Ideias para Debate

Wednesday, November 16, 2005

A ver se nos entendemos

Várias têm sido as intervenções à volta deste tema da corrupção e vou ver se toco nos pontos todos, embora, pelo tamanho e profundidade, os dois textos do Elisio Macamo (nos comentários ao meu anterior post e no novo texto) apareçam naturalmente com maior destaque.

E, para começar, gostaria que o Elisio Macamo deixasse de me atribuir opiniões que nada nos meus escritos justifica. Por exemplo a sua frase "na acepção bastante inflaccionária do termo corrupção preferida pelo Machado da Graça" é abusiva e despropositada. Era preferivel que o Macamo fosse à série de exemplos de corrupção que dei, há dias, e explicasse por a+ b a razão porque aquilo não é corrupção.
Talvez eu concorde com ele quando diz que no blog tem surgido uma "definição desajeitada de corrupção" se interpretarmos isso como uma auto-crítica.
Mas o Macamo refugia-se permanentemente nos terrenos da teoria fugindo do concreto como o diabo da cruz.

Eu creio que a questão mais pertinente foi colocada pelo Pinto Lobo. O problema são as pessoas. Porque todas as estruturas constituintes do sistema político são formadas por pessoas. Curiosamente pessoas pertencentes todas a um mesmo partido político.
Embora depois tenha emendado a mão o Elisio Macamo tinha afirmado que "as pessoas são o problema menor" ressalvando, com marotice, que se exceptuam as pessoas, como eu, que barafustam e gritam quando sentem que estão a ser roubadas. Pela lógica da frase estas últimas pessoas serão um problema maior. Também o Carlos Cardoso era um problema maior deste mesmo tipo...

Nas suas propostas, muitas das quais bastante válidas, o Elisio Macamo utiliza como sujeito da frase o "se" (não sei se isto é gramaticalmente correcto, mas não faz mal). Deve-se fazer isto, deve-se criar aquilo, deve-se influenciar neste sentido ou no outro.
Mas quem é esse se?

Falando de apelos morais, indignação e fatalismo o Elisio pergunta se devemos mudar os corruptos. Eu diria que não temos que mudar os corruptos, temos que constituir uma alternativa de não corruptos que possa substituir os corruptos. E,por alternativa, não estou a falar, lógicamente, da Renamo. Estou a dizer que é mais do que tempo que as pessoas honestas deste país se unam à volta de um projecto de cidadania que possa ser alternativa real aos que hoje nos desgovernam.

Numa parte do seu texto, particularmente desagradável, Elisio Macamo dedicou-se a atirar lama à dra. Isabel Rupia. Embora a conheça muitíssimo mal (estivemos uma vez numa mesma mesa redonda) e ela me não tenha passado mandato de resposta, sempre lhe direi que ela não foi assassinada mas sofreu um atentado de que escapou por a arma do bandido se ter encravado. E, segundo a imprensa, tinha preparados processos contra uma série de pessoas, incluindo ministros, ex-ministros e outras individualidades.
Só que, disseram-me ontem, foi posta a correr a tese de que a Unidade Anti-Corrupção não era legal e, consequentemente, os processos por ela preparados não podem ir para a frente.
Se este boato for verdadeiro, então o abandalhamento é total e sem ponta de vergonha.
Quanto ao facto de a UAC ser mais uma oportunidade de viver à grande, não sei que bases o Elisio Macamo tem para a afirmação. Eu ouvi falar de salários em atraso e falta de condições de trabalho, mas talvez eu esteja enganado.

E passo ao exemplo que o Macamo dá sobre a limpeza das ruas. Diz ele que os moradores têm que saber "quem é o responsavel pela limpeza e existem mecanismos para obrigar essa pessoa a fazer o que deve fazer".
Pois, no caso de Maputo, trata-se do Dr. Schwalbach. Que devemos nós fazer, então?

Em relação à falta de importância que os nossos impostos têm na economia do país, eu gostaria que o Macamo se esforçasse mais a defender essa tese a ver se o governo acaba de uma vez por todas com a obrigatoriedade do seu pagamento. A mim e à minha empresa eles pesam de forma insuportável.

