100 dias de Guebuza
Estive esta tarde na escola Anarkaly onde fui fazer uma palestra sobre os primeiros 100 dias do governo de Armando Guebuza.
Aqui vai o texto:
Pediram-me para vos vir hoje falar dos primeiros 100 dias do governo de Armando Guebuza.
Muitas vezes os primeiros 100 dias de um governo são uma indicação clara dos rumos que ele vai seguir durante todo o seu mandato. Pelas iniciativas tomadas, pelas decisões concretizadas, podemos estabelecer um padrão que nos permita prever o que vai acontecer nos anos seguintes.
Terá sido isto que levou a pedirem-me esta tarefa pouco cómoda.
E digo pouco cómoda porque aquilo a que estamos a assistir, nestes primeiros 100 dias do governo de Armando Guebuza, é uma serie de sinais apontando nas mais diversas direcções, sem uma aparente coerência. O que não é de estranhar muito num governo que pertence ao mesmo partido do governo anterior, mas foi eleito debaixo da palavra de ordem “A Força da Mudança”.
Logo aqui se adivinham os problemas.
Em qualquer parte do mundo quem propõe a mudança é a oposição. Quem está no poder propõe a continuidade.
No nosso caso, no entanto, é o partido no poder que declara que é a força que vai mudar precisamente aquilo que tem vindo a fazer há muitos anos.
E precisamos de compreender isto para podermos analisar os sinais contraditórios a que assistimos hoje.
Qual a razão desta proposta de mudança aparentemente absurda?
Eu creio que pode haver mais do que uma resposta mas que todas se resumem no facto de ser notório o descontentamento popular com o nivel de corrupção e criminalidade a que o país tinha chegado. Corrupção e criminalidade que partiam, muitas vezes, de altas figuras do Estado e do partido Frelimo. E, é claro, esse descontentamento popular podia traduzir-se numa derrota eleitoral em Dezembro passado.
Era preciso, portanto, dizer aos eleitores que “embora sejamos os mesmos, agora somos diferentes”. E foi isso que foi feito.
O sucesso desta estratégia é muito relativo. Embora os dirigentes da Frelimo afirmem, frequentemente, que se tratou de uma vitória esmagadora, a verdade é que ela foi tudo menos isso. A mais simples aritmética nos permite constatar que cerca de oitenta por cento do eleitorado não votou na Frelimo. A esmagadora maioria absteve-se e um terço dos que votaram fizeram-no na oposição.
E isto apesar de irregularidades eleitorais como não havia memória de terem acontecido entre nós desde a implantação do regime multi-partidário.
De acordo com a lei moçambicana o governo eleito é legítimo mas não se deve esquecer que tem uma base de apoio fraquíssima. A dizer a verdade só a ausência de uma oposição credível permitiu que ele fosse eleito.
É, portanto, neste contexto que Armando Guebuza aparece a propôr a mudança. Ele e os seus aliados dentro da Frelimo perceberam que continuar pelo mesmo caminho era o suicídio político do partido.
Por outro lado, aquilo que é costume chamar de “a Frelimo honesta” , e que se tinha afastado voluntariamente da política activa, deixando à solta os actores do desregramento que se vivia, parecem ter achado que as coisas tinham ido longe demais e que era tempo de colocar um travão no descalabro.
Tudo isto levou a que, no interior do partido, se fossem gerando consensos no sentido da saída de Joaquim Chissano da Presidência da República e, logo depois, do próprio partido. Saída que, pesem embora as aparências, esteve longe de ser voluntária, em qualquer dos dois casos.
Durante um curto período assistimos à coabitação de um Presidente da República com um diferente Presidente da Frelimo. E essa coabitação não terá sido facil, acelerando uma saída de Chissano da direcção do partido, que só se previa para o próximo congresso. As escolhas de Eduardo Mulembue e Manuel Tomé para presidir à Assembleia da República e para chefiar a bancada da Frelimo no parlamento foram tomadas por um Comité Político ainda dirigido por Chissano e, provavelmente, não terão agradado a Guebuza, que preferiria colocar nesses postos gente mais próxima de si.
Guebuza toma posse, reafirmando, em todos os seus pronunciamentos desde essa altura, a necessidade de se lutar contra a corrupção, a criminalidade, o burocratismo e o agora famoso “deixa-andar”.
Para o seu governo chamou uma grande quantidade de antigos governadores provinciais, gente de uma forma geral com bom nome junto da população e com um conhecimento profundo da realidade do país. Gente mais habituada ao matope das estradas rurais do que às alcatifas dos gabinetes de Maputo.
