Democracia
Há amigos e leitores do blog que me criticam por não ter colocado ainda textos meus neste Ideias para Debate. Estão renitentes em me darem o diploma de bloguista por essa razão.
Ora eu já tenho as paredes da casa tão cheias que nem espaço para mais um diploma restou.
Por outro lado o blog está a ser aquilo que eu gostaria que fosse: um lugar onde as pessoas podem colocar civilizadamente as suas ideias sobre o nosso país, concordar, discordar, acrescentar, etc...
Quem ler os textos já publicados pode ver que esse programa está a ser cumprido. Para quem não está habituado ao formato blog chamo a atenção para os comentários ao texto do Gouveia Lemos a que se chega clicando no "coments" no fim do texto.
Mas, para que não digam que não dou a minha opinião, aqui vai o texto que publico no Savana de hoje:
Democracia
APROFUNDÁ-LA OU
AFUNDÁ-LA
Uma das coisas que mais se ouve da boca dos dirigentes da Frelimo é a necessidade de se aprofundar a Democracia no nosso país.
Faz parte daquelas frases feitas que nos habituámos a ouvir dos discursos do poder, junto com a luta contra a corrupção e contra a pobreza absoluta.
Mas, se calhar, esta questão merece ser vista mais de perto.
Num país em paz, como é o nosso caso, o Poder reside nas estruturas do Estado. São elas que têm a possibilidade de traçarem as regras que todos temos que cumprir na vida em sociedade, as leis. São elas que gerem aquilo que é o bem comum de todos os cidadãos. São elas que possuem os instrumentos repressivos para punir aqueles que não cumprem as leis.
Nas democracias mais antigas esses diferentes Poderes foram sendo doseados de forma a que ninguém, nem nenhum partido, ficasse com eles todos na mão. Um dos casos mais conhecidos é o dos Estados Unidos com o seu sistema de “checks and balances” que, numa tradução livre, poderíamos chamar de “pesos e contrapesos”. Este sistema faz com que uns dos centros de Poder sejam sempre compensados por outros, de forma a ele nunca se concentrar muito. A título de exemplo, sendo uma república presidencialista (como Moçambique) o Presidente da República tem o poder de designar os membros do seu governo. Mas, ao contrário do que se passa entre nós, o parlamento tem o poder de chumbar uma ou mais dessas designações.
Ora o que se está a passar entre nós é que o Poder se está a concentrar cada vez mais sem a existência de nenhuns contrapesos.
Ao longo dos últimos anos foi-se generalizando a ideia de que qualquer órgão de poder, qualquer comissão, etc deveria ser formado por pessoas designadas pelos dois maiores partidos parlamentares, de acordo com a mesma proporcionalidade que os deputados desses partidos têm no parlamento. É o que acontece nas comissões parlamentares, na Comissão Nacional de Eleições (e em todas as outras a nível provincial ou distrital), no Conselho Constitucional. Em todo o lado.
Isto em si poderia não ser muito mau se tivesse vingado a tese de, à falta de consenso, as decisões serem tomadas por maioria de 2/3. Só que, como essa tese não vingou, o resultado é que, em todos esses centros de Poder, o partido maioritário tem sempre a garantia de vencer todas as votações. Tenha ou não tenha razão, tem o Poder de impor as suas posições e interesses.
Por outro lado, ao nível do executivo, o Presidente eleito tem o Poder total na escolha dos seus ministros. Incluindo aqueles que controlam as forças militares e militarizadas, desde o exército às diferentes polícias. Isso permite-lhe reprimir, se necessário pela força, todos aqueles que se rebelarem contra as decisões, eventualmente injustas, dos órgãos acima referidos.
Poder-se-á dizer que resta a área da justiça para equilibrar toda esta situação, mas, na minha opinião, nem isso é verdade.
