Relatório do FMI
Lá do distante Ghana, por onde desenvolve a sua actividade, o Roberto Tibana não deixa de estar atento à nossa realidade. Aqui vai um comentário dele sobre o relatório do FMI sobre Moçambique:
Caros
Já há algum tempo que não tenho dado notícias. Espero que as que seguem sejam uteis:
1. Penso que o que vai em anexo foi publicado no suplemento WallStreet do nosso Savana duas semanas atrás. Envio para benefício de quem quiser ter em fomato electronico (com pequenas revisões).
2. Para aqueles que se interessam pelas analises do FMI o relatório mais recente saiu no dia 25, e' o Country Report No. 05/168 que se encontra no seguinte endereco: http://www.imf.org/external/pubs/cat/longres.cfm?sk=18272.0 . Tem coisas interessantes, e.g.:
1) A economia continua a crescer satisfatoriamente (PIB crescendo a 8%), mas isso só reflecte o efeito de dois ou três mega-projectos (MOZAL e Gas);
2) O combate contra a pobreza continua com os conhecidos grandes sucessos na redução da pobreza absoluta medida pelas famosas estatísticas da linha da pobreza, MAS há problemas sérios pois as avaliações existentes indicam que as coisas, a andarem como andam, os Objectivos do Desenvolvimento do Milenio (abastecimento de água, mortalidade infantil, mortalidade materna, malária, e igualdade entre géneros), não serão atingidos em Mocambique;
3) O maior banco (BIM) tem um bom desempenho, é lucrativo e continua a cumprir com todas as normas prudenciais (o que na minha opiniao só faz justica às afirmações persistentes do seu PCA de que as coisas naquela casa, não estão a andar tao mal como muitas vezes se pretende afirmar); no entanto o banco (que foi infeliz na heranca das desgraças do BCM) continuará sujeito a um regime especial de supervisão com escrutínios diarios pelo Banco de Moçambique até à aprovação do próximo relatório de contas auditas;
4) A primeira tranche da recapitalização do Banco de Mocambique (o nosso banco central, o tal que faz o escrutínio apertado do BIM!) deve realizar-se durante este primeiro semestre e vai custar uma emissão de obrigações do tesouro, a taxas de mercado, que devem ser transferidas imediatamente para o Banco de Mocambique para reforçar o seu activo, e estas medidas vão continuar nos próximos três anos; a primeira tranche vai ser de 1.5 triliões de Cs de MTs (isto anda à volta de $50-$60 milhões), e pela primeira vez a verba está inscrita no Orçamento do Estado. Para aqueles que têm acompanhado a saga isto significa que finalmente se reconheceu oficial e publicamente aquilo que se pretendia fazer à revelia (até Novembro do ano passado o Governador do Banco de Mocambique dizia publicamente que não haveria emissão nenhuma!). Isto abre caminho para passarmos agora para o segundo capítulo da saga pois a grande questão que se coloca é se no passado emissões com tal fim, ou outros semelhantes, nunca teriam tido lugar (mas isto não é, obviamente objecto do relatório);
5) O Banco de Mocambique em 2004 continuou a intervir fortemente no mercado cambial e monetário em geral e os custos foram muito elevados (alguma surpresa?! - Era ano de eleições!), mas agora entrou na fase de leilões desde Fevereiro (com a ajuda de um tecnico do FMI sentado lá no Banco de Mocambique - esperamos que quando a coisa sair mal não venham dizer que não foram eles que aconselharam);
6) Houve um descarrilamento fiscal que é justificado por uma série de razões entre as quais o atraso dos contribuintes em pagar (sim, temos que fazer a nossa parte também!), a apreciação do Metical que fez baixar a base tributária em Meticais representada pelas importações (culpa de quem? quem mandou eles fortificarem artificialmente o Metical como fizeram, e ainda por cima a grande custo para os nossos exportadores?); a folha de salários do Governo vai ter que ser tratada: têm que se elimiar os improdutivos e pagar melhor aos que realmente fazem trabalho a valer - (a ver vamos!) ;
7) Ainda no Banco de Moçambique as coisas não estão muito bem nas áreas de auditoria, controlos internos e custos administrativos que o relatório diz que têm que ser reduzidos (alguma surpresa?!);
8) As taxas de juro estão a descer, mas o spread é ainda muito elevado, reflectindo limitações estruturais no mercado como as dificuldades que existem na colaterização (isto vem ligado com a questão do regime da terra que o governo diz que um dia vai tratar mas por enquanto é questão politicamente sensivel!), e de funcionamento do sistema juridico que não garante que os contratos serão cumpridos ou que haverá medidas efectivas para recuperação de créditos em caso de não cumprimento, bem como a existência de ainda um bom quinhão de crédito mal parado na nossa banca (só que o relatório não diz nada sobre aqueles empréstimos que são feitos lá na Marginal!) ;
9) O judiciário continua a ser visto como um dos grandes elos fracos de todo o sistema de governação (alguma surpresa?!)
