Ainda as definições
O Patricio Langa entra também no debate:
Do problema da definição a definição do problema.
Tenho estado a acompanhar este debate sem, no entanto, emitir a minha
opinião. Diante dos últimos desenvolvimentos no debate acho pertinente a
presente intervenção.
Acho que o Elísio Macamo esta ser mal compreendido. Sem querer resumir as
diferentes posições que tem sido adoptadas representadas basicamente pelo
Elisio, por um lado e o Machado, por outro lado, gostava de me referir ao
último comentário no blog, o do CIPRIX.
Não consigo perceber da leitura que efectuei dos textos do Elisío em que
momento ele sugere que se busque por uma definição “essencial-ista” para o
termo corrupção. Assim sendo, não vejo necessidade do recurso a filosofia da
linguagem e todas as outras disciplinas mencionadas pelo caro CIPRIX. Quando
o Elísio clama pela clarificação do que chamamos por corrupção esta apenas,
no meu entender, a fazer um exercício básico necessário a qualquer debate
que se quer racional. O que estamos a dizer quando dizemos corrupção? O
mesmo exercício fê-lo Durkheim com relação ao termo suicídio. A que conjunto
de fenómenos refere o termo suicídio? Quais as características (indicadores)
da presença desse fenómeno? Esse tipo de perguntas abala a certeza que
pensamos ter sobre certos fenómenos. Aquilo que nos parecia tão familiar,
afinal, não é bem assim. Colocar esse tipo de perguntas não é buscar
essência alguma. Estamos, em linguagem simples, a criar condições para que
tenhamos um conceito que nos permita, então, estabelecer os critérios que
definem a existência desse fenómeno. Quando o Elisio, de forma ousada,
declara a não existência da corrupção está a simplesmente a dizer que neste
debate não saímos ainda do uso quotidiano e sem algum rigor do termo. Isso
dificulta, se não mesmo, impossibilita um debate sério. Um termo corrompido
pelo seu uso quotidiano, significando coisas que não conseguimos já delimitá-
las. É imprescindível esse exercício sob pena de não haver um acordo sobre o
que se esta a falar.
Ainda que não considerando o que acabo de expor no parágrafo anterior,
considero que a proposta do Elísio vá para além da simples definição do
termo corrupção. A sugestão no meu entender é de definirmos aquilo que
chamamos de corrupção como um problema essencial que afecta o nosso país e
que por isso merece toda prioridade. Não só não está claro ainda o que
designamos por corrupção, assim como porque essa tal coisa deve constituir o
problema central a atacar para que nosso país se desenvolva. Portanto, não
se trata de um problema de definição mais da definição do problema.
E fico por aqui.
Patrício Langa
Maputo, 23/11/05
7 Comments:
Patricio
Ao dizer-nos que em Moçambique não há corrupção, o Elisio está-nos a dizer que sabe o que é corrupção e ISSO não existe em Moçambique.
Só que, até ao momento, não nos disse o que é ISSO para ele de forma a que nós possamos, pelos nossos meios, descobrir se ISSO existe ou não entre nós.
E, parece-me lógico, desta forma não é possivel o diálogo.
Machado
By Cine-clube Komba Kanema, at 4:32 AM
Caro Patrício,
Tinhas que ser tu a meter ordem nisto. Obrigado. É evidente que a dificuldade de discutir estas coisas reside na ideia que virou quase obsessão de que uma coisa tão clara como corrupção e que já matou pessoas (ou pelo menos é responsável pela morte de pessoas)não pode ser mais contestada. Daí a impaciência do Machado que se manifesta nos ataques à pessoa (como quando sugere que defendo os assassinos de Carlos Cardoso), na demagogia (como quando começa a falar mal do jargão académico - que eu nem utilizei), pelo recurso generalizado à fórmula "todos nós sabemos o que é, basta!" e em reparos linguísticos (deve se quando eu escrevi "devemos"). É assim que o debate se resume à questão: o que é corrupção para ti? Não importa que tenha dito que considerava o uso feito pelos outros bastante inflacionário e impreciso e que, portanto, me parecia necessário em primeiro lugar clarificar o contexto dentro do qual os problemas que eles associam à tal corrupção ocorrem para podermos ter condições para definir a corrupção de forma útil. Fiz isso em vários textos aqui, mas fora da insistência de ouvir uma definição da minha parte e de observações irritantes do tipo "concordo com algumas coisas" ou "algo com o qual nem concordo" ainda estou à espera de ler aqui alguém que me diga porque a abordagem que sugiro não é adequada. A essência do debate é isso. O Machado está agarrado ao seu entendimento de corrupção porque, ao que parece, não tem mais argumentos, não quer abalar as suas próprias certezas. Para mim, tudo é discutível e não concordo que seja diferente para um jornalista. Se calhar a pobreza do nosso jornalismo (é só ver os artigos que supostamente tratam de corrupção!) vem justamente desta recusa de pensar para além das aparências. Tudo, nos nossos jornais, é corrupção, sobretudo quando tem a ver com a política. Para que precisam ainda da palavra "corrupção"?
