Ideias para Debate

Tuesday, May 17, 2005

Tudo é Nada 3

Aqui vai o terceiro e último texto da série que o Quitério Langa me mandou, com o título geral Tudo é Nada:


TUDO É NADA

Sobre o combate à pobreza:

Estamos na continuidade da aplicação do programa que orientou a governação do país após as eleições gerais de 2004, o (PARPA), nas quais resultou mais uma vez a Frelimo como partido vencedor.
Nestas eleições elegeu-se o partido que nos últimos cinco anos aplicou a visão que orientou a vida dos moçambicanos, elegeu-se essa visão apresentada em forma de programa de governação, elegeu-se uma utopía, no sentido em que o sucesso desse programa é uma condição de possibilidade, ou seja, tanto pode alcançar o sucesso, como pode desmoronar num fracasso.

Ainda que nos refiramos à condição de possibilidade, o primeiro indicador do sucesso desta utopia é o facto de ter sido favoravelmente acolhida, de ter recebido um voto de confiança à luz dos resultados eleitorais. Esse é um elemento interessante porque poderá ser um indicador do nível de consciência crítica dos eleitores na escolha daquilo que julgam ser o melhor manifesto eleitoral apresentado pelos partidos concorrentes. Ainda assim, poderá revelar na mesma medida a falta dessa consciência se nos depararmos com situações em que mesmo ao nível das camadas eruditas haja um total desconhecimento do teor desse manifesto.

Ao nível das instituições do Estado, assim como das universidades, a sigla PARPA é sobejamente conhecida, mas isso por si não significa que se conheça o teor desse programa de governação. Como viabilizar então a aplicação desse programa? Como garantir que o mesmo tenha sucesso ao longo dos cinco anos de governação?

Para responder a estas questões o anterior governo do mesmo partido encontrou respostas práticas, tendo começado por institucionalizar os seus princípios básicos de acção, seguindo-se um processo de mobilização de entidades que concorressem para a sua aplicação. Mas o que isso significou em termos concretos? Tratando-se de um progrma cuja prioridade básica é a redução e alívio da pobreza absoluta, era necessário institucionalizar a pobreza, ou seja, tornar a pobreza um fenómeno de natureza oficial e de domínio público, com objectividade e validade científica. Para tal a pobreza devia obedecer a dois princípios fundamentais e cientificammente reconhecidos: empiricidade e conceptualização.

Hoje encontramos que ao nível das universidades como instituições de produção de conhecimento, e da instituição que as tutela, os programas de pesquisa com garantias de financiamento têm de estar orientados à redução e alívio da pobreza. Com uma garantia de legitimação científica, a objectividade da pobreza ultrapassou os limites da ciência e tornou-se um senso comúm cujo consenso a evidência não deixa margens de dúvida.

O discurso comúm fala da pobreza ao nível das suas contigências e carências do quotidiano, uma pobreza que segundo o discurso oficial emergiu da sua condição servil desde o período colonial. A pobreza que surge hoje do plano de governação e que alicerça a sua legitimação no discurso cientifico, envolve outras dimenções. A dimensão mais importante é de natureza política, ela surge da natureza do Estado que nos últimos 18 anos assumiu uma governação sob o legado da necessidade de se criar uma burguesia nacional, só que essa pretença burguesia sem espírito empreendedor adoptou como empreedimento fundamental para o seu sucesso, a apropriação do poder de Estado. Num Estado em que o Estado é alienável a um grupo com interesses particulares, rompe-se com todo o ideal de contrato social e de garantias que deste imanam os cidadãos, se é que ainda se pode falar de cidadania numa situação similar.

Um segundo modelo de pobreza emerge ao nível das igrejas que após a sua influência na conquista da paz, e perante uma sociedade mergulhada numa crise generalizada, encontram uma atmosfera propícia para levar de volta as ovelhas aos seus pastores. Sedentas de decadas de silenciamento pelos ventos da revolução, seguidos da “guerra de desestabilização”, resgatam os princípios do aggiornamento proclamado pelo Concílio Ecuménico Vaticano II, e procuram actualizar a sua posição perante o novo cenário político e social ao qual é imperioso que se dê uma resposta à altura da situação.

O aggiornamento de entre outros aspectos, estabelecia a necessidade de actualizar a igreja à modernidade, e pode-se observar como no mesmo sentido, o islão decide actualizar-se, ou seja modernizar o islão. Por volta da decada 70, com o agravar dos valores da secularização, um novo discurso religioso ganha forma, já não para se adaptar a religião à modernidade, mas para devolver à sociedade um fundamento sagrado. Proclamando uma modernidade falida, cujos desaires atribui-se ao afastamento de Deus, já não é pelos princípios do aggiornamento que se deve agir, mas por uma segunda evangelização, do mesmo modo o islão decide agir no mesmo processo, a islamização da modernidade.

A actualização da igreja no caso em análise, vai significar a sua adesão e um compromisso em primeiro lugar com o poder político, dentro do novo quadro político por forma a que não se veja cerceada de seguir com a sua missão. Na sequência do evoluir do discurso religioso à escala universal, a igreja em Moçambique adopta-o de imediato e, verificando a sua incapacidade em promover acções com uma eficácia económica real, o que faz é definir a pobreza como sendo resultado da corrupção que se apoderou da alma dos moçambicanos, sendo por isso necessário enveredar por uma primeira acção: Purificação das almas e entrega da sua sorte à vontade de Deus ou de Alá. A pobreza é então produto de decadas de descrença, pelo que se tornou necessário “evangelizar e islamizar a pobreza”. Sob este desígnio, é permitido ser-se pobre de dinheiro mas não de espírito.

Observa-se assim que os governos da Frlimo na sequência da aplicação do PARPA, conseguiram vincular com habilidade o seu projecto político, mas na mesma medida denunciam a vacuidade da sua utopia pela gestão repressiva que exercem sobre a pobreza, porquanto esta não é mais do que um recurso discursivo no programa de governação, e os pobres o seu objecto surgido de uma elaboração científico-religiosa com vista a persuadir o eleitorado sobre a sua evidente condição sub-humana de vida, ocultando todo um projecto político-económico que envolve o seu modelo de governação jamais superado.

Com uma garantia científica e divina, o PARPA encontra uma adesão do nível público ao privado, do nacional ao internacional, o que garante a sua legitimidade que aliás advém da sua vitória eleitoral.

É um debate em aberto.

Quitério Vitorino Langa

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