10) O governo manisfestou intenção de um dia vir a publicar os resultados do estudo sobre a governação/corrupção em Moçambique (esperemos para ver, esta promessa já vem dos outros tempos!);
11) A área de estatísticas tem que dar mais avanços, mas a coisa mais séria parece estar lá no Banco de Moçambique onde a conversão de elementos do balanço para as estatísticas monetárias resultou em que elementos que foram enviados ao FMI no passado têm que ser revistos;
12) O relatório sugere que durante a missão os técnicos do FMI olhem muito de perto para o encaminhamento dado aos dinheiros que estão a ser pagos ao Governo de Moçambique pela Companhia do Vale do Rio Doce pelos direito de Moatize. Em Novembro de 2004 foi paga a primeira tranche de $123 milhoes (2.2% do PIB), e tão doce é esse dinheiro que foi logo colocado numa conta especial no estrangeiro, conta essa em que o Banco de Moçambique age como agente (confiemos, eles são os banqueiros do governo). Aparentemente a luta agora é integrar os saldos e movimentos dessa conta no conjunto das contas monetárias e fiscais, e garantir que vai ser usado para o desenvolvimento económico e social. Assim, parte dele vai financiar sistemas de abastecimento de água e seis pontes ($24 milhões em 2005, $16 em 2006, e $9 em 2007); não se sabe ainda o que será do resto, e onde serão construidos estes sistemas de abastecimento de água e pontes (espero que pelo menos deixem a maior parte destas coisas lá em Tete!).
E mais, e mais.... para quem quiser ler no relatorio. Pena que deste mais não venha uma discussão das implicações da apreciação do Metical para o sector das exportações, sendo que a minha questão é:
Terá valido a pena sacrificar os produtores das exportações para atingir uma apreciação de mais de 20% que só encorajou o consumo das importações que se tornaram mais baratas e assim agravou a balança comercial?
E terá valido a pena fazer isto através de uma politica cambial e monetária cujos custos, como o próprio relatório diz, são muito elevados e terão que ser cada vez mais repassados para o Orçamento (i.e., para o pobre contribuinte e para os doadores que financiam o OE)?
E terá razão o Banco de Moçambique para hoje vir a público vilificar os exportadores acusando-os de serem uma das causas da recente depreciação do Metical por aparentemente estarem a fazer uma retenção das suas receitas em moeda externa? E se o estiverem a fazer, não estarão no seu direito de fazer o jogo que lhes esteja disponivel para defenderem os seus recursos contra este tipo de políticas?
Que efeito terá isto para a banca que tiver financiado uma parte das operações dos exportadores que foram "queimados" nisto tudo, e que terão agora que renegociar o pagamento dos créditos?
Por outras palavras, não virão estas políticas do nosso banco central a agravar ainda mais a situação constatada de uma porção ainda substancial de crédito mal parado na banca comercial?
O relatório está disponivel na internet como indicado acima para quem quiser ler, mas não se iludam pois isto não é documento de tomar o que diz no seu valor facial. Há muito entre linhas e você tem que ter uma certa audácia em ler a lingua franca de Washington.
E também é preciso notar que muito do que se diz não é necessariamente posição oficial do Executivo do FMI, mas sim análises dos seus tecnicos.
Também encontrarão no conjunto dos documentos as cartas ao FMI assinadas pela então Ministra das Finanças e pelo Governador do Banco.
Cumprimentos.
