Ideias para Debate

Saturday, May 07, 2005

Conspirações? Sim ou não?

Do Cairo, o Abdul Manafi Mutualo entra no debate sobre as teorias da conspiração ou conspiração sem teorias.
Aqui fica:

Conspiração ou Interpretação?

Mais uma vez volto para a minha famosa sala em Cairo onde estou sentado a ver o “Jornal Nacional” da TVM (Televisão de Moçambique), passam já Dez (10) dias em que temos o canal que nos liga à pátria instalado cá em casa e, invariavelmente, nestes dias todos o citado bloco noticioso abre com uma notícia que esteja relacionada com o recém eleito presidente da república, Armando Guebuza. Pensei para comigo: “epa, isto é culto de personalidade!” E a partir daquele momento comecei a pensar no assunto e mais motivado me senti a contribuir com o que ia na minha alma após ter lido o artigo do Patrício Langa “Fasquia Alta”. Assim, eu assumo que, e atendendo à discussão que o Langa traz daquilo que ele pensa e sobre o debate entre o Machado e o Elísio, o maior problema dos intelectuais moçambicanos não está baseado na Teoria de Conspiração, mas sim na interpretação que os mesmos fazem dos factos que os levam a tecer essa Teoria de Conspiração (TC).

Acredito que já deve estar com a testa franzida. Pois bem, desfaça essa testa que vamos procurar estabelecer um diálogo que acomode a minha contribuição. Na verdade quando contextualizo os debates e discussão numa vertente ligada à lacunas na interpretação (assumo que seja o entendimento de algo como tendo um determinado significado) dos factos, é porque acredito que todas as TC são tecidas baseadas na emoção ou interesse de quem a tece porque ao fazer isso encontra o refúgio para questões que ficam sem uma resposta cabal e racional. Voltemos ao “culto de personalidade” para responder as constantes aberturas do “Jornal Nacional” com Guebuza. Podemos nos questionar: é culto de personalidade mandatado ou assumido? Então, aqui onde a questão de interpretação entra forçosamente, pois mediante constatações racionais e imparciais nos poderão levar a uma conclusão. Por exemplo, os políticos que estão na oposição podem dizer que este suposto culto de personalidade é mandatado porque a TVM é uma instituição ligada ao Estado e, por isso, o Presidente se sente confortável em usá-la para legitimar de facto a legitimidade eleitoral que obteve em Dezembro do ano transacto. Contudo os que estejam ligados ao partido no poder assumirão a mesma situação duma forma diferente e, provavelmente, dirão que é o trazer do esforço do novo presidente no combate ao tão falado “deixandarismo” que paira(va) no nosso amado país. Assim, a primeira posição pode ser assumida como TC e a segunda como uma possível verdade por quem se sinta emocionalmente ligado ou à Frelimo ou à Renamo ou a um outro partido da oposição, mas para mim, não haveria nenhuma TC, haveria sim duas interpretações ou entendimentos diferentes dum mesmo facto.
Olhemos à crucificação de Jesus Cristo: para os cristãos quem foi crucificado foi o próprio Jesus Cristo, mas para os muçulmanos a história é outra, quem foi crucificado foi o Judas, pois no momento em que este entra no esconderijo onde estava Jesus, Allah trouxe um milagre que é a ascensão do Jesus e o assumir da cara do mesmo no Judas e o resto pode, facilmente, ser completado. Do exposto, eu como muçulmano acredito na segunda posição, enquanto que os cristãos a olham como TC e vêem a primeira como a mais certa, isto é, a religião é que vai guiar a interpretação de um facto do mesmo modo que eu questionaria o luto nacional que se viveu nos estado ditos laicos aquando da morte do Papa João Paulo II (que lamentei profundamente e não questiono o seu fundamental papel que teve na procura dum mundo melhor), enquanto os “outros” assumiram o mesmo com naturalidade.

