto os dirigentes, militantes e simpatizantes do Partido Frelimo e seus familiares. Porque nem um só desses foi acusado e julgado, apesar de ser visível que é nessa camada que se desenvolvem os piores casos criminais.
Não é isto tudo uma inacção concertada, Elisio Macamo? Se não é, por favor explique-me por que razão o anterior Presidente da República não demitiu os dirigentes que não actuaram contra os criminosos.
Diz o povo que, quem cala, consente. Ora em todos estes aspectos o anterior Presidente manteve-se absolutamente calado.
E, já que estamos nos provérbios, amigo Macamo, recordo-lhe o outro que diz que o pior cego é aquele que não quer ver.
Percebo que seja dificil olhar para pessoas que nos habituámos a respeitar, que são nossos amigos ou mesmo familiares e pensar que se tornaram criminosos protegidos por uma poderosa rede de influências politico-económicas.
Mas negar que essa rede existe é (outra frase da sabedoria popular) tapar o sol com uma peneira.
Creio que a parte mais importante do texto de E. Macamo é a que transcrevo a seguir:
Não nego os roubos, as irregularidades eleitorais e todos os outros males que cada um de nós pode facilmente apontar no nosso país. Nego, isso sim, que a constatação da existência desses males seja também a confirmação da existência de uma acção concertada. Para isso ainda não vi nenhum argumento plausivel.
Ora há uma coisa que une esses males todos em Moçambique: a impunidade. E creio que é por aí que temos que encontrar os tais argumentos plausíveis que o Elisio Macamo reclama.
Comecemos pelas irregularidades eleitorais:
Nas eleições autárquicas ficou célebre o caso do sr. Albuquerque que, na Beira, foi apanhado com a boca na botija a falsificar editais a favor da Frelimo. Pois, apesar do flagrante delito, não lhe aconteceu absolutamente nada. Talvez porque ele afirmava, à boca cheia, que se o prendessem ele diria quem lhe deu as ordens para actuar como actuou.
Tivemos agora as eleições parlamentares e presidenciais e, por todo o lado, as irregularidades choveram, a favor da Frelimo. Alguém foi detido, acusado e condenado? Não, ninguém. Ouvi há dias que há uns fulanos da Renamo que estão detidos e vão ser julgados por irregularidades eleitorais. Da Frelimo, nada.
Vai o Macamo dizer que isto não tem nenhum significado? Que não é uma (in)acção concertada?
No caso do assalto ao dinheiro da banca, tão bem explicado pelo Joe Hanlon, quantos casos foram levados a tribunal? Nenhum. É por acaso ou porque os criminosos e os agentes da Justiça fazem todos parte da mesma "panelinha"?
Os jornais fazem, diariamente, denúncias de roubos escandalosos. Só a título de exemplo, o Savana denunciou, com pormenores, graves irregularidades do PCA da Electricidade de Moçambique. Foi ao menos aberto algum inquérito para saber se as acusações eram verdadeiras? Não, que eu saiba.
Há anos e anos que existem provas de que Moçambique é uma parte importante dos trajectos do tráfico de drogas. Já foi preso e levado a tribunal algum grande traficante? Não. Nenhum.
No famoso caso das 40 toneladas de haxixe foram apreendidos dois camiões carregados, com dois condutores e uma pessoa que acompanhava o transbordo. Pois não é espantoso que, até hoje, não se saiba onde os camiões foram carregar os contentores e onde os iam descarregar?
O Bairro Militar é conhecido e reconhecido como importante zona de venda de drogas pesadas. Já foi feita alguma coisa para reprimir, a sério, esse tráfico? Não. Chegou-se mesmo ao ponto de organizar uma ida de alguns dos principais dirigentes da área de segurança do país, fardados a rigor, pedir por favor aos traficantes que parem com o negócio.
Tem havido prisões de jovens moçambicanas que chegam do Brasil com cocaína. Há tempos houve uma que denunciou a pessoa que a tinha mandado ao Brasil. Essa pessoa confirmou mas só bastante mais tarde foi detida para, logo a seguir, ser posta em liberdade. Mas a jovem, muito provavelmente, ainda hoje está detida. Além disso os jornais foram rápidos a publicar o nome da jovem mas nunca o da mandante. É por acaso isto tudo, Elísio Macamo?
Das trapalhadas à volta dos casos Cardoso e Siba-Siba nem é bom falar. Os órgãos do Estado ligados à justiça parecem fazer todos os esforços para atrapalhar as investigações e impedir a Justiça, ao contrário do que seria a sua vocação. Ninguém lhes deu ordens para isso?
Quando o Anibalzinho foi libertado a primeira vez a B.O. estava guardada por três distintas forças, todas elas sob o comando do ministro Manhenge. Mas ele saiu quando era conveniente que saísse para não pôr em risco o filho de quem nomeou o ministro Manhenge. Não é concertado isto?
O Procurador Geral da República, nomeado pela mesma pessoa que nomeou o ministro, é famoso pela sua inacção em relação a crimes do poder. Porque é que ninguém o substitui por outro mais activo?
Ele costuma dizer que "em Moçambique ninguém está acima da lei" mas eu, baseado na nossa realidade, continuo a frase dizendo: excepto os dirigentes, militantes e simpatizantes do Partido Frelimo e seus familiares. Porque nem um só desses foi acusado e julgado, apesar de ser visível que é nessa camada que se desenvolvem os piores casos criminais.
Não é isto tudo uma inacção concertada, Elisio Macamo? Se não é, por favor explique-me por que razão o anterior Presidente da República não demitiu os dirigentes que não actuaram contra os criminosos.