Roberto Tibana
Accra/Ghana
Se tiver tempo, consulte o Country Report No. 05/168 que se encontra no site do IMF no seguinte endereco:
http://www.imf.org/external/pubs/cat/longres.cfm?sk=18272.0
Subject: Noticias: 1) Percepcoes de Corrupcao - Evidencia Kaufmann 2005; 2) Relatiorio mais recente do FMI sobre Mocambique
Caros
Já há algum tempo que não tenho dado notícias. Espero que as que seguem sejam uteis:
1. Penso que o que vai em anexo foi publicado no suplemento WallStreet do nosso Savana duas semanas atrás. Envio para benefício de quem quiser ter em fomato electronico (com pequenas revisões).
2. Para aqueles que se interessam pelas analises do FMI o relatório mais recente saiu no dia 25, e' o Country Report No. 05/168 que se encontra no seguinte endereco: http://www.imf.org/external/pubs/cat/longres.cfm?sk=18272.0 . Tem coisas interessantes, e.g.:
1) A economia continua a crescer satisfatoriamente (PIB crescendo a 8%), mas isso só reflecte o efeito de dois ou três mega-projectos (MOZAL e Gas);
2) O combate contra a pobreza continua com os conhecidos grandes sucessos na redução da pobreza absoluta medida pelas famosas estatísticas da linha da pobreza, MAS há problemas sérios pois as avaliações existentes indicam que as coisas, a andarem como andam, os Objectivos do Desenvolvimento do Milenio (abastecimento de água, mortalidade infantil, mortalidade materna, malária, e igualdade entre géneros), não serão atingidos em Mocambique;
3) O maior banco (BIM) tem um bom desempenho, é lucrativo e continua a cumprir com todas as normas prudenciais (o que na minha opiniao só faz justica às afirmações persistentes do seu PCA de que as coisas naquela casa, não estão a andar tao mal como muitas vezes se pretende afirmar); no entanto o banco (que foi infeliz na heranca das desgraças do BCM) continuará sujeito a um regime especial de supervisão com escrutínios diarios pelo Banco de Moçambique até à aprovação do próximo relatório de contas auditas;
4) A primeira tranche da recapitalização do Banco de Mocambique (o nosso banco central, o tal que faz o escrutínio apertado do BIM!) deve realizar-se durante este primeiro semestre e vai custar uma emissão de obrigações do tesouro, a taxas de mercado, que devem ser transferidas imediatamente para o Banco de Mocambique para reforçar o seu activo, e estas medidas vão continuar nos próximos três anos; a primeira tranche vai ser de 1.5 triliões de Cs de MTs (isto anda à volta de $50-$60 milhões), e pela primeira vez a verba está inscrita no Orçamento do Estado. Para aqueles que têm acompanhado a saga isto significa que finalmente se reconheceu oficial e publicamente aquilo que se pretendia fazer à revelia (até Novembro do ano passado o Governador do Banco de Mocambique dizia publicamente que não haveria emissão nenhuma!). Isto abre caminho para passarmos agora para o segundo capítulo da saga pois a grande questão que se coloca é se no passado emissões com tal fim, ou outros semelhantes, nunca teriam tido lugar (mas isto não é, obviamente objecto do relatório);
5) O Banco de Mocambique em 2004 continuou a intervir fortemente no mercado cambial e monetário em geral e os custos foram muito elevados (alguma surpresa?! - Era ano de eleições!), mas agora entrou na fase de leilões desde Fevereiro (com a ajuda de um tecnico do FMI sentado lá no Banco de Mocambique - esperamos que quando a coisa sair mal não venham dizer que não foram eles que aconselharam);
6) Houve um descarrilamento fiscal que é justificado por uma série de razões entre as quais o atraso dos contribuintes em pagar (sim, temos que fazer a nossa parte também!), a apreciação do Metical que fez baixar a base tributária em Meticais representada pelas importações (culpa de quem? quem mandou eles fortificarem artificialmente o Metical como fizeram, e ainda por cima a grande custo para os nossos exportadores?); a folha de salários do Governo vai ter que ser tratada: têm que se elimiar os improdutivos e pagar melhor aos que realmente fazem trabalho a valer - (a ver vamos!) ;
7) Ainda no Banco de Moçambique as coisas não estão muito bem nas áreas de auditoria, controlos internos e custos administrativos que o relatório diz que têm que ser reduzidos (alguma surpresa?!);
8) As taxas de juro estão a descer, mas o spread é ainda muito elevado, reflectindo limitações estruturais no mercado como as dificuldades que existem na colaterização (isto vem ligado com a questão do regime da terra que o governo diz que um dia vai tratar mas por enquanto é questão politicamente sensivel!), e de funcionamento do sistema juridico que não garante que os contratos serão cumpridos ou que haverá medidas efectivas para recuperação de créditos em caso de não cumprimento, bem como a existência de ainda um bom quinhão de crédito mal parado na nossa banca (só que o relatório não diz nada sobre aqueles empréstimos que são feitos lá na Marginal!) ;
9) O judiciário continua a ser visto como um dos grandes elos fracos de todo o sistema de governação (alguma surpresa?!)
