Passo trocado
A frase do Elisio Macamo: "em suma, em minha opinião, não há corrupção em Moçambique" lembra-me uma história que o meu pai costumava contar.
Dizia ele que um casal assistia a um desfile militar em que o filho deles era um dos soldados. E o marido comentava para a mulher: "Vão todos com o passo trocado menos o nosso António!"
Pois o bom do Elisio Macamo é como o tal soldado António. Quando toda a gente está convencida que o país está roido pela corrupção ele acha que não há corrupção em Moçambique.
Honra lhe seja pela coragem de defender uma ideia tão heterodoxa.
Machado
Dizia ele que um casal assistia a um desfile militar em que o filho deles era um dos soldados. E o marido comentava para a mulher: "Vão todos com o passo trocado menos o nosso António!"
Pois o bom do Elisio Macamo é como o tal soldado António. Quando toda a gente está convencida que o país está roido pela corrupção ele acha que não há corrupção em Moçambique.
Honra lhe seja pela coragem de defender uma ideia tão heterodoxa.
Machado
9 Comments:
Mais vale só do que mal acompanhado. Depois do que o nosso país sofreu, aprendi a desconfiar de todo o tipo de doutrina de fé. Antes de ontem marxistas; ontem pais da democracia; hoje combatentes contra a corrupcao; amanha nova ortodoxia...
By Elísio Macamo, at 2:07 PM
Caros amigos, penso que, por muito que não concordemos com a idéia de alguém, devemos concordar menos ainda com a desqualificação do outro!
By Mangue, at 3:21 PM
Caro Muthisse, como podes perceber do próprio texto - em que tiras a citação da proporção enfermeiro X paciente - e dos outros, sempre assumi que a questão (e não o problema) é complicada e complexa. Já o digo logo a seguir a essa citação. O facto de ser “... o caso mais comum em Moçambique. Quem freqüentar o banco de socorros do hospital central, há-de testemunhar a abnegação do pessoal médico e para-médico que lá trabalha. O que acontece é que os recursos disponíveis são insuficientes face à demanda”, está dentro dessa complicação. Procurei apenas fazer cortes didáticos, sabendo, de antemão, que as situações não são estanques. Ou seja, sei, por exemplo, que “é o caso mais comum em” Maputo encontrar um semáforo avariado; quase a totalidade. Mas isso não pode servir de justificativa para não tomar medidas cabíveis a quem atravessa o sinal vermelho no único semáforo que funciona, porque estas seriam medidas “draconianas sem hipótese de resolver o problema concreto”.
Aliás, quem sabe se uma análise com mais acuidade revelaria que o que aparentemente “é o caso mais comum” não passa de um culto à lentidão como forma (já estabelecida) de coerção, obrigando-nos a uma forma de estar e de ser, não de direitos, mas de privilegio. Sobre esse ponto, é interessante notar que em algumas sociedades em que isso se estabeleceu, com o tempo, os que podiam participar desses privilégios, incluindo as classe de intelectuais, deixaram de pensar em termos de direito (no sentido de que sejam de alguma forma universais ou não serão direitos), mas sim em termos da descriminalização desses actos.
Caro Macamo, penso que, cada vez mais você traz-me dados que me convencem de que há corrupção em Moçambique, na medida em que, mais de uma vez, você focou a questão da circularidade, que, a meu ver, é uma das características da corrupção: a retroatividade. Ou seja, quando ela se estabelece, entra num ciclo vicioso em que as suas causas atuam sobre os efeitos e vice-versa de forma sucessiva. Por isso que você percebe as ponderações circulares, justamente porque a minha tentativa de abordar a questão é a de seguir os passos da corrupção através dos seus actos, na tentativa de defini-la, e mostrar que ela existe, apenas isso. Agora, isso (esse palavreado, se preferir, e já me adiantando) pode não ser útil para a busca de soluções para a questão - aliás, a minha insistência em não se abordar esta questão de forma generalizada constitui hipótese, apenas – mas, da mesma forma que você alinha uma seqüência lógica de elementos que lhe mostram que ela não existe em Moçambique, a mim, essa forma de abordá-la (definição através dos seus actos), mostram-me que ela existe. Centrar-me nos actos de corrupção - embora “...demasiado prescritivas; [e estarem] a descrever o país que somos, mas sempre numa perspectiva de explicar porque as coisas são como são e como devem ser resolvidas” - permite-me não negar os factos; não retirar as bases objectivas dos mesmos: as pessoas que ficam 5 horas na bicha no hospital porque não têm os “75.000,00Mt” não são abstratas, são concretamente roubadas; as que não tiveram emprego porque não têm influências, são concretamente injustiçadas... portanto, isto existe.
