Ideias para Debate

Monday, June 27, 2005

Tragédia no Zimbabwe

Publiquei, no último número do Savana, a seguinte crónica:


DE BOCA FECHADA

O governo de Harare continua a realizar uma das mais terríveis operações a que a nossa zona assistiu desde há muitos anos a esta parte. Perante o silêncio cúmplice de toda a África, incluindo-nos a nós, vizinhos e com cidadãos nossos também atingidos.
Já aqui falei desta questão, mas as notícias que chegam do Zimbabwe dão conta de que a situação está cada vez mais grave e não quero ser acusado de eu próprio me ter calado como os outros.
A operação tem um nome bizarro: Murambatsvina, que em lingua local quer dizer: deitar fora o lixo. Só que neste caso o lixo a ser deitado fora são os próprios cidadãos zimbabweanos. Centenas de milhar deles, provavelmente mais de um milhão, se acreditarmos na indicação de que foram destruidas mais de 200 mil residências.
A explicação dada pelo governo é que se trata de casas ilegais porque não mandaram projecto para ser aprovado nos conselhos municipais. Imagine o leitor que se fazia o mesmo aqui e todas as casas construidas no Polana Caniço de Maputo, no Paquitequete de Pemba, no Chipangara da Beira, que não tivessem autorização do municipio fossem arrasadas com bulldozers. Casas de alvenaria, de madeira e zinco ou de materiais locais. Todas. E isto em todos os bairros populares de todas as cidades do país.
Pois foi essa catástrofe que se abateu sobre o povo zimbabweano. As autoridades deram 5 dias para que as pessoas abandonassem as suas residencias e, terminado o prazo, destruiram as casas.
E não foram só casas. Foram postos de saúde, igrejas, infantários, escolas. Alguns construidos com o apoio da comunidade internacional.
De um momento para o outro uma multidão ficou sem teto, milhares de crianças ficaram sem escolas, milhares de pessoas sem locais onde receber assistência médica.
Tudo isto em pleno inverno num país em que são frequentes as temperatures negativas.
Diz o governo que os deslocados devem voltar para as zonas rurais. Mas, ao fim de 3 anos de seca, o que é que essas pessoas vão encontrar nas zonas rurais? Fome, está bem à vista. E como é que vão ser recebidas pelas populações locais mais de um milhão de bocas extra para alimentar?
Uma das vítimas descrevia o que se estava a passar como pior do que uma calamidade natural, pior que um tsunami.
E nós aqui todos calados.
E nós aqui a fazer belos discursos sobre a boa governação em África!
Vamos continuar de boca fechada?

Estou-lhe a perguntar a si, Dra. Alcinda Abreu.
Estou-lhe a perguntar a si Dra. Luisa Diogo.
Estou-lhe a perguntar a si Presidente Guebuza.

SOBRE ESTE ASSUNTO ESCREVEU TAMBÉM O JPT NO SEU MASCHAMBA. É SÓ CLICAR NO LINK.

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