Os ministros que permaneceram do anterior executivo foram os menos afectados pelo descrédito e por acusações de corrupção.
Parece ter havido divergências profundas na escolha da Primeira Ministra. Diz-se que ela não era a escolha primária de Guebuza mas que foi obrigado a aceitá-la. Não posso garantir que isto seja verdade.
No Programa quinquenal do governo aparecem como Objectivos Prioritários:
. Redução da pobreza
- Promoção do crescimento económico rápido, sustentável e abrangente
- Criação de um ambiente favorável ao investimento;
- Incidência de acções na educação, saúde e desenvolvimento rural.
. Desenvolvimento económico e social
- Redução dos desiquilibrios regionais
. Unidade nacional, paz e justiça
. Valorização e promoção da cultura do trabalho, honestidade e prestação de contas.
. Combate à corrupção, burocratismo e à criminalidade.
. Reforço da soberania e da cooperação internacional
Estes são, na minha opinião, de facto os objectivos prioritários do nosso país neste momento. Há que verificar agora se e como são realizados.
Mal formado o governo começamos a ter notícia de actos de alguns novos dirigentes no sentido de meter na ordem as suas áreas. À frente deste processo apareceu o novo Ministro da Saúde, fazendo uma ofensiva de visitas surpresa a hospitais e centros de saúde para denunciar o mau estado das instalações e o mau tratamento dos doentes por parte de um pessoal sem brio e sem disciplina. Isto feito com a presença dos orgãos de informação para que o exemplo chegue a todo o lado.
Menos visivel actuou também o Ministro da Educação e, mais recentemente, a vice-Ministra da Agicultura. A iniciativa desta de retirar carros do Estado a quem a eles não tinha direito causou grande agitação no seu ministério e não só.
É interessante notar, no entanto, que logo no inicio desta ofensiva dos referidos dirigentes, o jornal Domingo tenha publicado um violento editorial, na sua primeira página, contra o que estava a acontecer.
Ora, como é sabido, o semanário Domingo é um porta-voz oficioso do partido no poder. O principal acessor da sua direcção, na realidade o verdadeiro ideólogo do jornal, é o jornalista Augusto de Carvalho que é, entre outras coisas, associado de Armando Guebuza numa das suas empresas.
O referido editorial é, por conseguinte, um sinal contraditório com os outros que o governo vinha dando até aí.
Outros sinais contraditórios chegam do parlamento: Um deles é o debate à volta da informação anual do Procurador Geral da república.
A informação, tal como vinha acontecendo nos anos anteriores, foi com pletamente vazia de interesse, mero cumprimento de uma penosa obrigação, em que se procurou o mais possivel retirar qualquer aspecto que pudesse, de perto ou de longe, tocar nos interesses dos cidadãos intocáveis. Os deputados da oposição, como deles se esperava, desfizeram o dito informe, denunciando as suas fraquezas. Mas, mesmo na bancada da Frelimo, surgiram vozes a pôr em causa aspectos fundamentais do documento. Salientaram-se, nesse aspecto, as intervenções do deputado Frangulis. Mas, quando a Renamo U.E. propôs uma moção de censura ao procurador Geral da república, a bancada maioritária opôs-se e não permitiu a sua aprovação.
Um fenómeno idêntico ocorreu, mais recentemente, com o debate e aprovação das Contas Gerais do Estado.
A Renamo U.E., que desta vez parece ter feito o seu trabalho de casa, demonstrou claramente as ilegalidades e outras irregularidades do documento, propondo a sua não aprovação. A bancada da Frelimo, no entanto, usando a sua maioria aprovou as Contas, sem nenhuns comentários a seu respeito.
E estas Contas referiam, mais uma vez, a situação dos fundos do Tesouro que foram emprestados a empresas de altos dirigentes do partido no poder, incluindo o actual Presidente da república e o marido da actual Primeira ministra, sem quaisquer garantias e sem que, na maioria dos casos, os seus beneficiários se mostrem interessados em iniciar os pagamentos.
Não parece, portanto, que a Força da Mudança tenha chegado ao Parlamento. A Frelimo parlamentar parece estar longe das prioridades da Frelimo governamental.
E mesmo ao nível do governo as coisas não parecem estar totalmente claras.
Enquanto acontecem ofensivas como aquelas de que já felei, continuamos a assistir a denúncias públicas de graves irregularidades e roubos de dinheiros públicos sem que pareça haver nenhuma acção para avaliar da verdade das denúncias e, caso elas se confirmem, punir os culpados.
