Ideias para Debate

Thursday, May 19, 2005

Membros do partido...

Do Custódio Duma recebi o seguinte texto:

Como nao disse nada
Achei que nao recebeu o texto
Ai o mando novamente

Carta Aberta ao Primeiro Secretario do Partido Frelimo em Nampula


Custódio Duma*

Não sou membro de nenhum partido em Moçambique. Exerço meu direito de voto desde que sou habilitado para tal. Considero-me moçambicano e sujeito de direitos e garantias constitucionais facto que me obriga a reagir perante declarações do Primeiro Secretario do Partido Frelimo em Nampula, a quadros da OJM, onde afirmou categoricamente que os Administradores Distritais deviam ser membros do Partido, conforme se pode ler no Wamphula FAX de 17 de Maio de 2005. (Cfr. Macua.blogs.com)
Não que eu pretenda ser administrador de algum distrito, mas porque encontro nessa declaração uma grande dose de discriminação e violação de direitos dos cidadãos que são iguais perante a lei e que devem ser tratados sem acepção.
Prefiro abordar a questão à luz da recente Constituição de Moçambique que entrou em vigor no ano passado e depois disso aferir o que realmente existe por de trás dessas palavras que saíram a um público jovem e quadros do amanhã desse grande país como força destruidora e desinformadora de mentes que ainda estão se firmando.

Em primeiro lugar camarada secretário, gostaria de lembra-lo que a soberania do Estado moçambicano reside no povo e que, por causa disso, o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, situação que torna inconstitucional e repudiável todo e qualquer acto que seja contrario a Lei Mãe moçambicana e outra legislação em vigor. Artigo 2 da CRM 2004;
A mesma Constituição, no seu artigo 35, diz que todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça (...) profissão ou acepção política, sendo portanto inconstitucional e fora da lei toda e qualquer discriminação com base na orientação política da pessoa como é o caso em questão;
O artigo 39 diz que actos que atentem contra a unidade nacional, que prejudiquem a harmonia social, criar divisionismo, situação de privilegio ou discriminação com base naqueles mesmos itens, serão punidos nos termos da lei, sendo portanto essa declaração de V.Excia um acto que cabe nesses proibidos pelo artigo citado, e que, se realmente estivéssemos num Estado de Direito, o camarada secretário estaria agora respondendo pelo reboliço político que criou;
Quanto a aderência a algum partido político, o artigo 53 é claro ao estatuir que o cidadão seja livre de constituir ou participar em partido e que essa adesão seja de forma livre e voluntária, sendo, portanto essa afirmação do primeiro secretario um atentado contra a liberdade do cidadão;
Já no artigo 56, dedicado aos princípios gerais, o numero um diz o seguinte: os direitos e liberdades individuais são diretamente aplicáveis, vinculam entidades publicas e privadas, são garantidos pelo Estado e devem ser exercidos no quadro da Constituição e das leis. O camarada secretário como uma entidade política de forma nenhuma está isento de cumprir essa obrigatoriedade constitucional;
Finalmente o artigo 74, mostra que é através de partidos políticos que a formação e manifestação popular são efetivados, sendo isso fundamental para a participação democrática dos cidadãos na governação do país, o que mostra desde logo um atentado por parte daquelas declarações a esse principio constitucional.

Estes seis pontos constituem o mínimo de violações que se pode aferir daquela declaração que mais do que destemida acabou ilustrando uma filosofia que se segue em todo o país principalmente na administração da coisa pública, onde se exclui por completo aquele que não seja membro do Partido Frelimo.
Para um país que se auto intitula democrático e de justiça social, onde o Estado é de Direito essa declaração é até certo ponto vergonhosa à Soberania Nacional e à própria Constituição da Republica.
Isso mostra a falta de capacidade em conviver com o outro e com aqueles que comungam ideais diferentes dos nossos. O camarada secretário pretende desta forma mostrar que de nenhuma maneira está aberto ao dialogo com aqueles que são diferentes. Isso dissemina desde logo revoltas e barbaridades em face de quem detem o poder, justamente porque a nossa Constituição em nenhum momento afirma que só pode ser funcionário do Estado Membro de algum partido.
Alem do mais, seja quem for que esteja representando o Estado, como funcionário, tem a obrigação de agir conforme a Constituição e as demais leis em vigor e não conforme os estatutos ou obrigações do seu partido. O artigo 38 obriga a todos o respeito da Constituição sendo que nenhuma outra regulação interna é superior à Constituição da Republica, nem mesmo a obrigatoriedade partidária.
Assim, no meu entender, camarada secretario, qualquer um pode ser administrador desde que tenha capacidades e reúna requisitos exigidos por lei, embora não seja do partido frelimo, sendo que a sua destituição deverá ser por má actuação ou má administração da coisa publica, conforme a lei e não por fazer ou não parte de algum partido político.
A idéia que o camarada secretario pretende disseminar é desde logo prejudicial à nação, pois retarda a construção da justiça social e da democracia no país. É por causa desse tipo de idéias que temos muitos quadros que, embora não comprometidos com a causa publica, assumem cargos elevados e só cometem desmandos, usando e abusando da coisa pública.
É claro que foi a Frelimo quem ganhou as eleições, mas acima de tudo é o povo quem deve ganhar com isso, a Frelimo foi votada não só por militantes do partido, mas também por pessoas que por varias razões não pertencem a nenhum partido político. O direito a voto não pertence só aos membros dos partidos, mas a todo o cidadão não impedido por lei.
O espírito do “deixa andar” que se pretende combater no Governo do Presidente Guebuza não será eliminado se o tratamento dos quadros for de acordo com a sua linha partidária, ou qualquer outro tipo de discriminação ao cidadão. Pois temos em Moçambique bons profissionais que não são da Frelimo, assim como temos maus profissionais que são da Frelimo e vice-versa. Esse tipo de idéia do camarada secretário, pode esconder e ter fundamento noutras formas de discriminação como por exemplo com base no regionalismo.
Se o camarada secretário quiser colaborar com a principiologia introduzida pelo Presidente da Republica que ao mesmo tempo é o número um do partido deverá despir-se dessa forma de analisar a administração publica.
Moçambique precisa de quadros que estejam prontos para construir o país e não de membros do partido. Moçambique busca profissionais e não partidários. Há muito ainda por fazer nesse país jovem, que só os membros do partido Frelimo não conseguiram fazer. A unidade nacional que se pretende não deve ser só na campanha eleitoral.
Não quero através dessas palavras ignorar que a governação de qualquer país sempre reserva cargos de confiança, onde se digitam pessoas de grande estima e confiança para assumir aqueles lugares, mas nem por isso a discriminação do cidadão deve ser assim de forma expressa e chocante às pessoas.
Entendo que de alguma forma essa política é seguida não só pelo camarada secretario, mas por outros tantos dirigentes que não entendem os princípios protegidos na nossa Constituição nem compreendem o que seja a unidade nacional e a não discriminação do cidadão.
Camarada secretário, para a efetivação do plano quinquenal do governo, não é necessariamente imperativo que os quadros sejam todos do partido Frelimo. Pelo contrario isso pode impedir a transparência na administração. Basta que os quadros sejam competentes, comprometidos com a causa pública, honestos e obedientes à lei e à Constituição.

Tenho dito

*Jurista

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