Por muita que seja a vontade de independência dos nossos órgãos de justiça, a verdade é que o Procurador Geral da República é indicado pelo Presidente da República assim como o são, ao que creio, os juizes do Tribunal Supremo. Pelo menos o Presidente e Vice-Presidente são de certeza. E isso, queiramos ou não, tem peso na forma como esses órgãos vão actuar.
No caso concreto da Procuradoria Geral da República, apesar da frase sempre repetida pelo Dr. Madeira de que “Em Moçambique Ninguém Está Acima da Lei”, a verdade é que não me recordo de essa lei ter sido aplicada contra um só dirigente ou militante da Frelimo (ou seu familiar...). Isto apesar de vários deles terem sido denunciados e, até, investigados pela Procuradoria.
Poder-se-ia dizer que o nosso sistema pode permitir um equilíbrio se o Presidente da República for de um partido e a Assembleia da República tiver maioria de outro partido.
Só que, realizando-se as duas eleições em paralelo, no mesmo momento, não é provável que isso venha a acontecer. Num determinado momento as probabilidades são de que quem vota num partido vote também no candidato desse partido.
Voltando ao exemplo dos Estados Unidos vemos que os membros do Congresso não são eleitos todos de uma vez, mas sim em dois períodos diferentes, separados, ao que suponho, por dois anos. Isso permite ao eleitorado premiar o partido no governo ou castigá-lo conforme estiver a ser a governação ao longo desses dois anos de diferença.
Em resumo, a situação entre nós é, neste momento, de um Poder não dividido e que os cidadãos não têm a possibilidade de pôr em causa.
A única possibilidade é através das eleições. Mas nestas o partido no Poder pode fazer todo o tipo de fraudes, apadrinhado por uma Comissão Nacional de Eleições onde tem maioria e por um Conselho Constitucional idem. E com as forças de repressão para travar os mais exaltados.
E, com fraudes ou sem elas, continuar no poder indefinidamente.
Se este tipo de situação não for radicalmente alterada, e nada me indica que o vai ser, não estamos a aprofundar a democracia em Moçambique.
Estamos a afundá-la, o que é muito diferente.
Ora eu já tenho as paredes da casa tão cheias que nem espaço para mais um diploma restou.
Por outro lado o blog está a ser aquilo que eu gostaria que fosse: um lugar onde as pessoas podem colocar civilizadamente as suas ideias sobre o nosso país, concordar, discordar, acrescentar, etc...
Quem ler os textos já publicados pode ver que esse programa está a ser cumprido. Para quem não está habituado ao formato blog chamo a atenção para os comentários ao texto do Gouveia Lemos a que se chega clicando no "coments" no fim do texto.
Mas, para que não digam que não dou a minha opinião, aqui vai o texto que publico no Savana de hoje:
Democracia
APROFUNDÁ-LA OU
AFUNDÁ-LA
Uma das coisas que mais se ouve da boca dos dirigentes da Frelimo é a necessidade de se aprofundar a Democracia no nosso país.
Faz parte daquelas frases feitas que nos habituámos a ouvir dos discursos do poder, junto com a luta contra a corrupção e contra a pobreza absoluta.
Mas, se calhar, esta questão merece ser vista mais de perto.
Num país em paz, como é o nosso caso, o Poder reside nas estruturas do Estado. São elas que têm a possibilidade de traçarem as regras que todos temos que cumprir na vida em sociedade, as leis. São elas que gerem aquilo que é o bem comum de todos os cidadãos. São elas que possuem os instrumentos repressivos para punir aqueles que não cumprem as leis.
Nas democracias mais antigas esses diferentes Poderes foram sendo doseados de forma a que ninguém, nem nenhum partido, ficasse com eles todos na mão. Um dos casos mais conhecidos é o dos Estados Unidos com o seu sistema de “checks and balances” que, numa tradução livre, poderíamos chamar de “pesos e contrapesos”. Este sistema faz com que uns dos centros de Poder sejam sempre compensados por outros, de forma a ele nunca se concentrar muito. A título de exemplo, sendo uma república presidencialista (como Moçambique) o Presidente da República tem o poder de designar os membros do seu governo. Mas, ao contrário do que se passa entre nós, o parlamento tem o poder de chumbar uma ou mais dessas designações.