Apesar de todo o discurso anti-corrupção apenas se assiste a medidas correctivas nos níveis baixos do aparelho de Estado. Nos níveis mais altos parece persistir o clima de impunidade que vigorava no governo anterior.
Parece, no entanto, que foi tomada uma medida que toca bem acima: Segundo o jornal Savana a verba prevista para a mansão onde irá viver Joaquim Chissano foi cortada para metade. A ser isto verdade, é uma medida que responde ao escândalo nacional que acompanhou a notícia de que o Orçamento de Estado previa o gasto de 2 milhões de dollares para construir tal residência.
Até aqui tenho estado a falar de mudanças, ou da sua ausência, essencialmente numa questão de atitude. De maneira de encarar a política. São mquestões que respondem à parte do programa sobre o combate à corrupção, ao burocratismo e à criminalidade.
Não tenho falado de questões de fundo, nomeadamente as que se referem às alineas económicas e sociais do Programa do Governo, até porque não vejo ainda sinais sobre como elas vão ser enfrentadas. É bom que os professores passem a ser mais disciplinados e cumpridores, mas isso não chega. Os problemas da Educação são muito mais profundos, com os estudantes a sairem diplomados pouco mais sabendo do que quando entraram na escola. O mesmo se pode dizer da área da saúde e de muitas outras.
E sobre essas políticas nada nos está a ser dito. Eventualmente só com o inicio da execução do novo Orçamento Geral do Estado poderemos ver os rumos que vão ser seguidos.
Nos debates parlamentares sobre o Programa Quinquenal e sobre o Plano Económico e Social para 2005 deputados de ambas as bancadas referiram que estes documentos eram demasiado vagos, não indicando prazos para a realização das diferentes actividades previstas nem, muitas vezes, os locais onde elas vão ser realizadas. Esta ausência de balizas claras vai dificultar o acompanhamento crítico da actividade do Governo.
Ao nível da política internacional talvez os sinais se mostrem mais coerentes. E estou a falar, especialmente, no relacionamento com o vizinho Zimbabué.
Era conhecida e patente a forma como o governo de Joaquim Chissano protegia e acarinhava o executivo de Robert Mugabe, fizesse este o que fizesse contra os seus cidadãos.
Já Guebuza parece estar a tomar uma posição mais distanciada em relação a Harare.
Quando realizou a sua primeira digressão pelos países da região, Guebuza foi a Angola, Botsuana e África do Sul mas não foi ao Zimbabué; quando Harare comemorou mais um aniversário da independência, o nosso Chefe de Estado não foi aos festejos, enviando Luisa Diogo para o representar; finalmente não se escusou de ir inaugurar a Feira de Bulauaio. No entanto, as conversações bilaterais com o governo de Mugabe, que estavam previstas, foram adiadas para o último dia da visita e acabaram por não se realizar.
Politica claramente distinta da de Joaquim Chissano que, estou certo, em todos estes casos teria corrido a Harare para mostrar a sua solidariedade a Mugabe.
Em resumo eu poderia dizer que o governo, ao longo destes primeiros 100 dias, tem mostrado vontade de voltar a colocar o país na ordem, disciplinando e operacionalizando o aparelho de Estado.
Este tipo de actuação está longe de ser suficiente para resolver os principais problemas do país. Pode, no entanto, ser importante para que o Governo possa dispor de uma máquina governativa mais funcional, mais eficiente, mais económica e não corrompida.
Usando uma omagem militar eu diria que o novo executivo está a pegar num exército desmotivado, indisciplinado, em que cada um só pensa nos seus próprios interesses e está a tentar transformar esse exército numa força unida e disciplinada, capaz de responder eficientemente às ordens do comando.
O que é que o Governo fará depois com essa força, que batalhas irá travar, será onde se joga o futuro do país.
Mas, para avaliar isso, 100 dias não chegam, nem pouco mais ou menos.
Aqui vai o texto:
Pediram-me para vos vir hoje falar dos primeiros 100 dias do governo de Armando Guebuza.
Muitas vezes os primeiros 100 dias de um governo são uma indicação clara dos rumos que ele vai seguir durante todo o seu mandato. Pelas iniciativas tomadas, pelas decisões concretizadas, podemos estabelecer um padrão que nos permita prever o que vai acontecer nos anos seguintes.
Terá sido isto que levou a pedirem-me esta tarefa pouco cómoda.