Penso que tenho sido construtivo para o debate porque não só digo porque não concordo com as definições até aqui apresentadas como também explico de que maneira penso que este problema deve ser abordado. Não quero imperiosamente que todos concordem comigo, mas que me digam porque não concordam. Isso ainda não aconteceu. E nessas circunstâncias o debate não é possível, aí concordo com o Machado e foi por isso que declarei o assunto encerrado.
Aprecio bastante as tentativas feitas pelos outros para nos ajudar a discutir melhor. O Pinto Lobo fez isso ontem e ainda estou à espera que me explique a questão de pessoas e instituições ser um assunto ultrapassado. Preferiu passar para outro assunto, nomeadamente a ideia de que a indústria do desenvolvimento não explica tudo, que as elites devem ser responsáveis, mas ainda estou à espera de ouvir a fundamentação disso para podermos discutir. Que ideia se tem aqui afinal de debate? Eu quero discutir ideias. É claro que nunca sugeri aqui a ideia de que as pessoas não possam assumir responsabilidade pelo que fazem. Tudo quanto fiz ao referir-me à indústria do desenvolvimento foi de chamar atenção para o tipo de contexto dentro do qual as coisas acontecem no nosso país. Esse contexto ajuda-nos a perceber o que está a acontecer e só percebendo isso é que poderemos, sugiro, encontrar melhores formas de formular os nossos problemas.
A mais recente tentativa é a que foi feita por Crucix, também bem vinda, com o único senão de que todo e qualquer que se quer juntar à discussão devia vir elevar a sua qualidade. Isso só é possível lendo com atenção o que já foi discutido até aqui e não nos obrigando a repetir respostas já dadas. Por exemplo, ao invés de falar de contradições devia me dizer, reagindo à minha resposta ao Tivane, se alguém que recusa a existência de Deus aceita a sua existência. Que discurso é esse onde a negação não é possível sem contradição? A mesma pergunta aplica-se à insistência do Machado no ISSO. Como disse nessa resposta, e o Patrício Langa interpretou aqui muito bem, não concordo com a atribuição desse rótulo aos fenómenos aqui expostos justamente porque não me parece haver discriminação suficiente. Um conceito que é aplicado com tanta latitude deixa de ser útil. E no nosso país, infelizmente, esse é o caso. Independentemente do número de mortos que já houve. Na verdade, a minha intervenção aqui é no sentido de podermos recuperar a utilidade do conceito para os graves problemas que o país enfrenta.
Não sei como é que o Crucix pode dizer que o que foi praticado em Moçambique não foi marxismo ao mesmo tempo que ele se opõe às definições. Como é que ele sabe, então, que aquilo não foi marxismo? Como é que ele espera que eu entenda essas reservas? Por inspiração divina? Já agora, o que é que ele quer dizer quando diz que é marxista de orientação gramsciana? Como é que ele me vai explicar isso para eu perceber sem definir esses conceitos todos? Mesmo se tivesse que ler a "importantíssima" entrevista de Óscar Monteiro (peço desculpas por esta lacuna na minha formação) a condição para perceber tudo isso teria que ser o conjunto de conceitos que ele utiliza. Não seria empatia nem telepatia. Que tipo de filosofia de linguagem é que se dá em Belo Horizonte? Não se distingue entre discurso quotidiano e meta-discurso? Não se fala de condições de entendimento? Durante a manhã de hoje estive a discutir o "manifesto comunista" com os meus estudandes. Não me interessava apenas que eles falassem do "manifesto comunista", mas sim que percebessem o que esse documento maravilhoso relata. Como fazer isso sem referência à realidade? Deixar que cada estudante decida que significado a "pauperização" deve ter para si? É possível falar do conceito gramsciano de "hegemonia" sem dizer o que ele próprio entendia por isso? Com que base iremos aceitar ou rejeitar essa noção? Na base de que "todo o mundo sabe"?
Já disse várias vezes: Vamos discutir, essa é a nossa única salvação. Os apelos às emoções são os piores conselheiros neste empreendimento e, sobretudo, o populismo que consiste em erigir falsas fronteiras entre a teoria e a prática não nos leva a sítio nenhum. Os que levantam interdições à teoria querem apenas impedir os outros de questionar a teoria que está por detrás da sua prática. Já ouvi alguém a dizer que não há coisa mais prática que a teoria! Os práticos fizeram mais estragos no nosso país do que os teóricos que, infelizmente, ainda não encontram espaço de afirmação porque, já não deve surpreender ninguém, "tudo está claro, agora é só correr com esses corruptos todos"!