Para terminar, diria que cada um de nós tem os seus fantasmas. O meu será a corrupção, o dele é a indústria do desenvolvimento.
Não me sinto suficientemente abalisado para comentar o fantasma dele. Muito do que diz faz sentido, embora não apresente alternativas.
Acho, no entanto, estranha a insistência com que ele procura voltar a meter na garrafa o meu fantasma. Fantasma que esteve muito tempo fechado mas que agora, totalmente documentado e com casos concretos, muito dificilmente se deixará engarrafar de novo


Machado

5 Comments:

  • Caro Machado, quando o tom começa a ficar agressivo é porque os argumentos também começam a rarear. Teria ficado melhor pedir que não interpretasse mal o que dizes sem, contudo, no mesmo fôlego, considerar auto-crítica o meu comentário sobre a forma desajeitada como se define o termo corrupção neste blog e, sobretudo, sem insinuações irrelevantes sobre a gramática. Tens que reconhecer que a forma como defines a corrupção é demasiado geral para que esse termo seja de facto útil. Os teus impostos não desaparecem por aí por causa da corrupção, mas sim porque as nossas instituições funcionam mal. Sabes também que é ridículo dizer que porque são irrelevantes o governo devia deixar de os cobrar. Eu queria apenas chamar-te atenção para o facto de que a tua condição de contribuinte não tem nenhuma influência sobre o teu estatuto de cidadão. E por mais que não queiras ver a coisa, sem um sistema político alicerçado numa relação mais estrutural entre o cidadão e o estado as chances de combater o que tu chamas de corrupção com sucesso são muito limitadas. Limitadíssimas.
    Gostava de saber o que consegues aproveitar do que eu sugeri. Não me parece muito, pois o essencial do meu comentário sobre a responsabilização ficou perdido na indignação que informa a tua reacção e a tua abordagem deste tema. A verdadeira tragédia do nosso sistema político reside justamente aí: sabemos quem é o vereador, e mesmo assim não temos meios de o responsabilizar. É aí onde devemos concentrar a nossa reflexão, não na substituição dos que nos governam mal.
    Gostava de te pedir que parasses de falar de linguagem ou textos teóricos, pois sabes muito bem que tudo quanto escrevi até aqui não contém sequer uma única referência à linguagem académica. E a prova disso é que tu pareces perceber e, suponho, as outras pessoas que visitam a tua página também. Essa é uma maneira de recusar o debate.
    Sobre fantasmas: os meus são melhores e um dia quando te prontificares a discutir estes assuntos com maior abertura de espírito vais perceber. Não há, em minha opinião, pior coisa do que gastar recursos e energia em problemas mal definidos. A anti-corrupção, infelizmente, é um deles.

    By Blogger Elísio Macamo, at 9:37 AM  

  • Elisio

    Volto a dizer que tu foges sistematicamente do concreto.
    Se não gostas das minhas definições de corrupção define tu o que isso é.
    E espero que não seja para dizeres que tal coisa não existe.
    Quanto ao comentário sobre a gramática queria pura e simplesmente dizer que não estou certo que SE, naquelas frases, é o sujeito.
    A respeito da minha irritação, uma das coisas de que não gosto, num debate, é que me ponham coisas na boca, que eu não disse, para depois rebater essas coisas.
    Volto a perguntar: dos exemplos que dei há alguma coisa que não seja corrupção?

    Machado

    By Blogger Cine-clube Komba Kanema, at 9:12 PM  

  • Caro Machado,
    O que tenho estado a tentar dizer-te é que o que tu consideras "o concreto" é justamente o problema. Tornas as coisas demasiado simplistas quando queres que eu diga se o que tu enumeraste é corrupção ou não. Pois bem, nenhuma das coisas por ti enumeradas é corrupção. A corrupção está apenas na inferência que tu fazes. Tu forças as pessoas a concluirem que sempre que as coisas andarem mal é porque houve corrupção. Esta tendência de querer imperiosamente reduzir tudo à "corrupção" é que me leva a supor que para ti corrupção seja tudo.
    Ora, eu acho que isso é mau para a própria saúde do debate sobre os problemas que o nosso país enfrenta e é até mau para as nossas tentativas de encontrar soluções.
    Aproveito, agora, para insistir na questão da Unidade Anti-Corrupção. Não achas estranho que depois de tanto tempo, só agora é que se comece a dizer que há casos que estavam para ir a tribunal? Achas mesmo que as pessoas que suspeitas de serem corruptas são assim tão estúpidas ao ponto de pensarem que a mera substituição de uma pessoa vai abafar a coisa, sobretudo quando essas pessoas têm, na tua opinião, o poder de impedir o funcionamento dos tribunais? O meu problema com o discurso anti-corrupção é que vive de teorias de conspiração e, por essa via, impede-nos de discutir o que é realmente importante. Ao invés de andarmos a supor que essa senhora tenha sido vítima das maquinações dos detentores do poder devíamos exigir que ela prestasse contas agora, que dissesse publicamente porque não fez mais do que fez, o que lhe faltou, como trabalhava, o que tem que ser melhorado no tal combate à corrupção, etc. Ela deve-nos isso, independentemente das circunstâncias em que teve que parar de trabalhar. É a isto que chamo de cultura de responsabilidade, condição essencial para o exercício da cidadania que tu mencionaste sem explicar. Esse silêncio incomoda-me, mas acho-o sintomático das contradições desta cruzada moral mal dirigida.
    Abraços