E digo pouco cómoda porque aquilo a que estamos a assistir, nestes primeiros 100 dias do governo de Armando Guebuza, é uma serie de sinais apontando nas mais diversas direcções, sem uma aparente coerência. O que não é de estranhar muito num governo que pertence ao mesmo partido do governo anterior, mas foi eleito debaixo da palavra de ordem “A Força da Mudança”.
Logo aqui se adivinham os problemas.
Em qualquer parte do mundo quem propõe a mudança é a oposição. Quem está no poder propõe a continuidade.
No nosso caso, no entanto, é o partido no poder que declara que é a força que vai mudar precisamente aquilo que tem vindo a fazer há muitos anos.
E precisamos de compreender isto para podermos analisar os sinais contraditórios a que assistimos hoje.
Qual a razão desta proposta de mudança aparentemente absurda?
Eu creio que pode haver mais do que uma resposta mas que todas se resumem no facto de ser notório o descontentamento popular com o nivel de corrupção e criminalidade a que o país tinha chegado. Corrupção e criminalidade que partiam, muitas vezes, de altas figuras do Estado e do partido Frelimo. E, é claro, esse descontentamento popular podia traduzir-se numa derrota eleitoral em Dezembro passado.
Era preciso, portanto, dizer aos eleitores que “embora sejamos os mesmos, agora somos diferentes”. E foi isso que foi feito.
O sucesso desta estratégia é muito relativo. Embora os dirigentes da Frelimo afirmem, frequentemente, que se tratou de uma vitória esmagadora, a verdade é que ela foi tudo menos isso. A mais simples aritmética nos permite constatar que cerca de oitenta por cento do eleitorado não votou na Frelimo. A esmagadora maioria absteve-se e um terço dos que votaram fizeram-no na oposição.
E isto apesar de irregularidades eleitorais como não havia memória de terem acontecido entre nós desde a implantação do regime multi-partidário.
De acordo com a lei moçambicana o governo eleito é legítimo mas não se deve esquecer que tem uma base de apoio fraquíssima. A dizer a verdade só a ausência de uma oposição credível permitiu que ele fosse eleito.
É, portanto, neste contexto que Armando Guebuza aparece a propôr a mudança. Ele e os seus aliados dentro da Frelimo perceberam que continuar pelo mesmo caminho era o suicídio político do partido.
Por outro lado, aquilo que é costume chamar de “a Frelimo honesta” , e que se tinha afastado voluntariamente da política activa, deixando à solta os actores do desregramento que se vivia, parecem ter achado que as coisas tinham ido longe demais e que era tempo de colocar um travão no descalabro.
Tudo isto levou a que, no interior do partido, se fossem gerando consensos no sentido da saída de Joaquim Chissano da Presidência da República e, logo depois, do próprio partido. Saída que, pesem embora as aparências, esteve longe de ser voluntária, em qualquer dos dois casos.
Durante um curto período assistimos à coabitação de um Presidente da República com um diferente Presidente da Frelimo. E essa coabitação não terá sido facil, acelerando uma saída de Chissano da direcção do partido, que só se previa para o próximo congresso. As escolhas de Eduardo Mulembue e Manuel Tomé para presidir à Assembleia da República e para chefiar a bancada da Frelimo no parlamento foram tomadas por um Comité Político ainda dirigido por Chissano e, provavelmente, não terão agradado a Guebuza, que preferiria colocar nesses postos gente mais próxima de si.
Guebuza toma posse, reafirmando, em todos os seus pronunciamentos desde essa altura, a necessidade de se lutar contra a corrupção, a criminalidade, o burocratismo e o agora famoso “deixa-andar”.
Para o seu governo chamou uma grande quantidade de antigos governadores provinciais, gente de uma forma geral com bom nome junto da população e com um conhecimento profundo da realidade do país. Gente mais habituada ao matope das estradas rurais do que às alcatifas dos gabinetes de Maputo.
Os ministros que permaneceram do anterior executivo foram os menos afectados pelo descrédito e por acusações de corrupção.
Parece ter havido divergências profundas na escolha da Primeira Ministra. Diz-se que ela não era a escolha primária de Guebuza mas que foi obrigado a aceitá-la. Não posso garantir que isto seja verdade.
No Programa quinquenal do governo aparecem como Objectivos Prioritários:
. Redução da pobreza
- Promoção do crescimento económico rápido, sustentável e abrangente
- Criação de um ambiente favorável ao investimento;
- Incidência de acções na educação, saúde e desenvolvimento rural.