10) O governo manisfestou intenção de um dia vir a publicar os resultados do estudo sobre a governação/corrupção em Moçambique (esperemos para ver, esta promessa já vem dos outros tempos!);
11) A área de estatísticas tem que dar mais avanços, mas a coisa mais séria parece estar lá no Banco de Moçambique onde a conversão de elementos do balanço para as estatísticas monetárias resultou em que elementos que foram enviados ao FMI no passado têm que ser revistos;
12) O relatório sugere que durante a missão os técnicos do FMI olhem muito de perto para o encaminhamento dado aos dinheiros que estão a ser pagos ao Governo de Moçambique pela Companhia do Vale do Rio Doce pelos direito de Moatize. Em Novembro de 2004 foi paga a primeira tranche de $123 milhoes (2.2% do PIB), e tão doce é esse dinheiro que foi logo colocado numa conta especial no estrangeiro, conta essa em que o Banco de Moçambique age como agente (confiemos, eles são os banqueiros do governo). Aparentemente a luta agora é integrar os saldos e movimentos dessa conta no conjunto das contas monetárias e fiscais, e garantir que vai ser usado para o desenvolvimento económico e social. Assim, parte dele vai financiar sistemas de abastecimento de água e seis pontes ($24 milhões em 2005, $16 em 2006, e $9 em 2007); não se sabe ainda o que será do resto, e onde serão construidos estes sistemas de abastecimento de água e pontes (espero que pelo menos deixem a maior parte destas coisas lá em Tete!).
E mais, e mais.... para quem quiser ler no relatorio. Pena que deste mais não venha uma discussão das implicações da apreciação do Metical para o sector das exportações, sendo que a minha questão é:
Terá valido a pena sacrificar os produtores das exportações para atingir uma apreciação de mais de 20% que só encorajou o consumo das importações que se tornaram mais baratas e assim agravou a balança comercial?
E terá valido a pena fazer isto através de uma politica cambial e monetária cujos custos, como o próprio relatório diz, são muito elevados e terão que ser cada vez mais repassados para o Orçamento (i.e., para o pobre contribuinte e para os doadores que financiam o OE)?
E terá razão o Banco de Moçambique para hoje vir a público vilificar os exportadores acusando-os de serem uma das causas da recente depreciação do Metical por aparentemente estarem a fazer uma retenção das suas receitas em moeda externa? E se o estiverem a fazer, não estarão no seu direito de fazer o jogo que lhes esteja disponivel para defenderem os seus recursos contra este tipo de políticas?
Que efeito terá isto para a banca que tiver financiado uma parte das operações dos exportadores que foram "queimados" nisto tudo, e que terão agora que renegociar o pagamento dos créditos?
Por outras palavras, não virão estas políticas do nosso banco central a agravar ainda mais a situação constatada de uma porção ainda substancial de crédito mal parado na banca comercial?
O relatório está disponivel na internet como indicado acima para quem quiser ler, mas não se iludam pois isto não é documento de tomar o que diz no seu valor facial. Há muito entre linhas e você tem que ter uma certa audácia em ler a lingua franca de Washington.
E também é preciso notar que muito do que se diz não é necessariamente posição oficial do Executivo do FMI, mas sim análises dos seus tecnicos.
Também encontrarão no conjunto dos documentos as cartas ao FMI assinadas pela então Ministra das Finanças e pelo Governador do Banco.
Cumprimentos.
Roberto Tibana
Accra/Ghana
Se tiver tempo, consulte o Country Report No. 05/168 que se encontra no site do IMF no seguinte endereco:
http://www.imf.org/external/pubs/cat/longres.cfm?sk=18272.0
Subject: Noticias: 1) Percepcoes de Corrupcao - Evidencia Kaufmann 2005; 2) Relatiorio mais recente do FMI sobre Mocambique
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