Ideias para Debate

Thursday, May 12, 2005

Moluenes

Do Brasil chega mais um texto do Custódio Duma. Desta vez fala-nos dos moluenes, de como eles se vestem e porquê:


Camisas de Adultos, Sujas e Rotas

Uma das coisas que mais me impressiona nos miúdos não só de Moçambique, mas também de África, Ásia e outros lugares do mundo, é a maneira como se vestem.
Entendo que a maneira de vestir mostra não só a condição social da pessoa, mas também as suas crenças e seu estado de espírito. Algumas vezes a roupa até mostra a intenção da pessoa, acaba sendo o espelho da mente de quem se vestiu. Isso não quer dizer que os que preferem o nudismo não transmitam alguma mensagem, pois o nudismo já é por si uma forma de se vestir.
Mas voltado ao ponto que me levou a escrever, gostaria de acentuar meu pensamento nas crianças rurais, suburbanas e crianças da rua. O ponto comum na maneira de vestir dessas crianças é: roupa de adulto, roupa suja e roupa rasgada. Sim elas se vestem de roupa extremante larga e grande para seu corpo, é roupa que vestem todos os dias sem interrupção e consequentemente muito suja e rasgada pelo seu uso e sua antiguidade.
Creio que ninguém contestaria este fato porque não precisa ir a áfrica para ver, basta abrir alguma revista com relatório de uma ONG qualquer sobre África ou Ásia e encontrará com certeza uma foto com aquelas características.
A questão que torna este fato interessante esta no significado que essa caracterização indumentária tem para elas como crianças, para os adultos como os donos das roupas e para sociedade que testifica a coisa todos os dias.
Assim sendo comecemos pelo significado que a roupa de adulto, roupa suja e roupa rasgada têm para a criança que a veste. Como qualquer adulto que tem na sua roupa o reflexo dos seus ganhos e intenções, essas crianças tem nessa roupa a sua dependência material e espiritual no mundo dos adultos. Através da roupa que ganham de adultos, ganham duma distribuição humanitária aleatória ou acham numa lata de lixo, as crianças afirmam ao vestir que a sua luta pela sobrevivência começou muito cedo e que em nenhum momento o mundo estará disposto a socorrer sem segundas intenções, nos seus desafios.
Elas mostram com essas roupas que a sua inocência não é tão ignorante assim e que para elas o mundo material não definirá em nenhum momento o valor da própria vida, não definirá de forma alguma o grau de felicidade e realização das pessoas. Como crianças que são, mostram sempre o sorriso mais alegre e cativante que se pode ter na face da terra e sempre que podem, oferecem com calor o abraço mais forte e valioso ainda que toda riqueza do mundo.
As crianças demonstram nesse contraste de caracterização indumentária e espiritual, fato que se observa no intenso brilho de seus olhos, que afinal de contas, a vida em si contém um valor absoluto que merece ser vivido independentemente da situação econômica em que a pessoa se encontra e que o grau de satisfação que se pode alcançar por estar vivo reside na dimensão do quanto à pessoa pode acreditar e esperar.
Ao vestirem-se de adultos, com roupas que foram usadas e rejeitadas pelos seus mais velhos e ao mesmo tempo encontrarem sempre uma razão para brincarem e saltarem de felicidade, reduzem ao absurdo a prisão e a pobreza material para dar maior valor ao que o espírito pode viver e ganhar, conceitos que os adultos venderam para ganhar o mundo ilusório da matéria e da moda.
O que significa isso para os adultos que olham para as crianças a que chama de pobres e escolhem algumas camisas suas antigas e rotas e as oferece como gesto de caridade e compaixão aos miúdos? Quase nada!
Na verdade os adultos agem deste modo tentando esconder a sua própria vergonha e ganância, tentam com esse gesto esconderem-se da forte mensagem transmitida a partir dos olhos ofuscantes das crianças sobre ao seu obcecado apego aos bens e não aos valores de vida e da felicidade.
Para os adultos a roupa suja, rota e larga das crianças, não significa nem tão pouco uma piada ou diversão, eles vêem nisso a sua própria perdição, o abortar da sua missão como humanos e a decadência do fim último da existência humana. O homem assiste assim o drama da sua caminhada pela terra. Pois tudo aquilo que ele mesmo acumulou como riqueza só lhe serve de peso e desconforto, uma prisão que construiu para a sua própria vida.
E o que isso significa para a sociedade? A sociedade que é como antes disse, a testemunha viva desses fatos todos, vê nelas a sua desagregação, vê nas crianças rotas sujas e vestidas de adultos o grau de assimetrias ai existente. Descobre-se uma sociedade que caminha para o nada, buscando o nada e guiado por nenhum princípio.
A sociedade olha para essas crianças que na rua ou na família saltam, brincam e cantam de alegria, embora vestidas daquele jeito, e vê o quanto ela precisa encontra-se consigo mesmo, e vê o quanto precisa mudar suas políticas de atendimento a pessoal carente, especialmente a criança, e descobre que a maior parte da publicidade que faz usado imagens dessas crianças não é de nenhuma forma com intenção de ajudá-las, mas enriquecer-se a custa delas.
A sociedade descobre-se com falta de justiça e parcial na sua maneira de viver, quando julga as pessoas de acordo com a sua forma de vestir, de falar e de ter.
Essas são as verdades que estão em torno daquelas crianças e por detrás da roupa velha, adulta e suja que elas vestem. No mundo dessas crianças não há julgamentos nem corrida a moda e ao patrimônio, há sim uma alegria de viver e uma solidariedade de sobrevivência e coesão do grupo.
Vestindo-se do resto dos mais velhos, essas crianças procuram a cada dia mostrar ao homem adulto o quanto ele precisa redefinir seus princípios de vida, de realização e de felicidade.
Convivendo com as vestes sujas e rotas, e mesmo assim felizes e satisfeitas, essas crianças procuram levar ao homem adulto a consciência de satisfação e mostra-lo o quanto se vendeu ao mundo da moda, transformando-se num simples objeto de um mundo consumista onde ele já não pode definir seus desejos.
Essas crianças procuram com gestos leves e valorosos, mostrar a sociedade que precisa encontrar seu caminho, precisa encontrar seu fim e que precisa sim redefinir suas intenções.
Nessas roupas adultas, sujas e rotas, as crianças procuram transmitir uma mensagem que melhoraria a vida das pessoas no mundo se fosse escutada.

Custódio Duma

1 Comments:

  • Olá.

    De facto impressiona bastante as dificuldades que as crianças têm de lidar diariamente.

    Acha que no futuro próximo poderemos encontrar maquinas de lavar roupa em países como Angola e Moçambique ou mesmo em termos culturais esta seria uma mudança dificil de implementar?

    Obrigado.

    By Blogger Joao Marques, at 3:24 AM  

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