Ora o que se está a passar entre nós é que o Poder se está a concentrar cada vez mais sem a existência de nenhuns contrapesos.
Ao longo dos últimos anos foi-se generalizando a ideia de que qualquer órgão de poder, qualquer comissão, etc deveria ser formado por pessoas designadas pelos dois maiores partidos parlamentares, de acordo com a mesma proporcionalidade que os deputados desses partidos têm no parlamento. É o que acontece nas comissões parlamentares, na Comissão Nacional de Eleições (e em todas as outras a nível provincial ou distrital), no Conselho Constitucional. Em todo o lado.
Isto em si poderia não ser muito mau se tivesse vingado a tese de, à falta de consenso, as decisões serem tomadas por maioria de 2/3. Só que, como essa tese não vingou, o resultado é que, em todos esses centros de Poder, o partido maioritário tem sempre a garantia de vencer todas as votações. Tenha ou não tenha razão, tem o Poder de impor as suas posições e interesses.
Por outro lado, ao nível do executivo, o Presidente eleito tem o Poder total na escolha dos seus ministros. Incluindo aqueles que controlam as forças militares e militarizadas, desde o exército às diferentes polícias. Isso permite-lhe reprimir, se necessário pela força, todos aqueles que se rebelarem contra as decisões, eventualmente injustas, dos órgãos acima referidos.
Poder-se-á dizer que resta a área da justiça para equilibrar toda esta situação, mas, na minha opinião, nem isso é verdade.
Por muita que seja a vontade de independência dos nossos órgãos de justiça, a verdade é que o Procurador Geral da República é indicado pelo Presidente da República assim como o são, ao que creio, os juizes do Tribunal Supremo. Pelo menos o Presidente e Vice-Presidente são de certeza. E isso, queiramos ou não, tem peso na forma como esses órgãos vão actuar.
No caso concreto da Procuradoria Geral da República, apesar da frase sempre repetida pelo Dr. Madeira de que “Em Moçambique Ninguém Está Acima da Lei”, a verdade é que não me recordo de essa lei ter sido aplicada contra um só dirigente ou militante da Frelimo (ou seu familiar...). Isto apesar de vários deles terem sido denunciados e, até, investigados pela Procuradoria.
Poder-se-ia dizer que o nosso sistema pode permitir um equilíbrio se o Presidente da República for de um partido e a Assembleia da República tiver maioria de outro partido.
Só que, realizando-se as duas eleições em paralelo, no mesmo momento, não é provável que isso venha a acontecer. Num determinado momento as probabilidades são de que quem vota num partido vote também no candidato desse partido.
Voltando ao exemplo dos Estados Unidos vemos que os membros do Congresso não são eleitos todos de uma vez, mas sim em dois períodos diferentes, separados, ao que suponho, por dois anos. Isso permite ao eleitorado premiar o partido no governo ou castigá-lo conforme estiver a ser a governação ao longo desses dois anos de diferença.
Em resumo, a situação entre nós é, neste momento, de um Poder não dividido e que os cidadãos não têm a possibilidade de pôr em causa.
A única possibilidade é através das eleições. Mas nestas o partido no Poder pode fazer todo o tipo de fraudes, apadrinhado por uma Comissão Nacional de Eleições onde tem maioria e por um Conselho Constitucional idem. E com as forças de repressão para travar os mais exaltados.
E, com fraudes ou sem elas, continuar no poder indefinidamente.
Se este tipo de situação não for radicalmente alterada, e nada me indica que o vai ser, não estamos a aprofundar a democracia em Moçambique.
Estamos a afundá-la, o que é muito diferente.
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