Busquemos, então, algo que é actual no debate: a morte do jornalista Carlos Cardoso. Na minha opinião, os jornalistas fizeram e fazem o “barulho” que têm estado a fazer porque é alguém da sua classe, por sinal um dos melhores na mesma e a quem continuo depositando o meu respeito pelo trabalho que fez. Daí as TC que foram aparecendo e que ligam esta morte à do Siba Siba.
Suponhamos que a primeira morte não tivesse acontecido, será que esse “barulho” seria feito? Será que essas TC iriam emergir? Acredito que não porque ir-se-ia fazer uma interpretação dum facto baseado em evidências ou constatações palpáveis e se as mesmas não fossem encontradas, esse facto, a morte do Siba Siba, seria esquecido com o passar do tempo. Contudo não é isto que está a acontecer. Aliás o “MediaFax”, se não estiver a equivocar-me, tem no seu diário a contagem dos dias desde que o banqueiro morreu, para mim, na esperança de que o esclarecimento desta morte possa levar os verdadeiros culpados da morte do Carlos Cardoso a ver o sol aos quadradinhos. Contudo, acho ser legítimo que se questionem as razões que estão por detrás não apenas destas mortes como de todas outras que ainda não têm resposta, por exemplo a do músico Pedro Langa ou do Zeca Alage.

Antes de terminar, quero partilhar a minha interpretação em relação ao inteligente dilema colocado pelo Langa quando diz que “as instituições esperam que os indivíduos as tornem fortes e os indivíduos que aquelas as disciplinem para que produzam instituições fortes.” Para mim, este dilema tem que ser entendido na dimensão do que é Estado trazida por Gramsci[1] segundo o qual estado “é um complexo inteiro de actividades teóricas e práticas com as quais a classe governativa não só mantém seu domínio como também ganha o consentimento activo daqueles que são governados.” Nesta assumpção, o estado = sociedade política + sociedade civil no qual a classe dominante não usa o dispositivo coercivo ou o seu poder económico para governar, mas e, pelo contrário, através da sua hegemonia expressa na sociedade civil e no estado faz com a classe dominada seja persuadida a aceitar o sistema de crença da classe dominante e a partilhar os seus valores sociais, culturais e morais. Com isto quero dizer que não assumo fraqueza das instituições moçambicanas e nem a espera dos indivíduos que aquela os discipline para que a fortifiquem, acredito sim que deve-se fortificar o relacionamento entre a instituição e o indivíduo no sentido deste sentir o “ownership” daquela para responder ao que Gramsci espera duma sociedade ideal: “a classe hegemónica lidera[r] as classes que lhe são aliadas e domina[r] aquelas que lhe são inimigas.”[2] Isto deriva do facto de as instituições serem abstractas e apenas ganharem corpo quando indivíduos as gerirem e as “personificarem” através de ideologias e ou valores que identifiquem a globalidade desse estado em que ambos, instituição e indivíduo, estão inseridos. Ora, o estado é Moçambique, assim os indivíduos que formam a classe dominante ou hegemónica devem é identificar os valores da moçambicanidade que sirvam para aproximar essas instituições aos indivíduos que formam a classe dominada, eventualmente o “país ideal” do Mia e os meus humildes “quatro sapatos limpos” podem ser esses valores que fortifiquem o relacionamento entre as instituições moçambicanas e o indivíduo moçambicano como tal.

Portanto, e na crença que de que é difícil concluir este debate, eu o que pretendi propor nesta contribuição é a necessidade de as nossas interpretações que muitas vezes nos levam às famosas TC terem de estar despidas de nossos interesses económicos, simpatias políticas, inclinações religiosas, ou seja, perseguirmos uma interpretação desapaixonada dos factos que se nos aparecem sem assumirmos o nosso subjectivismo como actor principal dessa interpretação e ao fazermos isso, creio eu, estaremos a contribuir para o combate dessas TC em nome dum debate que busque ideias e alternativas para tornar Moçambique um melhor e desenvolvido país.

Abdul Manafi Mutualo

Cairo, 05.05.05

PS: Queria agradecer e deixar uma vénia a todos que tiveram a amabilidade de ler e comentar o meu anterior artigo, em particular ao Langa e felicitar o Machado por este espaço bastante interessante e relevante para aquilo que considero ser a construção da moçambicanidade. Aos outros, têm a minha simpatia pelo seu silêncio!



[1] Citado por, Nazih N. Ayubi (1999), Over-stating the Arab State: Politics and Society in the Middle East, I.B. Tauris Pub, London & New York, p.5-9.
[2] Cf. N. Ayubi, op.cit., p.6.

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