. Desenvolvimento económico e social
- Redução dos desiquilibrios regionais
. Unidade nacional, paz e justiça
. Valorização e promoção da cultura do trabalho, honestidade e prestação de contas.
. Combate à corrupção, burocratismo e à criminalidade.
. Reforço da soberania e da cooperação internacional
Estes são, na minha opinião, de facto os objectivos prioritários do nosso país neste momento. Há que verificar agora se e como são realizados.
Mal formado o governo começamos a ter notícia de actos de alguns novos dirigentes no sentido de meter na ordem as suas áreas. À frente deste processo apareceu o novo Ministro da Saúde, fazendo uma ofensiva de visitas surpresa a hospitais e centros de saúde para denunciar o mau estado das instalações e o mau tratamento dos doentes por parte de um pessoal sem brio e sem disciplina. Isto feito com a presença dos orgãos de informação para que o exemplo chegue a todo o lado.
Menos visivel actuou também o Ministro da Educação e, mais recentemente, a vice-Ministra da Agicultura. A iniciativa desta de retirar carros do Estado a quem a eles não tinha direito causou grande agitação no seu ministério e não só.
É interessante notar, no entanto, que logo no inicio desta ofensiva dos referidos dirigentes, o jornal Domingo tenha publicado um violento editorial, na sua primeira página, contra o que estava a acontecer.
Ora, como é sabido, o semanário Domingo é um porta-voz oficioso do partido no poder. O principal acessor da sua direcção, na realidade o verdadeiro ideólogo do jornal, é o jornalista Augusto de Carvalho que é, entre outras coisas, associado de Armando Guebuza numa das suas empresas.
O referido editorial é, por conseguinte, um sinal contraditório com os outros que o governo vinha dando até aí.
Outros sinais contraditórios chegam do parlamento: Um deles é o debate à volta da informação anual do Procurador Geral da república.
A informação, tal como vinha acontecendo nos anos anteriores, foi com pletamente vazia de interesse, mero cumprimento de uma penosa obrigação, em que se procurou o mais possivel retirar qualquer aspecto que pudesse, de perto ou de longe, tocar nos interesses dos cidadãos intocáveis. Os deputados da oposição, como deles se esperava, desfizeram o dito informe, denunciando as suas fraquezas. Mas, mesmo na bancada da Frelimo, surgiram vozes a pôr em causa aspectos fundamentais do documento. Salientaram-se, nesse aspecto, as intervenções do deputado Frangulis. Mas, quando a Renamo U.E. propôs uma moção de censura ao procurador Geral da república, a bancada maioritária opôs-se e não permitiu a sua aprovação.
Um fenómeno idêntico ocorreu, mais recentemente, com o debate e aprovação das Contas Gerais do Estado.
A Renamo U.E., que desta vez parece ter feito o seu trabalho de casa, demonstrou claramente as ilegalidades e outras irregularidades do documento, propondo a sua não aprovação. A bancada da Frelimo, no entanto, usando a sua maioria aprovou as Contas, sem nenhuns comentários a seu respeito.
E estas Contas referiam, mais uma vez, a situação dos fundos do Tesouro que foram emprestados a empresas de altos dirigentes do partido no poder, incluindo o actual Presidente da república e o marido da actual Primeira ministra, sem quaisquer garantias e sem que, na maioria dos casos, os seus beneficiários se mostrem interessados em iniciar os pagamentos.
Não parece, portanto, que a Força da Mudança tenha chegado ao Parlamento. A Frelimo parlamentar parece estar longe das prioridades da Frelimo governamental.
E mesmo ao nível do governo as coisas não parecem estar totalmente claras.
Enquanto acontecem ofensivas como aquelas de que já felei, continuamos a assistir a denúncias públicas de graves irregularidades e roubos de dinheiros públicos sem que pareça haver nenhuma acção para avaliar da verdade das denúncias e, caso elas se confirmem, punir os culpados.
Apesar de todo o discurso anti-corrupção apenas se assiste a medidas correctivas nos níveis baixos do aparelho de Estado. Nos níveis mais altos parece persistir o clima de impunidade que vigorava no governo anterior.
Parece, no entanto, que foi tomada uma medida que toca bem acima: Segundo o jornal Savana a verba prevista para a mansão onde irá viver Joaquim Chissano foi cortada para metade. A ser isto verdade, é uma medida que responde ao escândalo nacional que acompanhou a notícia de que o Orçamento de Estado previa o gasto de 2 milhões de dollares para construir tal residência.