Já que estamos no modo filosófico não resisto à tentação de recordar a parábola da cave de Platão: o meu argumento aqui tem sido de que estamos muito preocupados com silhuetas, quando devíamos olhar para as coisas elas próprias. Daí que tenha convidado o Machado a reflectir sobre o funeral que ele presenciou. Se quer discutir tem que estar preparado para dizer aos outros como chega às suas conclusões, só isso é que interessa num verdadeiro debate. Em Moçambique morre tanta gente (de fome, de doenças e de várias outras razões, incluíndo assassinatos, etc.) que se se a condição de reflexão sobre o país fosse nunca dizer algo que me pudesse colocar na posição de estar a duvidar do que uns pensam ter sido a causa da sua morte nunca haveria debate neste país. Voltávamos aos consensos forçados do regime de partido único. Não contem comigo para isso.
Nos últimos dias tenho andado a perguntar várias pessoas se há lei anti-corrupção em Moçambique. Até aqui a resposta que obtive é de que não existe nenhuma. Acho estranho que os militantes contra a corrupção não se preocupem com isto. Mas se calhar não é estranho: toda a gente sabe o que é a corrupção, qual é a necessidade disso?
Viva a todos que valorizam a troca genuina de ideias! Abaixo a demagogia e a imprecisão! Um abraço a todos.
By Elísio Macamo, at 7:00 AM
Ciprix, não Crucix, as minhas desculpas!
By Elísio Macamo, at 7:19 AM
Caro Ciprix,
Acho que nao devia levar um dia inteiro a reflectir sobre como comecar a escrever, mas sim sobre o que eu escrevi. Continua a falar de contradicoes que eu nao vejo. De que contradicao é que está a falar? Tem que me dizer isso para eu poder reagir, para podermos discutir.
Se por definicao estipulativa entende o que a lógica também entende, lamento ter de lhe dizer que nao é disso que precisamos. O meu argumento é de que ainda nao estamos em condicoes de produzir essa definicao. Precisamos, contudo, de algo como uma definicao operacional que nos permita identificar as coisas de que estamos a falar quando falamos de corrupcao. Neste momento tudo é corrupcao, tudo que vai mal. O principal elemento é a inferência. Se o ministério da educacao nao é capaz de justificar contas, alguém praticou corrupcao. Nao importa se o ministério da educacao nao dispoe de quadros; nao importa se o sistema usado nao seja eficiente. Dentro do uso inflacionário do termo corrupcao essas dificuldades sao atribuídas à conspiracao dos corruptos para impedir que se desenvolva essa capacidade. Ora, eu digo: assim nao dá! A minha pergunta ao Mangue foi essa: de que é que ele está a falar? A sua resposta nao me satisfez e reagi com uma tentativa própria de proporcionar elementos dentros dos quais poderíamos tentar chegar à identificacao útil desse animal. Se há aqui alguém que é essencialista ou realista (embora nao veja mal nisso) sao os que insistem comigo para definir a corrupcao de uma vez por todas e, sobretudo, para dizer categoricamente se há corrupcao ou nao. Ora, isso é, no meu entender, absolutamente irrelevante para o debate.
O marxismo é outro assunto. Fiz referência a isso apenas para chamar a sua atencao a uma possível contradicao na sua argumentacao: se está contra definicoes realistas ou essencialistas nao pode, como o fez no seu comentário anterior, dizer que o que se praticou em Mocambique nao era marxismo, uma vez que se estaria a servir de uma definicao realista ou essencialista do marxismo. Podemos discutir essa questao de saber se houve marxismo ou nao noutro momento. Neste momento estamos a tentar discutir a questao da corrupcao.
Abracos
By Elísio Macamo, at 12:26 PM
Não há nada disso ó Langa. Todos nós trabalhamos com definições de problemas, tendo como base conceitos e campos (Bourdieu) ambivalentes e, no entanto, desenvolvemos ensino, pesquisa e extensão. Sabemos o que é isso.
