Gabriel Muthisse comenta Vasconcelos e Tibana
O economista Gabriel Muthisse mandou-me o interessante comentário que publico abaixo:
Conheci Leite de Vasconcelos. Nunca cheguei a falar com ele infelizmente. Mas lia com avidez tudo o que escrevia e publicava. Ele foi, sem dúvida, uma das vozes mais esclarecidas que Moçambique pode-se orgulhar de ter tido. Agradavam-me sobretudo as suas crónicas e a tom elevado com que discutia os assuntos da sua terra. Lembro-me de algumas polémicas em que participou, particularmente as últimas que teve por exemplo com Albino Magaia, outro grande comunicador deste país. Há uma coisa em que o Leite de Vasconcelos deveria ser imitado: a dignificação dos oponentes dum debate. Com efeito, quem debatia com Leite de Vasconcelos não era agredido nem ofendido.
Vejo agora este seu texto indignado. Por aquilo que percebo dos textos do Leite de Vasconcelos, este era um militante esclarecido de uma Esquerda sem rótulos. Aquela Esquerda que acredita no advento dum mundo sem exploração, sem ditaduras, sem pobreza. Uma Esquerda que pugnava e luta ainda por um mundo de fraternidade e de justiça social. Estas são ideias incompatíveis com o rumo que o mundo tomou depois da queda do Muro de Berlim e da Perestroika de Gorbachiev.
Presumo que Leite de Vasconcelos tenha escrito este texto de indignação na altura em que a FRELIMO, esgotada e exaurida a sua tentativa de implantar o socialismo em Moçambique, começa a ensaiar outras alternativas para viabilizar o país. Adopta, em consequência, programas de reforma inspirados pelo FMI e na ideologia que estava em extensão na altura: o neo-liberalismo. É a esta inflecção que Leite de Vasconcelos caracteriza como sendo o bandear-se em bloco, por parte da FRELIMO, para o lado dos vencedores. Ele indigna-se com aquilo que chama de súbita assimilação dos dirigentes da FRELIMO de tudo quanto antes combatiam, a ponto de serem os mais ávidos na partilha dos despojos da guerra, os mais convictos, ainda que incompetentes, defensores do capitalismo.
O ponto que quero levantar é o de que a publicação desta saudável indignação do saudoso Leite de Vasconcelos não deve ser pretexto para um alinhar na lamentação sem fim dos malefícios da viragem à direita da FRELIMO. Este texto deve inspirar reflexões sobre as alternativas que aquele intelectual intuiu existirem para o país. São dele estas palavras: “A questão está em recusar a inexistência de alternativas a este colocar o país acocorado agradecendo que o pacifiquem à custa da sua venda a retalho”.
As alternativas não são de exclusiva responsabilidade dos ideólogos da FRELIMO ou de qualquer outro Partido. Os verdadeiros intelectuais de hoje devem sentir como sendo sua responsabilidade discutir saídas para a situação actual do país. Principalmente quando a descrição que Leite de Vasconcelos fez da oposição continua actual: “oscila entre casos comprovadamente psiquiátricos e o mais descarado oportunismo.
Outro documento indignado é o que foi publicado pelo macro-economista Roberto Tibana. Não sendo possível discutir todo o documento por as questões que levanta serem várias, gostaria de me centrar numa das questões que Tibana debate: a corrupção em Moçambique. Isto porque julgo importante situar melhor a discussão deste tema.
A maneira como esta questão é muitas vezes colocada sugere a ideia de que se mudássemos de dirigentes acabávamos com o cancro da corrupção no nosso país. Basicamente, parece subsistir a ideia de que o fenómeno da corrupção se deve a uma generalizada perda de valores morais por parte dos moçambicanos e a uma degeneração da sua classe dirigente. Elísio Macamo sugeriu, uma vez uma abordagem de corrupção que me parece interessante. Segundo este intelectual, a corrupção ultrapassa as simples questões de moral, devendo ser vista também como um termómetro que indica possíveis desequilíbrios entre a oferta e a procura de serviços públicos.
O enfoque personalizado da corrupção justifica-se em minha opinião em mui contadas circunstâncias. Uma delas seria para responsabilizar criminalmente os corruptos. No entanto, as acções de moralização da sociedade e o reforço dos mecanismos de penalização, sendo importantes, deveriam ser apenas consideradas como acções complementares. As melhores capacidades dos nossos países, humanas e materiais, deveriam ser alocadas no combate às causas básicas do aumento dos níveis de corrupção. Isto implica dar menor ênfase aos aspectos circunstanciais, espectaculares e de curto prazo, mesmo que signifiquem maiores dividendos políticos. É importante ter presente dois factores que, no nosso país, exacerbam a corrupção:
i) a pobreza e os baixos e decrescentes salários na função pública (as pessoas são pagas um salário que se encontra abaixo do limiar de sobrevivência o que cria condições nas quais a corrupção é essencial para a sobrevivência).
ii) Adicionalmente, riscos de todo o tipo (tais como doença, acidentes e desemprego) são altos em Moçambique, e as pessoas, geralmente, carecem dos mecanismos de cobertura de riscos (incluindo segurança social, seguro de saúde e um bem desenvolvido mercado de trabalho), disponíveis nos países que nos servem de referência.
Quero, por fim, saudar a emergência deste espaço que, espero, há-de servir para um debate que se impõe no Moçambique de hoje.