Diz o povo que, quem cala, consente. Ora em todos estes aspectos o anterior Presidente manteve-se absolutamente calado.
E, já que estamos nos provérbios, amigo Macamo, recordo-lhe o outro que diz que o pior cego é aquele que não quer ver.
Percebo que seja dificil olhar para pessoas que nos habituámos a respeitar, que são nossos amigos ou mesmo familiares e pensar que se tornaram criminosos protegidos por uma poderosa rede de influências politico-económicas.
Mas negar que essa rede existe é (outra frase da sabedoria popular) tapar o sol com uma peneira.
4 Comments:
Vivo longe da realidade social moçambicana. Aqui e ali sorvo o seu cheiro, dele sequioso, carente. Portanto não tenho legitimidade para a crítica mais além da daquele que pára na montra e olha, lê. É nessa qualidade, leitor atento que dou o aplauso a este post, escrito por quem não tem um vidro a separá-lo da realidade, artesão na calçada que eu gostava de pisar. E, já agora, escrever assim.
By Carlos Gil, at 6:05 AM
Caro Machado da Graça,
Obrigado pela achega. É óbvio que neste ponto não estamos de acordo. Vejo duas razões. A primeira é semântica. Por acção concertada entendo planos urdidos por um grupo de pessoas que consistem em semear a desordem para benefício particular. Foi esta ideia que retive do texto do Roberto Tibana, retenho do seu texto, e insisto que me não satisfaz. No meu comentário ao Tibana falava duma "lógica situacional" que faz com que a desordem se reproduza por si própria. Nisto não são só os detentores do poder político e económico que estão implicados, somos todos nós, mesmo aqueles que dizem combater a corrupção. Cada um de nós procura tirar o proveito que pode dum País que está a funcionar mal. Não é correcto, mas é o que acontece, uns em mais escala que os outros. A segunda é analítica. Concordo que a impunidade é uma forte razão para supor que haja uma acção concertada. O problema é que a impunidade é também sintomática dum País com um aparelho estatal disfuncional, o que não espanta. Reconhecer que os órgãos estatais não funcionam não é aceitar que as coisas não andem. É apenas ter sensibilidade para os problemas que realmente devemos atacar. Não tenho nenhumas ilusões a respeito da integridade dos nossos governantes, nem espero pela sua moralização para que as coisas comecem a andar. O meu apelo é que insistamos, na análise dos problemas do nosso País, não na emergência de "pessoas perfeitas" - homem novo? - mas sim no funcionamento das instituições, no respeito das leis. sei que isso tudo depende de pessoas, mas esse é que é o problema: na situação em que nos encontramos é forte a tentação de cada um de nós de se aproveitar em detrimento do bem colectivo. E pior do que isso, quase ninguém escapa à essa lógica. Não é acção concertada, é o subdesenvolvimento que temos que vencer. Não sou cego, nem quero tapar nada com a peneira. Tento na medida do possível resistir à tentação de encontrar conforto imediato em teorias de conspiração. O brilho dos problemas do País é forte, mas não é olhando para as sombras que havemos de enxergar a realidade. Por mais sugestivas que sejam.
Um abraço
Elísio
By Elísio Macamo, at 1:41 AM
Caro Elisio
Não estamos mesmo de acordo.
As nossas autoridades só são incompetentes num determinado sentido. Noutro são até exageradamente competentes. Quando houve, há poucos meses, aquele incidente em Sofala com gente da Renamo, em poucas horas estava polícia lá, com blindados e equipamento pesado. Porque é que não conseguem chegar ao Bairro Militar?
Não, Elisio, não creio que seja incompetência. É muito dirigido sempre para o mesmo lado.
Lamento muito mas acho que foi mesmo inacção concertada.
Quando, no decorrer do julgamento do caso Cardoso, o procurador, que tinha chamado como testemunha, o Muthemba (ex-PCA do Banco Austral)desiste de o ouvir não foi porque ele iria desmentir o Nyimpine, que disse nunca ter trabalhado no banco? Foi coincidência?
No nosso país é a mesma pessoa que nomeia o Ministro do Interior, o Procurador Geral da República e o Presidente e Vice-Presidente do Tribunal Supremo. Quando vemos todas estas entidades a (não)funcionarem no mesmo sentido (por coincidência o sentido que convêm ao filho do tal nomeador) é coincidência?
Penso que não, Elísio, e espero que um dia a verdade venha ao de cima para ficarmos todos esclarecidos.
Machado
By Cine-clube Komba Kanema, at 5:33 AM
Caro Machado da Graça,
Também espero que a verdade, um dia, venha ao de cima. A inoperância das nossas instituições gera um clima de desconfiança que dá sustento aos receios legítimos que manifestas. Não ficaria surpreendido em saber que algumas das pessoas que devem fazer cumprir as leis não o fazem por pensarem que há por detrás de todo e qualquer acto criminoso um conluio de gente poderosa. Prefiro continuar a pensar que a melhor forma de abordar os problemas do nosso País é de não ver acções concertadas de nenhuma espécie, mas identificar os nós de estrangulamento do nosso aparelho estatal. E atacar isso. Moçambique não é o único país no mundo onde os que têm poder fazem tudo para dele se aproveitarem. A diferença, contudo, é que nos outros países as pessoas não se deixam paralisar pela ideia de que tudo depende de planos maquiavélicos urdidos pelo partido no poder. Fazem apelo à legalidade. É uma longa caminhada, mas é preciso encetá-la. Água mole...
Um abraço
Elísio
By Elísio Macamo, at 8:53 AM
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