Texto do Manuel Mangue
“Mathlari hansi”, como seria no sul, o apelo pela calma.
Creio que num aspecto, o Machado tem razão. Quanto à corrupção, a tentativa do Macamo de definir “por exclusão”, não está a dar certo. Ou seja, ele já disse o que não era corrupção, negando, inclusive, os exemplos apresentados. Apresentou-nos uma outra seqüência lógica de factos em que também sugere não haver nisso corrupção, mas sim o “mau funcionamento das instituições” (o que eu já havia alertado quanto ao eufemismo); ou “... arranjos feitos com aqueles que podem tomar decisões [...] [ou ainda] estabilização das oportunidades de apropriação dos recursos externos”.
Assim sendo, perguntaria ao Macamo o que seria, então, corrupção.
Parece-me que quando iniciamos este debate, foram adiantadas algumas prováveis causas, nuances e possíveis soluções (partindo do princípio de que todos, de uma ou de outra forma, soubéssemos do que se tratava – o que não se mostrou verdadeiro), ao que foi-nos solicitada a definição. Porém, parece-me haver uma desconexão entre as respostas, porque, enquanto uns falam do que é, o outro fala do porque é!! há níveis distintos de debate.
Mas, chamou-me atenção o exemplo da unidade hospitalar apresentada num dos comentários pelo Muthisse. Como se combate aquela gorjeta?
Na verdade, quando apresentei a corrupção em pelo menos dois ângulos, tinha a intenção de evitar a generalização do fenômeno e, por conseqüência, a generalização das formas e ferramentas de combate, correndo o risco de promiscuí-las, usando “canhões para matar mosquitos”. Daí a importância de distinguir os vários níveis, fazendo-os corresponder aos respectivos “remédios” e, por sua vez, às respectivas “doses”.
A meu ver, nem todo o roubo é corrupção - embora toda a corrupção seja, em si, um roubo - visto que nem todo o acto de apropriação indébita perverte (embora comprometa) a lógica subseqüente (em relação à lógica ordinária). No entanto, o caso apresentado pelo Muthisse é um caso inequívoco de corrupção que estaria no primeiro ângulo por mim apresentado: situacional, esporádico e oportunista. As circunstâncias fazem a corrupção: atendimento deficitário; o aparecimento de um corruptor (no caso, o disposto a pagar); e o corrupto de plantão. É situacional porque já estavam muitos que também queriam atendimento e que, no entanto, não queriam ou, sobretudo, não tinham os referidos 75.000 Mt, até aparecer alguém que os tinha. Por outro lado, de uma ou de outra forma, “mal e porcamente”, as pessoas seriam atendidas. Essa possibilidade, de um atendimento, ainda é colocada (se for a tempo, em se tratando de um hospital).
Qual é a saída: sem dúvida, cabe um processo administrativo e outro criminal contra os envolvidos. Por vezes a troca do responsável pela “repartição” e punição exemplar dos envolvidos ajudam. Mas antes, é preciso estar-se certo de que o órgão de tutela ofereceu as condições próximas do ideal de trabalho. Há estudos confiáveis que determinam a proporção aceitável enfermeiro X paciente; médico X paciente (não sei se existem para as especificidades de Moçambique). Se não houver tais condições, uma semana depois ter-se-á que abrir novos processos, e não adianta trocar um diretor por outro (se não for para criar tais condições), seja ele “mão de ferro” ou não.
Deve ser um pouco mais complicado que isso. Mas, no momento, a minha intenção é mostrar também o outro lado; o outro ângulo, portanto, em que a situação (que se torna pré-estabelecida) determina que sem os referidos 75.000 Mt as pessoas não sejam atendidas. Isto é, estabelece-se uma espécie de “boicote moral” que força o atendimento mediante o pagamento de tal quantia (claro que esse valor seria só para os primeiros meses, porque apareceria um que buscaria novo privilégio e, com isso, estabeleceria novo patamar, 100.000Mt, e assim sucessivamente).
A lógica aqui passa a ser o aperfeiçoamento dos mecanismos de lentidão para “legitimar” a usurpação; aqui os funcionários é que são corruptores. Isto é, enquanto que no outro ângulo uns pagam para serem atendidos, aqui, os funcionários cobram para atender e, sobretudo, só se é atendido nessa condição. Por outra, fica difícil distinguir o corrupto do corruptor, uma vez que o corrupto hospeda em si o corruptor e vice-versa. As pessoas, por sua vez e de um modo geral, introjectam esse esquema. Não estar no esquema, passa a ser entendido como subversão.
Ou seja, um exemplo hipotético, em que uma instituição A estabelece uma série de procedimentos para se ter uma bolsa de estudos; procedimentos estes que implicam numa série de autorizações até ao chefe do sector de bolsas, que anunciará a falta de financiamento para tal. No entanto, no mesmo período que o indivíduo B, que reuniu tais autorizações e, não obstante, não obteve sucesso, sabe-se que um outro individuo, o C, que inclusive não pertencia à instituição, fora contemplado. Mais ainda, de todos os que usaram dos procedimentos ordinários, nenhum deles foi contemplado.
E aqui? Há que demitir o chefe do setor de bolsas? Mas o indivíduo C, o que conseguiu, é “chegado” do director da filial 3 da instituição!!...
Este caso (até mal contado por questões de preguiça, confesso) mostra o porquê do fracasso da “dança dos PCA’s”, na medida em que eles deixam ou são impedidos de ser indivíduos e passam a ser peças de engrenagens que movem o esquema de forma independente das pessoas (como indivíduos) que dele participam.
Descoberto este esquema (que é apenas estória hipotética, visto que não tem como ocorrer isso em Moçambique: qualquer semelhança, mera coincidência) não se podem aplicar as mesmas medidas do ângulo anterior. Não cabe um processo administrativo e criminal para um e para o outro, apenas. Enquanto que no outro, muito mal, mas ainda podem ser identificados procedimentos ordinários de atendimento, e de forma oportunista apareça o corrupto, neste último, é um caso de seqüestro moral e dos direitos dos indivíduos, na medida em que a forma ordinária não lhes serve para absolutamente nada.
Vejo a saída, na verdade, entre os “subversivos”. Sem dúvida são necessárias mudanças estruturais, que devem atingir não só o chefe do sector de bolsas, seu director, director da filiar 3, etc.
Enfim, acho que é preciso categorizar os vários níveis desses “atentados”, para se encontrarem as armas adequadas. De nada adiantam as generalizações quanto às causas e soluções. Se o contabilista ou o médico do hospital apropriou-se do dinheiro que não lhe cabia (sem ligação com o esquema de “lentidão deliberada” ou alguma outra lógica perversa – pervertida melhor dizendo), não serão necessárias reformas estruturais; revisão do código penal; reforçar os sistemas democráticos, etc. A “arma” ou o “remédio” é mais específico. Talvez, reunindo-os por níveis, dê para determinar o “remédio” e, dentro de cada nível, as “doses”.
Última questão, falou-se de se constituírem sistemas verdadeiramente democráticos (efectivos, sólidos, etc.). Acho bom. Mas, a meu ver, antes dos sistemas, os homens democráticos são melhores ainda (neste caso, a ordem dos factores altera o produto).
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