    By Blogger Elísio Macamo, at 11:36 PM  

  • Por qualquer razão tecnológica que não entendo, não consigo meter novos posts.
    Para não atrasar meto aqui o texto que recebi do Manuel Mengue:

    “Mathlari hansi”, como seria no sul, o apela pela calma.

    Creio que num aspecto, o Machado tem razão. Quanto à corrupção, a tentativa do Macamo de definir “por exclusão”, não está a dar certo. Ou seja, ele já disse o que não era corrupção, negando, inclusive, os exemplos apresentados. Apresentou-nos uma outra seqüência lógica de factos em que também sugere não haver nisso corrupção, mas sim o “mau funcionamento das instituições” (o que eu já havia alertado quanto ao eufemismo); ou “... arranjos feitos com aqueles que podem tomar decisões [...] [ou ainda] estabilização das oportunidades de apropriação dos recursos externos”.

    Assim sendo, perguntaria ao Macamo o que seria, então, corrupção.

    Parece-me que quando iniciamos este debate, foram adiantadas algumas prováveis causas, nuances e possíveis soluções (partindo do princípio de que todos, de uma ou de outra forma, soubéssemos do que se tratava – o que não se mostrou verdadeiro), ao que foi-nos solicitada a definição. Porém, parece-me haver uma desconexão entre as respostas, porque, enquanto uns falam do que é, o outro fala do porque é!! há níveis distintos de debate.

    Mas, chamou-me atenção o exemplo da unidade hospitalar apresentada num dos comentários pelo Muthisse. Como se combate aquela gorjeta?

    Na verdade, quando apresentei a corrupção em pelo menos dois ângulos, tinha a intenção de evitar a generalização do fenômeno e, por conseqüência, a generalização das formas e ferramentas de combate, correndo o risco de promiscuí-las, usando “canhões para matar mosquitos”. Daí a importância de distinguir os vários níveis, fazendo-os corresponder aos respectivos “remédios” e, por sua vez, às respectivas “doses”.

    A meu ver, nem todo o roubo é corrupção - embora toda a corrupção seja, em si, um roubo - visto que nem todo o acto de apropriação indébita perverte (embora comprometa) a lógica subseqüente (em relação à lógica ordinária). No entanto, o caso apresentado pelo Muthisse é um caso inequívoco de corrupção que estaria no primeiro ângulo por mim apresentado: situacional, esporádico e oportunista. As circunstâncias fazem a corrupção: atendimento deficitário; o aparecimento de um corruptor (no caso, o disposto a pagar); e o corrupto de plantão. É situacional porque já estavam muitos que também queriam atendimento e que, no entanto, não queriam ou, sobretudo, não tinham os referidos 75.000 Mt, até aparecer alguém que os tinha. Por outro lado, de uma ou de outra forma, “mal e porcamente”, as pessoas seriam atendidas. Essa possibilidade, de um atendimento, ainda é colocada (se for a tempo, em se tratando de um hospital).

    Qual é a saída: sem dúvida, cabe um processo administrativo e outro criminal contra os envolvidos. Por vezes a troca do responsável pela “repartição” e punição exemplar dos envolvidos ajudam. Mas antes, é preciso estar-se certo de que o órgão de tutela ofereceu as condições próximas do ideal de trabalho. Há estudos confiáveis que determinam a proporção aceitável enfermeiro X paciente; médico X paciente (não sei se existem para as especificidades de Moçambique). Se não houver tais condições, uma semana depois ter-se-á que abrir novos processos, e não adianta trocar um diretor por outro (se não for para criar tais condições), seja ele “mão de ferro” ou não.