Até aqui tenho estado a falar de mudanças, ou da sua ausência, essencialmente numa questão de atitude. De maneira de encarar a política. São mquestões que respondem à parte do programa sobre o combate à corrupção, ao burocratismo e à criminalidade.
Não tenho falado de questões de fundo, nomeadamente as que se referem às alineas económicas e sociais do Programa do Governo, até porque não vejo ainda sinais sobre como elas vão ser enfrentadas. É bom que os professores passem a ser mais disciplinados e cumpridores, mas isso não chega. Os problemas da Educação são muito mais profundos, com os estudantes a sairem diplomados pouco mais sabendo do que quando entraram na escola. O mesmo se pode dizer da área da saúde e de muitas outras.
E sobre essas políticas nada nos está a ser dito. Eventualmente só com o inicio da execução do novo Orçamento Geral do Estado poderemos ver os rumos que vão ser seguidos.
Nos debates parlamentares sobre o Programa Quinquenal e sobre o Plano Económico e Social para 2005 deputados de ambas as bancadas referiram que estes documentos eram demasiado vagos, não indicando prazos para a realização das diferentes actividades previstas nem, muitas vezes, os locais onde elas vão ser realizadas. Esta ausência de balizas claras vai dificultar o acompanhamento crítico da actividade do Governo.
Ao nível da política internacional talvez os sinais se mostrem mais coerentes. E estou a falar, especialmente, no relacionamento com o vizinho Zimbabué.
Era conhecida e patente a forma como o governo de Joaquim Chissano protegia e acarinhava o executivo de Robert Mugabe, fizesse este o que fizesse contra os seus cidadãos.
Já Guebuza parece estar a tomar uma posição mais distanciada em relação a Harare.
Quando realizou a sua primeira digressão pelos países da região, Guebuza foi a Angola, Botsuana e África do Sul mas não foi ao Zimbabué; quando Harare comemorou mais um aniversário da independência, o nosso Chefe de Estado não foi aos festejos, enviando Luisa Diogo para o representar; finalmente não se escusou de ir inaugurar a Feira de Bulauaio. No entanto, as conversações bilaterais com o governo de Mugabe, que estavam previstas, foram adiadas para o último dia da visita e acabaram por não se realizar.
Politica claramente distinta da de Joaquim Chissano que, estou certo, em todos estes casos teria corrido a Harare para mostrar a sua solidariedade a Mugabe.
Em resumo eu poderia dizer que o governo, ao longo destes primeiros 100 dias, tem mostrado vontade de voltar a colocar o país na ordem, disciplinando e operacionalizando o aparelho de Estado.
Este tipo de actuação está longe de ser suficiente para resolver os principais problemas do país. Pode, no entanto, ser importante para que o Governo possa dispor de uma máquina governativa mais funcional, mais eficiente, mais económica e não corrompida.
Usando uma omagem militar eu diria que o novo executivo está a pegar num exército desmotivado, indisciplinado, em que cada um só pensa nos seus próprios interesses e está a tentar transformar esse exército numa força unida e disciplinada, capaz de responder eficientemente às ordens do comando.
O que é que o Governo fará depois com essa força, que batalhas irá travar, será onde se joga o futuro do país.
Mas, para avaliar isso, 100 dias não chegam, nem pouco mais ou menos.
1 Comments:
Caro Machado,
Não resisto à tentação de fazer um reparo algo maldoso. O que relatas nesta apreciação bastante ponderada e útil dos 100 dias do novo governo é tudo menos o que poderíamos chamar de "acção concertada". Estás a falar de conflitos de interesses, de visões diferentes de como o País deve ser governado, de frustração, de falta de imaginação. Acho esta análise mais útil para a compreensão do que se passa no nosso País do que as teorias de conspiração de que falávamos há alguns blogs atrás.
Enquanto estamos nisto gostaria de dizer que a interpretação que fazes do slógan da Frelimo não me parece justa. Não acho que "a força da mudança" se refira ao novo executivo. Acho que se refere à própria Frelimo dum modo muito geral, isto é a um partido que se vê como sendo o único capaz de conduzir o País por todo o tipo de águas. Podemos não concordar com isso, mas não me parece o critério para avaliar o desempenho do novo executivo. Até porque podíamos encontrar nesse slógan a explicação para o discurso de distanciamento em relação ao governo anterior: porque a Frelimo é a força da mudança ela ajustou o seu discurso e a prática.
Em relação ao resto tens razão, como sempre.
Um abraço
Elísio
By Elísio Macamo, at 7:41 AM
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