Carta
Olá Salim
Estou-te a escrever hoje, como podes imaginar, por causa do que aconteceu a semana passada no Savana.
E quero dividir o assunto em duas partes diferentes: Uma é a públicação das caricaturas que, não sei porquê, dizem ser do profeta Maomé. Outra é a reacção da comunidade muçulmana a essa publicação.
Em relação ao primeiro ponto eu já tinha escrito, no próprio Savana, a minha opinião sobre este caso. Depois de ver as caricaturas mais surpreendido fiquei. Nada naqueles desenhos, diz que se trata do profeta Moamé. Podem ser quaisquer pessoas de turbante e barba, e há muitos milhões de pessoas que usam turbante e barba.
Associar aqueles desenhos a Moamé parece-me apenas uma forma de dar peso politico/religioso a coisas que não o têm. Ou o têm de uma forma diferente. E isto quer do lado dos defensores da liberdade de informação, quer do lado dos muçulmanos.
Continuo a achar que há quem esteja por trás a manipular estes dois lados, um contra o outro, para tirar os seus lucros que nada têm a ver nem com a religião nem com a liberdade de imprensa.
E, nessa perspectiva, penso que a publicação dos tais desenhos foi uma coisa errada, servindo, embora inconscientemente, esses interesses estranhos.
Em relação ao segundo ponto, também me parece que o seu exagero levou a que se cometessem disparates graves.
E, nomeadamente, no comunicado de imprensa, publicado no Notícias, no último sábado, em que o sheik Aminudin apela “ a todos os muçulmanos em território nacional para aderirem de imediato a um boicote total e indefinido do semanário Savana: e que cessem de imediato todas as relações comerciais, institucionais, profissionais e sociais com o semanário Savana, a sua Direcção, a sua redacção, os seus jornalistas e correspondentes e colaboradores e as demais pessoas associadas de uma forma ou outra com esta publicação”.
Mais acima, no mesmo texto, o sheik considera despropositada a publicação das caricaturas, com o que estou de acordo mas, ao escrever o parágrafo que acima cito, cai ele próprio, no mesmo pecado. Aquele parágrafo é também completamente despropositado.
Principalmente porque, na sua formulação totalmente genérica, mete no mesmo saco os responsaveis editoriais e o servente que faz a limpeza, o contabilista e o jardineiro.
Só faltou acrescentar : “e os ascendentes e descendentes atá à quinta geração”, que é uma coisa que se costumava incluir neste tipo de texto, nos séculos há muito passados, em que se usava este tipo de texto.
E sabes, Salim, isto é uma coisa que me surpreende da parte do shek Aminudin, normalmente pessoa de bom senso nas crónicas que tem publicado no próprio Savana.
A propósito, fico a pensar se este boicote não se lhe aplica também a ele próprio, colaborador regular do Savana desde há muitos anos...
Enfim, esperemos que tudo isto se resolva a bem e que tenha um valor duplo: Por ter sido a primeira vez que aconteceu e, simultaneamente, por ter sido a última.
Um abraço para ti do
1 Comments:
Em relação ao primeiro ponto, a questão é de representação e, nisso, não há dúvidas que as caricaturas queriam representar Maomé (hermenêutica). Por outro lado, embora hajam, por exemplo, vários presidentes no continente americano, mas se aparece uma caricatura barbuna ou não a chamar a capital do Brasil de Buenos Aires, todo mundo sabe de quem se trata.
Quanto ao segundo ponto, creio que, de facto, houveram e há exageros. Mas, mais do que isso, é a hora da turma do "deixa disso", por assim dizer, de agir. É a hora dos moderados de ambas as partes de tomar a dianteira e chamar à responsabilidade e para que se leve a mão à consciência...
Por fim, 130 mortos no Iraque; 145 na Nigéria (guerra santa(?)). Será que os seus medos, Machado, ainda que de forma inicial, estão a concretizar-se?
By Mangue, at 5:57 PM
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