Ideias para Debate

Tuesday, November 22, 2005

Uma voz vinda do Brasil

Do Brasil o António Cipriano Gonçalves mandou o seguinte texto:

A corrupção em Moçambique: o problema da definição

Caros compatriotas!

Cheguei tarde ao debate, pois, vendo os posts, já percebo que muita tinta rolou. Mesmo assim, como moçambicano, os problemas de Moçambique me afetam, sobretudo no âmbito psicológico (não entrarei em detalhes). Por isso não deixarei de dar a minha contribuição.

Ao ler os comentários e reflexões em torno do texto escrito por Gilberto (o nosso querido Giba), e repassado por Mangue para o blog, veio-me à recordação os debates havidos durante a graduação em Filosofia no Centro de Estudos Superiores aqui em Belo Horizonte, na virada do século XX, nas disciplinas de Lógica, Filosofia da Linguagem e Teoria de Conhecimento, sob a perspectiva da virada linguística.

Parece-me que o mesmo problema se repete no presente debate, pois, acredito que boa parte de nós somos de formação clássica e andamos todos em volta do “picante” problema sobre o conceito e a coisa, com desdobramentos na definição seja essencial, ética ou prática.

A minha pergunta, meus caros compatriotas é: tem alguma relevância definir a corrupção para depois discuti-la? Será que o conceito de corrupção me leva ao fato, tal como Elísio Macamo sugere? E, por outro lado, apresentando os exemplos de corrupção nos levariam ao conceito de corrupção, segundo consigo depreender de um dos textos do Machado da Graça?

O problema, a meu ver, é linguístico e semântico ao mesmo tempo, e a não observância desse fato, é o que levou, se assim posso dizer, a babel linguística que se instalou no blog, paralisando, de certo modo, o debate. Digo paralisar, pois Macamo defende que, pelo fato de não se encontrar uma definição essencial do termo corrupção, conclui, abusando as normas da lógica formal, que não existe corrupção em Moçambique.

No entanto, tropeça no princípio de não contradição, pois, somente o fato de afirmar que “não existe corrupção”, admite que existe um conceito que responde por corrupção. O problema que Macamo não consegue perceber é a confusão entre o conceito e a coisa. Será que somente tendo claro o conceito, este nos levaria à realidade da corrupção? E para os casos da realidade em que não se enquadram no conceito? Macamo então refugia-se nas instituições, nas pessoas, em fim, na desresponsabilização pelos problemas.

O posicionamento de Macamo em nada difere de Sócrates na sua busca pela definição essencial: o que é conhecimento, pergunta Sócrates no Teeteto. Macamo, por sua vez, pede uma definição essencial da corrupção. Além de essencial, a definição que Macamo pediu também situa-se no âmbito ético, pois diz respeito à conduta humana na sociedade, vendo pelo ângulo do Machado da Graça. Este, quando dá exemplos de corrupção, sem delimitar o conceito, em última análise, faz o papel dos interlocutores de Sócrates que, através de vários exemplos, (nunca dizendo o que é), procura uma definição satisfatória de corrupção que todos possam usá-la para aprovar ou desaprovar certas condutas. O Mangue também não sai desse círculo.

O que se busca também, nesse debate em torno de uma definição essencial do termo corrupção é uma orientação prática. Mas o conceito não nos leva à coisa. Nem as ações que alguns entendem serem nocivas poderiam nos levar a uma essência da corrupção.

A continuarmos assim, não teremos êxito, pelas razões já presentes em vários textos publicados aqui no Blog. Entramos num desacordo moral, pois os significados do termos corrupção diferem em cada um dos intervinientes.

Dou um exemplo:

Um grupo de estudantes recém formados se prepara para ensinar filosofia. Decidiram-se, então, reunir-se para discutir questões básicas relacionadas com a futura atividade. Num primeiro encontro alguém apresenta a proposta de começar com a pergunta “o que é a filosofia?”. A maioria concorda, porque parace tratar-se de uma questão básica para quaisquer outras, por exemplo, como se deve ensinar. Mas após algumas horas de discussão, como nenhuma definição satisfatória foi encontrada, o grupo decidiu passar para outras questões, na esperança de que a resposta à pergunta fundamental surja em algum momento no futuro.

Este parece ser o nosso problema em relação à corrupção, guardadas as devidas proporções.

Mas o que será que esses estudiosos de filosofia não sabiam mas julgavam necessário saber? Certamente não era o significado da palavra filosofia e muitos menos exemplos claros de filosofia. Eles estavam procurando uma essência de Filosofia, ou um conhecimento reflexo do conceito , ou uma definição de Filosofia.

Perguntaria ao Macamo: existe uma essência da corrupção, ao pedir uma definição da corrupção, condição para que se possa falar dela em Moçambique? Como não teve êxito na definição, então, conclui que a corrupção não existe em Moçambique. O que Macamo pretendia era encontrar uma essência ideal de corrupção, para podermos distinguir entre exemplos mais ou menos perfeito de corrupção, tal como Machado da Graça coloca. A essência ideal teria, para Macamo, uma relevância prática. O problema, neste caso é semântico, isto é, o significado das palavras

Mas o que está em causa em toda essa discusssão? Não é jargão acadêmico e nem o academicismo, mas sim, o enfeitiçamento pela linguagem, o vício que tomou conta de nós: entendemos que uma discussão rigorosa é impossível sem definições exatas. Nesse entendimento, admitimos que se o significado das palavras que usamos é vago, também o pensamento será vago e impreciso.

No entanto, quero chamar a atenção para o fato de empregarmos conceitos imprecisos não nos autoriza a emitir atos de fala imprecisos. E, no caso de os significados das palavras serem demasiados vagos ou ambíguos, podemos recorrer à definição estipulativa, introduzindo significados que correspondam às nossas necessidades.

Este é o ponto de vista que defendo: abandonemos o projeto de uma definição essencial em favor da estipulativa. Assim, na discussão em torno da corrupção, uma vez estipulado os signficados da palavra, segundo as nossas necessidades de comunicação, havendo a concordância entre o uso estabelecido e o uso na ocasião, talvez evitaremos o enfeitiçamento, a babel linguística e manicômio. E também estejamos cientes que haverá fatos e realidades que não serão abrangidos pelos significados estipulados do termo corrupção. É o problema da linguagem!

Desculpem as minhas imprecisões, mas penso que o debate deve continuar. E o Machado da Graça, com a provocação sobre Carlos Cardoso, penso que está apostado na continuidade do debate.

Ciprix

Belo Horizonte, Brasil

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