Ideias para Debate

Thursday, January 20, 2005

Reforçar a oposição

No momento em que a opoasição acaba de ser arrasada pelos "doutos" acordãos do Conselho Constitucional é bastante oportuno o segundo artigo da série publicada por Elisio Macamo:

(2) Reforçar a oposição

No pugilismo não se bate num adversário caído. Na política tudo vale, mesmo bater num adversário caído. A política é uma coisa engraçada. É uma competição com muito poucas regras. O objectivo não é só de ganhar, mas também de derrotar. Ganhar significa sagrar-se vencedor; derrotar significa mostrar a todo o mundo que a vitória foi possível graças à nossa superioridade sobre o adversário. A política é uma competição que, em princípio, não difere de outro tipo de competições. Mas neste aspecto de ganhar e derrotar torna-se diferente.
Em futebol, basquetebol ou n’tchuva é suficiente marcarmos mais pontos que os adversários. A vitória sabe melhor quando o adversário é forte e nós nos impomos sobre ele. Em política ter mais votos que os adversários não é suficiente. A vitória sabe bem quando para além de termos mais votos enfraquecemos o adversário de modo que não nos atrapalhe quando estivermos a festejar a vitória. As mensagens que circularam por aí nos dias que se seguiram ao anúncio dos primeiros resultados das eleições – que indicavam uma vitória folgada da Frelimo e de Guebuza – a ridicularizar Dhlakama e seu partido revelam, por um lado, quão apreensiva muita gente estava em relação a uma possível vitória da Renamo, mas, por outro lado, também esta lógica destrutiva do jogo político.
É uma lógica perversa. Ao contrário do que muita gente crê, o princípio que fundamenta o jogo democrático não é, propriamente, a alternância política. Uma democracia não é democracia porque de cada vez que há eleições sobem ao poder novas pessoas ou partidos. Uma democracia é democracia porque não põe de parte essa possibilidade. Isso é que faz a democracia. Acima de tudo, contudo, o que distingue uma democracia de outros sistemas políticos é o espaço que ela abre para o debate de concepções alternativas da gestão da coisa pública. No fundo, se calhar, o jogo político é mesmo como qualquer outro jogo. Uma liga de futebol é tão forte quanto forem fortes as equipas que nela participam; da mesma forma, uma democracia é tão forte quanto forem fortes os partidos que a compõem. Se Real Madrid jogasse duas épocas na liga moçambicana de futebol juntava-se, com muita certeza, à nossa mediocridade.
A retumbante derrota sofrida pela oposição nas últimas eleições, com ou sem fraude, é um mau agoiro para o nosso País. Moçambique, mais do que nunca, precisa duma oposição forte, por mais não seja que para elevar o nível da nossa democracia. Tal como no futebol. A oposição perdeu por várias razões, as principais das quais têm a ver com os meios financeiros e materiais ao seu dispôr, a qualidade do líder da principal força de oposição e também à natureza fragmentada de todo o campo de oposição. Que desempenho teria tido a Renamo se tivesse sido conduzida por Raúl Domingos neste pleito eleitoral?
Já que a Frelimo se vê como um partido que traz no coração os interesses nacionais, ela devia ver a fraqueza da oposição como uma forte ameaça ao sucesso da democracia. E se a democracia falha, vai falhar muita coisa em Moçambique. Guebuza não se devia banhar na glória de derrotas infligidas – e merecidas, diga-se de passagem – a uma oposição fraca. Não tem piada. Há várias razões que justificam uma oposição forte.
Primeiro, o governo precisa de ser interpelado de forma competente no seu trabalho. Isso deve acontecer não só no parlamento como também fora através dum trabalho consequente de articulação de interesses. É, deveras, arrepiante como a nossa oposição nunca conseguiu ser porta-voz de interesses claros dentro da nossa sociedade: sindicatos, camponeses, empresários, profissões, etc. É uma oposição sem âncora social. Um exemplo particularmente marcante é a falta de sustento social para a sua exigência de novas eleições. Segundo, governos com longa permanência têm a tendência de se tornar arrogantes. Não dão ouvidos a mais ninguém para além de que propiciam males como o nepotismo. Uma oposição forte poderia ser o ponto de articulação duma consciência nacional. Quem sabe, se calhar os altos índices de abstenção se expliquem pela incapacidade da oposição de mobilizar as pessoas para verem na participação política o meio mais eficaz de articular preocupações. Finalmente, uma oposição forte constitui a melhor maneira de usar todo o potencial intelectual que o País possui. O governo tem o mandato do povo para governar, mas mesmo aqueles que não têm este mandato directo podem contribuir para a qualidade dessa governação questionando os méritos da política. Uma oposição forte garante isso.
A necessidade duma oposição forte precisa, contudo, de ser qualificada. Reforçar não significa simplesmente dotar a oposição de recursos materiais e intelectuais. É verdade que a este respeito, a Frelimo deverá repensar seriamente o uso e abuso dos recursos do Estado para fins próprios. Aqui pode ser útil estabelecer critérios claros que permitissem à sociedade verificar em que medida os recursos do Estado estão a ser usados na promoção dos interesses do partido no poder. Um dia a Frelimo também estará na oposição e não deveria esperar até aí para debelar este mal. Mas no que diz respeito directamente à oposição parece-me absolutamente imprescindível que o legado do Acordo Geral de Paz seja paulatinamente transformado para tornar a oposição operacional.
O AGP impôs a Renamo como segunda força. Está mais do que claro que a sabedoria da oposição não reside aí. Gente aparentemente capaz como Eduardo Namburete, Ismael Mussá e Manuel de Araújo, só para citar alguns, podia ter feito muito mais num partido mais inteligente como a Fumo, sob Domingos Arouca, ou mesmo Monamo de Máximo Dias, para já não falar do PDD de Raul Domingos, se estes gozassem das mesmas prerrogativas de que a Renamo goza no actual quadro político nacional. A pedra no sapato da Renamo é, sem dúvida, o próprio líder, cujos planos de adoptar a paciência de Lula da Silva ou de Abdoulaye Wade comprometem seriamente as perspectivas dum futuro melhor para a oposição. Guebuza podia contribuir para o alívio da oposição oferecendo a Dhlakama um posto como representante do País fora. Isto podia incluir, por exemplo, um cargo de embaixador na China ou na Rússia – onde ele podia fazer menos estragos – ou qualquer outro cargo onde ele pudesse pôr a juventude que reclama para si ao serviço dum sistema político útil e funcional. Sem ele.

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