Penso também que não há como fazer um caminho de desenvolvimento sem pensar no combate à essa corrupção (e nisso, a história sempre se repete: quem está a almoçar sempre acha que os outros podem esperar).
Creio que quem pensa na “moralização da sociedade”, como você designou os que incluem a dimensão humana na busca de soluções, distinguem, sim, pessoas de instituições. Penso que eles (pelo menos eu) pensam para além das instituições, sob pena de ficarem efectivamente frustrados. Sobre esta questão, lembro-me do convite que recebi para uma palestra alusiva ao mês da consciência negra no Brasil – que, diga-se de passagem, por vezes, tenho a impressão de que a necessidade de que, repetidas vezes, se tem de definir o que é preconceito; definir descriminação, etc., não passa de uma forma cerimonial de impor um “silêncio obsequioso” para que não se discuta objectivamente a má realidade vivida por essa parte do povo, o que os transforma numa designação abstrata. Mas, voltando ao convite, o texto produzido para esse evento centrava-se na questão da “libertação sem liberdade”; ou seja, entre outras, perguntava quantos dos que lutaram pela libertação não acabaram por ficar com a revolução privada, cujo ideal não era a superação do regime, mas o de eles tornarem-se patrões dos outros; eles tornarem-se, portanto, senhores dos outros, com a mesma lógica de exploração, como modelo de promoção social.
Do mesmo modo, entre nós, pergunto-me se apesar de estarmos institucionalmente independentes, não enfrentamos, ainda, a cultura de exploração. Ou seja, quantos dos que participaram da revolução do “ (...) antes de ontem marxistas [alguns deles mais marxistas que o próprio Marx, como diria José M. Lopes]; ontem país da democracia”, em nome da sua libertação, não passaram a ser os dominadores de hoje? Para quantos, os exemplos quotidianos de realização não são os mesmos dos de antes da independência; isto é, só se realiza como “homem novo” (propalado “antes de ontem”) estando ele no lugar do ex-patrão, imitando-o em quase tudo, de forma igual ou pior: seu estilo e padrão de vida, suas aspirações, etc. (exemplos podem ser vistos na forma de tratamento que recebem muitos empregados domésticos; os muitos que não têm os “75.000Mt” para a gorjeta do enfermeiro ou do servente – o patrão da vez; trabalhadores de algumas lojas; por aí afora)?
Por outras, quantas pessoas que participaram das revoluções, cuja aderência à forma de ser, enraizados nos séculos de experiência do colonizador, não permitiram que ele desenvolvesse uma consciência de si como pessoa e, como tal, como sujeito ético e moral? Por isso, precisamos de ver para além das instituições, da independência institucional, porque sem ver quem a faz, não há casa, instituição, marxismo ou democracia que resista.
(isso não quer dizer que as coisas vão mal porque a maioria é “isto” ou “aquilo”. Não tem nada ver; explicações seriam assunto de outra pauta. Também não se quer, com isso, dizer que tudo se resuma à pessoas. Mas sim que elas são parte importante no trinômio, junto com as instituições e o desenvolvimento. Pessoas, não só como indivíduos isolados, mas como sujeitos sociais, em que a sociedade é maior do que eles e, ao mesmo tempo, menor do que eles).