Em um dos post, Macamo disse que, "Nas condições actuais do nosso país não é possível definir a corrupção com utilidade, pois isso pressupõe um sistema político e económico com uma estrutura minimamente clara". O que esperamos é que ele,
(1) sem rodeios; (2) sem inserir vários "debates" em um mesmo tópico; (3) parando de desqualificar os outros, que essa tática é tão antiga quanto o início da democracia grega; (4) parando de usar slogans de que não se quer debater de idéias, etc. (5) parando de distorcer (as mulheres é que fazem isso. quando alguém diz que não ligou porque não teve tempo, ela já diz: ah, quer dizer que eu não sou importante? ou seja, ninguém o acusou de defender assassinos coisa nenhuma,
diga-nos em que definição está e qual é a sua definição do problema? se em Moçambique não temos condições porque não temos uma estrutura mínima, que seja a partir da sociedade alemã que nos permita, por analogia, entender a sua proposta e, a partir daí, estabelecer um patamar de diálogo. Que estabeleça uma sequência lógica, mas não a partir da negação do que se lhe é apresentado, porque não está a funcionar, até agora.
Abraços,
By Mangue, at 12:41 PM
Desisto! O Ciprix insiste que leu o que escrevi, contudo, diz que chamo de indústria de desenvolvimento aos actos praticados pelas elites; diz que estou a substituir "corrupção" por indústria do desenvolvimento; diz que não vejo os actos praticados pelos mais pequenos.
Eu tenho tentado pedir que alguém me explique o que não percebi do que ele escreveu.
As acusações do Mangue dispensam qualquer tipo de comentário.
Vou ficar a aguardar novos temas para discussão.
Um abraço a todos!
By Elísio Macamo, at 11:45 PM
Caro PL, caro JPT,
Muito obrigado pelas vossas intervenções bastante úteis. De facto, rendo-me JPT. Mas por respeito às vossas contribuições construtivas gostaria apenas de responder algumas inquietações que colocam e pedir que o debate continue sem mim ou que cada qual continue a tirar as suas conclusões. Para mim o debate já foi útil e espero poder integrar as observações críticas feitas de todos os cantos.
PL, percebi mal a sua intervenção sobre pessoas e instituições. Também concordo consigo que neste momento não existe nenhuma instituição no país que possa ser definida nesses moldes. Na verdade, quando levantei a questão das instituições era mesmo no sentido de pedir que concentremos as nossas atenções na produção desse tipo de instituições. Portanto, não lhe posso dar nenhum exemplo de instituição a não ser notar a sua falta.
O convite que faz para o regresso ao debate coincide justamente com o que vinha pedindo para que fizéssemos. Embora que tardiamente, é bem-vindo e só espero que os outros interessados em continuar com este debate levem a coisa adiante. Na verdade, já expus as minhas ideias principais em dois textos aqui, o último dos quais creio ter sido em reacção ao seu convite para sugerir formas de abordar o problema. Neste seu comentário renova o convite com perguntas mais directas sobre esta "indústria do desenvolvimento" e sobre as "elites políticas". Penso que neste aspecto levanta o mesmo tipo de reservas exprimidas pelo JPT sobre uma possível externalização dos nossos problemas. Estou perfeitamente de acordo com esta leitura. Com efeito, trata-se de um problema que procuro abordar metodologicamente com uma pergunta - que as análises que Mia Couto tem feito suscitam - nomeadamente como explicar os problemas africanos sem desculpar? Como integrar o colonialismo na explicação do percurso africano sem, contudo, retirar a responsabilidade dos africanos pelo que o continente se tornou? Este é um problema bicudo para o qual não tenho resposta, mas que urge reflectir. Já agora, lanço um apelo a todos quantos participam neste blog para reflectir sobre isto.
No fundo, portanto, o problema que vocês levantam em relação ao uso que faço da noção de "indústria do desenvolvimento" é basicamente este. Quando reflicto sobre o que faço tenho tentado me convencer a mim próprio que há alguma utilidade em separar o contexto do conteúdo. Vejo o nosso país condicionado pelos constrangimentos que resultam da sua situação de dependência em relação ao auxílio externo (quase dois terços do nosso orçamento vem de fora) e penso que esses constrangimentos agem sobre os actores políticos, económicos e sociais como uma estrutura. Essa estrutura "selecciona" (desculpem-me o biologismo) certos comportamentos e formas de estar, mas a qualidade da resposta (e nisto vocês têm razão, aliás, também é a minha opinião) depende dos próprios actores. A nossa elite política "opta" por fazer o tipo de coisas que o quadro estrutural sugere; cada um de nós, gente comum, também. É por essa razão que não perco a fé na inversão desse processo. Se não acreditasse que as pessoas fossem capazes de mudar - uma vez confrontadas com outras formas de ver a sua situação - não insistiria na necessidade de falar sobre estas coisas. O livrinho dos horrores do JPT documenta esta convicção: prestem atenção à forma como falam sobre o vosso próprio país!
Neste sentido, a indústria do desenvolvimento é um problema eminentemente interno para mim, mesmo se a forma como ele se apresenta destaca o lado externo.
Abraços!
By Elísio Macamo, at 6:29 AM
Post a Comment
<< Home