Um abraço
Gabriel S. Muthisse
Conheci Leite de Vasconcelos. Nunca cheguei a falar com ele infelizmente. Mas lia com avidez tudo o que escrevia e publicava. Ele foi, sem dúvida, uma das vozes mais esclarecidas que Moçambique pode-se orgulhar de ter tido. Agradavam-me sobretudo as suas crónicas e a tom elevado com que discutia os assuntos da sua terra. Lembro-me de algumas polémicas em que participou, particularmente as últimas que teve por exemplo com Albino Magaia, outro grande comunicador deste país. Há uma coisa em que o Leite de Vasconcelos deveria ser imitado: a dignificação dos oponentes dum debate. Com efeito, quem debatia com Leite de Vasconcelos não era agredido nem ofendido.
Vejo agora este seu texto indignado. Por aquilo que percebo dos textos do Leite de Vasconcelos, este era um militante esclarecido de uma Esquerda sem rótulos. Aquela Esquerda que acredita no advento dum mundo sem exploração, sem ditaduras, sem pobreza. Uma Esquerda que pugnava e luta ainda por um mundo de fraternidade e de justiça social. Estas são ideias incompatíveis com o rumo que o mundo tomou depois da queda do Muro de Berlim e da Perestroika de Gorbachiev.
Presumo que Leite de Vasconcelos tenha escrito este texto de indignação na altura em que a FRELIMO, esgotada e exaurida a sua tentativa de implantar o socialismo em Moçambique, começa a ensaiar outras alternativas para viabilizar o país. Adopta, em consequência, programas de reforma inspirados pelo FMI e na ideologia que estava em extensão na altura: o neo-liberalismo. É a esta inflecção que Leite de Vasconcelos caracteriza como sendo o bandear-se em bloco, por parte da FRELIMO, para o lado dos vencedores. Ele indigna-se com aquilo que chama de súbita assimilação dos dirigentes da FRELIMO de tudo quanto antes combatiam, a ponto de serem os mais ávidos na partilha dos despojos da guerra, os mais convictos, ainda que incompetentes, defensores do capitalismo.
O ponto que quero levantar é o de que a publicação desta saudável indignação do saudoso Leite de Vasconcelos não deve ser pretexto para um alinhar na lamentação sem fim dos malefícios da viragem à direita da FRELIMO. Este texto deve inspirar reflexões sobre as alternativas que aquele intelectual intuiu existirem para o país. São dele estas palavras: “A questão está em recusar a inexistência de alternativas a este colocar o país acocorado agradecendo que o pacifiquem à custa da sua venda a retalho”.
As alternativas não são de exclusiva responsabilidade dos ideólogos da FRELIMO ou de qualquer outro Partido. Os verdadeiros intelectuais de hoje devem sentir como sendo sua responsabilidade discutir saídas para a situação actual do país. Principalmente quando a descrição que Leite de Vasconcelos fez da oposição continua actual: “oscila entre casos comprovadamente psiquiátricos e o mais descarado oportunismo.
Outro documento indignado é o que foi publicado pelo macro-economista Roberto Tibana. Não sendo possível discutir todo o documento por as questões que levanta serem várias, gostaria de me centrar numa das questões que Tibana debate: a corrupção em Moçambique. Isto porque julgo importante situar melhor a discussão deste tema.
A maneira como esta questão é muitas vezes colocada sugere a ideia de que se mudássemos de dirigentes acabávamos com o cancro da corrupção no nosso país. Basicamente, parece subsistir a ideia de que o fenómeno da corrupção se deve a uma generalizada perda de valores morais por parte dos moçambicanos e a uma degeneração da sua classe dirigente. Elísio Macamo sugeriu, uma vez uma abordagem de corrupção que me parece interessante. Segundo este intelectual, a corrupção ultrapassa as simples questões de moral, devendo ser vista também como um termómetro que indica possíveis desequilíbrios entre a oferta e a procura de serviços públicos.
O enfoque personalizado da corrupção justifica-se em minha opinião em mui contadas circunstâncias. Uma delas seria para responsabilizar criminalmente os corruptos. No entanto, as acções de moralização da sociedade e o reforço dos mecanismos de penalização, sendo importantes, deveriam ser apenas consideradas como acções complementares. As melhores capacidades dos nossos países, humanas e materiais, deveriam ser alocadas no combate às causas básicas do aumento dos níveis de corrupção. Isto implica dar menor ênfase aos aspectos circunstanciais, espectaculares e de curto prazo, mesmo que signifiquem maiores dividendos políticos. É importante ter presente dois factores que, no nosso país, exacerbam a corrupção:
i) a pobreza e os baixos e decrescentes salários na função pública (as pessoas são pagas um salário que se encontra abaixo do limiar de sobrevivência o que cria condições nas quais a corrupção é essencial para a sobrevivência).
ii) Adicionalmente, riscos de todo o tipo (tais como doença, acidentes e desemprego) são altos em Moçambique, e as pessoas, geralmente, carecem dos mecanismos de cobertura de riscos (incluindo segurança social, seguro de saúde e um bem desenvolvido mercado de trabalho), disponíveis nos países que nos servem de referência.
Quero, por fim, saudar a emergência deste espaço que, espero, há-de servir para um debate que se impõe no Moçambique de hoje.
Um abraço
Gabriel S. Muthisse
4 Comments:
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