Por fim, a idéia não era de dizer nada de novo se não o que já havia dito. Apenas esclarecer alguns pontos do ponto de vista adiantado. Por outro lado, gostaria de referir que, pessoalmente, foi bom discutir esse tema. Diferente de alguns blogistas (não só neste e nos de Moçambique, mas em vários lugares) que pensam que debater idéias só é positivo quando se tira uma linha de ação conjunta que se deverá pôr em prática logo a seguir, penso que debater idéias contribui para a práxis, em que mais do que a teoria e, mais do que a prática, é a reflexão dessa teoria e dessa prática. Aparentemente é inútil porque, na surdina, não se fica a saber da acção prática um do outro.
By Mangue, at 3:34 PM
Caros colegas,
Fico muito contente por notar que o debate continua, apesar da ausência de uma plataforma. Aliás, o próprio debate é a plataforma. O resto seria consenso, o que Mangue muito bem critica. PL regressou ao blog (és tu Patrício?) com uma tentativa de reconciliação de posições. Acho esta atitude louvável que confirma a importância da iniciativa do Machado da Graça de abrir este espaço. O nosso País precisa disto.
O problema da intervenção do PL, contudo, é de procurar essa plataforma à custa da identificação de possíveis inconsistências no meu argumento. Por exemplo, a referência à ideia de que eu próprio já tinha definido o conceito de "corrupção" parece fazer parte disso. Não sei se concordo com isso, nem consigo perceber como é que ele chega à essa conclusão. Na verdade, o facto de dizer que aquilo que uns classificam de corrupção é na realidade outra coisa não implica que eu esteja a proporcionar uma definição da corrupção.
As minhas intervenções até aqui têm sido no sentido de saber se é correcto dar o nome de corrupção a certas coisas que acontecem no nosso país e que limites deve haver nisso. Comecei por interpelar o Mangue sobre como ele definia este conceito. Tive dificuldades em perceber o que ele escrevia e, por isso, tentava resumir e perguntava se era o que havia entendido. E mostrava que não fazia sentido. Ele ia respondendo, só que com fortes intervenções de fora de pessoas que já estavam fartas de ouvir definições para uma coisa tão clara. Para eles, não para mim. E acusaram-me de querer deitar poeira nos olhos das pessoas.
A minha insistência na definação parece ter sido sempre interpretada como recusa de reconhecer que há problemas sérios no país. apesar de ter escrito, repetidamente, que a corrupção não é o problema que dizem ser, mas mesmo assim devemos ficar preocupados, a maior preocupação no blog tem sido de querer saber de mim se há ou não há corrupção, o que torna o debate, naturalmente difícil, pois eu teria que declarar a minha própria abordagem inútil. Lembra o "é ou não é?" de Samora Machel. Há é, não é, talvez, complicado, não sei, etc. É evidente que a pergunta que o Machado da Graça me colocou, corroborado pelo Mangue, mata a minha abordagem.
E não só isso. Ela mata a reflexão sobre este assunto. À força de reconhecer a existência da corrupção só nos resta "moralizar" a sociedade ou, pior ainda, introduzir medidas inúteis como foi a criação da Unidade Anti-Corrupção. Esse reconhecimento da corrupção cria um mau ambiente no país, onde se infere que tudo seja corrupção. Li recentemente os jornais "Savana" e "O País" sobre os "PCA's". Os artigos em questão vivem da inferência da corrupção, mas nenhum deles mostra que, por exemplo, no caso da EDM tenha havido aquilo que eles chamam de corrupção. A empresa tem graves problemas, o PCA cessante teve uma gestão bastante contestada, mas nenhuma das coisas relatadas em conexão com o seu desempenho sugere a existência de corrupção, a não ser a inferência. Li um artigo no jornal Zambeze sobre problemas na emissão de passaportes e lá também é o mesmo problema. A grande sugestão é de que funcionários da migração são corruptos, mas o verdadeiro problema que é apontado nesse artigo é de burla por parte dos chamados "mukheristas". Este fim de semana estive na Suécia e aproveitei para conversar com algumas pessoas sobre o problema do MINED. Pelo que pude apurar nessas conversas informais, a acusação de corrupção parece-me demasiado exagerada. A incapacidade de justificar contas não é sinónimo de corrupção; o facto de o Ministro dar bolsas a familiares não é necessriamente corrupção se, por via disso, beneficiaram pessoas capazes, se não ficaram prejudicados melhores candidatos, etc. Chamar a tudo corrupção é uma maneira muito perniciosa de pensar os problemas do país. É não querer pensar. Sobre este último assunto (ministério da educação) espero ainda fazer um estudo académico mais apurado.