    Deve ser um pouco mais complicado que isso. Mas, no momento, a minha intenção é mostrar também o outro lado; o outro ângulo, portanto, em que a situação (que se torna pré-estabelecida) determina que sem os referidos 75.000 Mt as pessoas não sejam atendidas. Isto é, estabelece-se uma espécie de “boicote moral” que força o atendimento mediante o pagamento de tal quantia (claro que esse valor seria só para os primeiros meses, porque apareceria um que buscaria novo privilégio e, com isso, estabeleceria novo patamar, 100.000Mt, e assim sucessivamente).

    A lógica aqui passa a ser o aperfeiçoamento dos mecanismos de lentidão para “legitimar” a usurpação; aqui os funcionários é que são corruptores. Isto é, enquanto que no outro ângulo uns pagam para serem atendidos, aqui, os funcionários cobram para atender e, sobretudo, só se é atendido nessa condição. Por outra, fica difícil distinguir o corrupto do corruptor, uma vez que o corrupto hospeda em si o corruptor e vice-versa. As pessoas, por sua vez e de um modo geral, introjectam esse esquema. Não estar no esquema, passa a ser entendido como subversão.

    Ou seja, um exemplo hipotético, em que uma instituição A estabelece uma série de procedimentos para se ter uma bolsa de estudos; procedimentos estes que implicam numa série de autorizações até ao chefe do sector de bolsas, que anunciará a falta de financiamento para tal. No entanto, no mesmo período que o indivíduo B, que reuniu tais autorizações e, não obstante, não obteve sucesso, sabe-se que um outro individuo, o C, que inclusive não pertencia à instituição, fora contemplado. Mais ainda, de todos os que usaram dos procedimentos ordinários, nenhum deles foi contemplado.

    E aqui? Há que demitir o chefe do setor de bolsas? Mas o indivíduo C, o que conseguiu, é “chegado” do director da filial 3 da instituição!!...

    Este caso (até mal contado por questões de preguiça, confesso) mostra o porquê do fracasso da “dança dos PCA’s”, na medida em que eles deixam ou são impedidos de ser indivíduos e passam a ser peças de engrenagens que movem o esquema de forma independente das pessoas (como indivíduos) que dele participam.

    Descoberto este esquema (que é apenas estória hipotética, visto que não tem como ocorrer isso em Moçambique: qualquer semelhança, mera coincidência) não se podem aplicar as mesmas medidas do ângulo anterior. Não cabe um processo administrativo e criminal para um e para o outro, apenas. Enquanto que no outro, muito mal, mas ainda podem ser identificados procedimentos ordinários de atendimento, e de forma oportunista apareça o corrupto, neste último, é um caso de seqüestro moral e dos direitos dos indivíduos, na medida em que a forma ordinária não lhes serve para absolutamente nada.

    Vejo a saída, na verdade, entre os “subversivos”. Sem dúvida são necessárias mudanças estruturais, que devem atingir não só o chefe do sector de bolsas, seu director, director da filiar 3, etc.

    Enfim, acho que é preciso categorizar os vários níveis desses “atentados”, para se encontrarem as armas adequadas. De nada adiantam as generalizações quanto às causas e soluções. Se o contabilista ou o médico do hospital apropriou-se do dinheiro que não lhe cabia (sem ligação com o esquema de “lentidão deliberada” ou alguma outra lógica perversa – pervertida melhor dizendo), não serão necessárias reformas estruturais; revisão do código penal; reforçar os sistemas democráticos, etc. A “arma” ou o “remédio” é mais específico. Talvez, reunindo-os por níveis, dê para determinar o “remédio” e, dentro de cada nível, as “doses”.
    Última questão, falou-se de se constituírem sistemas verdadeiramente democráticos (efectivos, sólidos, etc.). Acho bom. Mas, a meu ver, antes dos sistemas, os homens democráticos são melhores ainda (neste caso, a ordem dos factores altera o produto).

    By Blogger Cine-clube Komba Kanema, at 4:10 AM  

  • Há dias apresentei alguns exemplos do que eu considero corrupção.
    O Elisio Macamo vem agora dizer que, na opinião dele, nenhum daqueles exemplos é corrupção.
    Para mim isto significa o fim do diálogo, na medida em que não existe
    um patamar comum de conceitos que permita avançar na discussão.
    Ele continua a não definir o que, para ele, é corrupção, permitindo a inferência de que nada, para ele, é corrupção.
    E assim não há diálogo possivel.

    Amigos como antes.

    Machado

    By Blogger Cine-clube Komba Kanema, at 4:17 AM  

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