Ideias para Debate

Tuesday, January 18, 2005

O que a campanha não discutiu

O sociólogo Elisio Macamo publicou, recentemente, no Notícias uma série de artigos subordinados ao título geral acima indicado.
Porque os artigos me parecem muito interessantes e terão passado despercebidos de grande número de leitores, ali escondidos na penúltima página do jornal, aqui os vou reproduzir.
Hoje publico o primeiro:

O que a campanha não discutiu – Onze ideias para debate
Por Elísio S. Macamo

(1) A era Guebuza?

Há várias maneiras úteis de interpretar as últimas eleições. A “declaração de Maputo” não é uma delas. Tudo indica que houve irregularidades, umas graves, outras não assim tão graves. Contudo, essas irregularidades não me parecem comprometer seriamente a integridade dos resultados. Embora surpreendentemente altos a favor da Frelimo e do seu candidato presidencial, os resultados reproduzem vários aspectos da qualidade da nossa esfera política. Uma qualidade refere-se aos assuntos que lhe são constitutivos. Os resultados mostram, na verdade, que existe um grande fosso entre o discurso político e o quotidiano das pessoas. Numa situação dessa natureza, quem beneficia é o partido que consegue falar aos seus simpatizantes e mobilizá-los a votar. A nossa oposição, cuja intransigência actual é bastante sintomática, não parece ter sido capaz de fazer isso. A outra qualidade é se será mesmo do interesse de todos nós que as coisas internas sejam feitas apenas com a benção externa. Está visto que por mais elevado que seja o número de observadores internacionais e nacionais a democracia não tem nenhuma possibilidade de êxitos enquanto não houver confiança e auto-estima entre nós.
Nesta série de artigos gostaria de propôr alguns assuntos para debate que nos podem, talvez, ajudar a dar maior substância à política. Concebi-os como um desafio ao vencedor das eleições e ao nosso País nos próximos anos. No momento em que escrevo tudo indica que Guebuza será o novo chefe de Estado. Há fortes razões para crer que a vitória retumbante que ele e o seu partido conquistaram se deva ao seu empenho pessoal. Não tenho a certeza se as constantes viagens que fez às províncias, à “revitalização das células”, como se diz nos círculos partidários, foram determinantes para o desempenho da Frelimo. Algo me diz que não. Mais do que este trabalho árduo e necessário, e a despeito do que outros analistas dizem, dois factores concorreram de forma fundamental para os resultados alcançados: a desigualidade de recursos financeiros e materiais e as limitações intelectuais do principal partido da oposição.
Não me parece necessário elaborar os detalhes destes factores, pois são do conhecimento público. De resto, mais adiante nesta série, ainda me vou debruçar sobre o assunto. O que me parece importante neste momento é colocar a pergunta que quer Guebuza, quer o seu partido deviam neste momento colocar: o que significa esta vitória? Na verdade, todos nós devíamos colocar esta pergunta. O que significa mais um governo da Frelimo? O que significam mais cinco anos de oposição dominada pela Renamo e por Dhlakama? Que agenda política se anuncia?
Um aspecto particularmente saliente das últimas eleições – aliás de todas as eleições até à data – é que se caracterizaram por um nível extremamente baixo de debate substancial. Enquanto que a oposição reduziu a sua campanha às acusações de corrupção e à promessa dum melhor desempenho, o partido no poder preferiu insistir na ideia de que ele é sinónimo de estabilidade e prosperidade. Estas estratégias, para bem dizer, eram de esperar. Mas o que é de esperar não é necessariamente bom para a saúde do nosso País. Se o nosso País não quer ser como os pobres – que só vão para a frente quando tropeçam – vai precisar de colocar o debate substancial no centro da sua agenda política. Só o debate é que nos vai levar adiante.
Neste sentido, o principal significado que estas eleições têm é de que são uma responsabilidade muito grande para todos nós. Mas sobretudo para Guebuza. Mondlane despertou-nos à necessidade de lutarmos pela nossa liberdade; Machel conduziu-nos à independência; Chissano tornou a democracia possível, pesem embora os protestos de paternidade que vêm de outros cantos. E Guebuza, em que qualidade vai entrar na história? Como o presidente que acabou com Dhlakama? Parece-me pouco e nada ambicioso.
Não é que cada presidente precise necessariamente de fazer algo de novo. É perfeitamente concebível que um presidente prefira apenas gerir bem o que os outros lhe legaram. E o momento que o nosso País atravessa exige, no mínimo, precisamente isso. Só que também exige mais, pois o que foi feito é apenas o começo. Guebuza parece reunir as qualidades necessárias para a formulação duma visão. Durante a campanha essa visão pautou pela invisibilidade. Muitos comentadores, inclusivamente os que são simpáticos à Frelimo, questionaram ao longo da longa campanha que fez, justamente se era possível reclamar o perfil duma força da mudança sem nenhuma visão formulada que procurasse marcar a diferença com o actual estado de coisas.
Uma das qualidades que tornam inevitável a formulação duma visão – não do estilo Agenda 2025, pois essa é do reino do fantástico – é a ideia que se formou de Guebuza como um homem de acção, algo, diga-se de passagem, fácil de ser se se tem como pano de fundo a calma chinesa do seu predecessor. O que, então, o nosso homem de acção vai fazer para fugir ao tédio da Ponta Vermelha? Ofensiva política e organizacional? Operação Produção? Vinte e quatro e vinte? Viagens ao exterior? Rebaptismo de avenidas, escolas, parques e centros de conferência em seu nome?
Nos artigos que se seguem vou propôr ao nosso homem de acção alguns assuntos para reflexão. A maior parte incide sobre o quadro institucional dentro do qual o nosso País é governado: Precisamos de governos provinciais? Precisamos de tantos ministérios? Que tipo de mão de obra precisamos? Que tipo de segurança social precisamos? Outros assuntos vão incidir sobre o conteúdo da política: Precisamos do lixo? Precisamos duma oposição fraca? Precisamos da corrupção? Que tipo de integração precisamos para a nossa diáspora? Sobre estes assuntos tenho opiniões assentes que pretendo defender claramente. Um assunto sobre o qual estou indeciso, mas que acho que deve ser discutido, é o das assimetrias regionais. Vou apenas expôr os argumentos que me ocorrem para um e outro caso e esperar que haja interesse em discutir o assunto.
Distribuí versões preliminares desta série de artigos a alguns amigos para comentarem. Embora a sua composição não seja completamente representativa do nosso País as suas reacções, de apoio e rejeição de alguns pontos, deixaram-me com a impressão de que se trata de assuntos que não deixam ninguém indiferente. São assuntos que podem ser discutidos. Um deles escreveu “... estes textos poderão não ser do agrado de alguns guardiões da pureza. Publique-os de qualquer forma!”. Não consigo imaginar melhor recomendação.

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