É contra os perigos deste procedimento metodológico que tenho estado a tentar alertar os meus colegas. Já que ninguém está disposto a reflectir para além da constatação simplista da existência ou não da corrupção, não tenho outro remédio senão recusar a sua existência. Não quero, obviamente, convencer ninguém sobre isto. Quero apenas abalar a certeza que a maioria tem de que está tudo claro, pois em minha opinião nada está claro.
Se corrupção é o que até aqui foi definido neste blog, então não vejo porque isso deve ganhar prioridade no nosso país. O nosso país não está mal por causa da corrupção; há o que chamam de corrupção porque o nosso país está mal. É o que está mal que deve ser atacado, não os efeitos.
Sobre pessoas e instituições prefiro mesmo não comentar. Não consigo perceber a utilidade da insistência nesse ponto. É claro que as instituições são feitas de e por pessoas. Mas é também evidente que as instituições podem ganhar autonomia pela sua força normativa e jurídica. Não vejo o problema.
By Elísio Macamo, at 8:12 AM
Caro Pinto Lobo,
Acho que agora já estamos a andar bem. Pelo menos comeco a nao me sentir sozinho. É claro que nao concordo nem com a sua ideia de que sempre houve consenso sobre causa e efeito, nem com a sugestao de que ninguém está contra a ideia de que é o país que está mal. Toda a discussao até aqui foi sobre isso!
A questao das instituicoes nao me parece ultrapassada, mas acho que o Pinto Lobo teria que me explicar o que quer dizer com isso para eu saber se estou de acordo ou nao. Coloquei no blog um artigo em que procurava identificar a origem do mal. É um pouco próximo do que diz com a única diferenca de que nao responsabilizo apenas a elite política. Isso simplifica demasiado as coisas. Para mim o problema reside na nossa condicao de dependência do auxílio externo que transforma os decisores políticos, mas também cada um de nós em artefactos da indústria do desenvolvimento. A questao das rendas vem daí. Nao é só um problema da elite política, é um problema nacional que reforcou o que em tempos, também neste blog, chamei de lógica situacional. O problema está aí, em minha opiniao. A retórica anti-corrupcao é mais um artefacto dessa indústria.
A indústria do desenvolvimento é o meu fantasma, é verdade, mas é o fantasma que apoquenta também o nosso país. Em minha opiniao. Viva o debate de ideias!
By Elísio Macamo, at 11:48 AM
Olá,
Acho que está a perceber mal: Se alguém nega a existência de Deus é porque sabe que ele existe? Se fosse assim a negação não seria possível. Logicamente. Ele nega, simplesmente, que a certos fenómenos seja atribuído esse rótulo. Essa tem sido a minha posição aqui. Considero o debate demasiado útil para perder o meu tempo a confundir as pessoas só pelo prazer de as confundir. Abalar as suas certezas, isso sim, pois considero isso crucial para uma melhor compreensão dos problemas do nosso país.
By Elísio Macamo, at 11:39 PM
????? Veja o meu "post" anterior, por favor. Ou não está satisfeito?
By Elísio Macamo, at 1:35 AM
Penso que, enquanto o Elisio Macamo não nos disser o que é, para ele, corrupçâo, a fim de podermos analisar se isso existe, ou não, em Moçambique, não há espaço para o diálogo.
Machado
By Cine-clube Komba Kanema, at 4:03 AM
Nesse caso também dou por encerrado o diálogo. Aprendi muito. Vou procurar as respostas às minhas perguntas na lei anti-corrupção, se existir. Se não existir vou achar isso muito estranho. Obrigado a todos! Um abraço.
By Elísio Macamo, at 5:16 AM
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