Ideias para Debate

Monday, November 14, 2005

Corrupção e jargão académico

Tenho estado aqui, no meu canto, calado, a assistir ao debate académico sobre a corrupção. Mas gostava de também dizer alguma coisa.
E isso porque estou a notar uma tendência para, à custa de jargão académico, se procurar insinuar que a corrupção não existe ou, se existe, não é importante para o debate nacional neste momento.
Ora eu penso exactamente o contrário.

O que está a acontecer é como se pegássemos na simples expressão 2 + 2 = 4 e a embrulhássemos em muitas palavras ( onde não poderiam faltar: Paradigma, epistemológico, orgânico e outras idênticas) para esconder a simples verdade que nos mostra que, se juntarmos duas mangas a outras duas que já temos, passamos a ter quatro mangas.

A verdade é que não acredito que os ilustres colaboradores do blog não saibam, claramente, o que é a corrupção e os males que ela representa para o país. Mas, para que não digam que não se responde à pergunta, aí vão alguns exemplos:

. Corrupção é estar num lugar de poder e, tendo que escolher entre duas possibilidades, se escolhe uma, não porque é a melhor para o país, mas porque se recebeu, por baixo da mesa, dinheiro para isso.
Por exemplo, escolher o empreiteiro X em vez do Y, que mostrava melhores qualidades.
Ora o dinheiro recebido não vai diminuir os lucros do empreiteiro, vai diminuir a qualidade da obra, assim prejudicando o país.
Ou, em alternativa, vai aumentar o preço da obra, fazendo com que o estado fique com menos dinheiro para fazer outras obras.
Acho que este é o tipo de corrupção predominante no país, em que quem detém o poder político o usa para fazer este tipo de exigências. Diria que a maioria das fortunas/relâmpago foram feitas por este caminho.

. Corrupção é, podendo decidir quem vai gozar de bolsas de estudo, escolher os seus parentes e amigos, todos com boas condições económicas, em vez de estudantes com valor mas sem dinheiro para continuar os estudos.
Com isso se faz um favor à família mas se prejudica o país, que perde a possibilidade de ter novos quadros de valôr.

. Corrupção é ter o poder para usar bens do Estado, destinados a ser usados em proveito do país, e usá-los para fins pessoais, sejam posteriormente repostos ou não.

. Corrupção é ter autoridade para punir crimes e não o fazer, mesmo tendo provas contra os criminosos, por estes serem amigos, familiares ou camaradas. Ou, pura e simplesmente, a troco de dinheiro.
Com isso se cria um clima de impunidade generalizada que passa a ser a regra geral e distorce completamente o sentido de justiça no país.

. Corrupção é fazer um cidadão andar meses a correr para uma repartição à procura de um determinado documento sem que os funcionários o consigam encontrar para, mediante um suborno, o documento aparecer imediatamente.
Os prejuizos desta prática para o país são óbvios.

. A corrupção está bem clara na frase: O cabrito come onde está amarrado. Nela se diz que uma pessoa não está num determinado cargo para trabalhar e servir o público. Está ali para se servir a si próprio de todos os benefícios a que conseguir deitar a mão. Legal ou ilegalmente.
Por exemplo, privatizar um prédio, pertencente ao Estado, a favor de um seu familiar, por preço abaixo sequer do simbólico, ou subir o seu próprio vencimento para três ou quatro vezes mais do que ganhava o anterior detentor do cargo.
E isto, ao esvair os bens do Estado para proveito particular, diminui a riqueza nacional.

Tudo isto existe, entre nós, em grandes quantidades e é uma forma de retirar dos cofres de todos nós quantias fabulosas que encontram, depois, caminho para bolsos privados. De uma forma geral para os bolsos de quem tem o poder de decidir, porque detém o poder político.

E tentar negar estas coisas e a sua enorme gravidade para o país é, apesar de todo o palavreado académico, tentar tapar o sol com a peneira. Ou, nos casos mais graves, tentar atirar-nos com poeira para os olhos.

Machado

2 Comments:

  • De facto já me estava a incomodar o silêncio do Machado, apesar de poder imaginar que estivesse a ferver lá no seu canto! Portanto, para o Machado corrupção é tudo quanto não está bem. Isto não nos ajuda em nada e a hostilidade ao jargão académico não me parece prudente porque a posição que o Machado defende é uma posição também academicamente reflectida. Está a recusar simplesmente o debate.
    Eu próprio nunca disse que a corrupção não existisse, tanto mais que tenho insistido na ideia de que não é o problema que dizem ser, mas mesmo assim devemos ficar preocupados. Estou contra o uso inflacionário, impreciso e totalitário desse termo. Sou de opinião que a nossa prioridade não deve ser o combate à corrupção, mas sim a gestão eficiente do desenvolvimento e a reforma profunda do nosso sistema político para que haja cultura de responsabilidade, debate e espaço para os que preferem o jargão académico. O combate à corrupção até aqui só criou novas formas de captura das rendas do desenvolvimento como alguns casos da Ética Moçambique mostraram. Suponho também que a Unidade Anti-Corrupção tenha tido as suas histórias. A corrupção é apenas um efeito. A corrupção faz-nos perder muito dinheiro, mas o seu combate faz-nos perder ainda mais, sobretudo, tempo. Já nos EUA alguém chegou a contabilizar isto nos anos sessenta. Foi em resultado dessa reflexão que lá se mudou a estratégia. Não há nenhum país no mundo onde as pessoas não procurem tirar proveito de situações. A solução não é apelar às pessoas para que mudem de comportamento; é tornar os procedimentos transparentes e insistir nisso. O meu primo pode ser, na verdade, melhor candidato a um emprego.

    By Blogger Elísio Macamo, at 12:00 AM  

  • 1) Gostava de perceber como se pode fazer a «gestão eficiente do desenvolvimento» sem também combater a corrupção.

    2) É a reforma do sistema político que traz a «cultura de resposabilidade»?!

    3) «Uso inflacionário, impreciso e totalitário» da corrupção! As pessoas se apropriam dos conceitos e fazem deles o uso que bem entendem. Toda a gente sabe o que é corrupção, deixemo-nos de coisas!

    By Blogger Nkhululeko, at 5:40 AM  

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