Ideias para Debate

Sunday, February 25, 2007

Sexto texto

Aqui vai mais um texto da série do Elisio Macamo:

O poder da Frelimo – Sibindy (6)

Por E. Macamo

O lado grotesco do Nono Congresso da Frelimo foi a presença de Yaqub Sibindy. Foi grotesco por um político evidentemente inepto como o líder do PIMO ter conseguido enrolar uma parte da Frelimo, um partido cheio de políticos de grande calibre. A forma como o partido da Maçaroca e do Batuque lidou com este assunto, o destaque que deu à contribuição financeira que ele fez para a realização do Congresso e a pompa com que o acolheu em Quelimane deram indicações daquilo que alimenta os receios de muitos, segundo os quais o País estaria a enveredar pela via do monopartidarismo. A Frelimo tem todo o interesse em encorajar formas constructivas de oposição, mas a forma como esse encorajamento é feito precisa de ser interpelada.

Com efeito, em total contraste com a forma como o Presidente Guebuza tem lidado com a Renamo desde que assumiu a Presidência – reduzindo o contacto ao mínimo necessário e sem privilégios especiais para o seu líder, assumindo a confrontação parlamentar e não cedendo sequer um passo na discussão de questões centrais da vida do País, medidas estas, aproveito dizer, absolutamente necessárias à evolução da nossa democracia nascente – o Congresso reagiu a Sibindy com a impressão de que a preferência da Frelimo não é pelo jogo democrático, mas sim por uma oposição dócil, sem coluna vertebral e sem sentido de direcção. A atitude da Frelimo lembra o gesto de um rico que aceita esmola de um pobre. Sibindy é capaz de ter enrolado a Frelimo ao mostrar que com um pouco de dinheiro é aparentemente possível ganhar a aquiescência do partido e que uma oposição só é construtiva quando se submete.

Oposição não significa, obviamente, hostilidade. Uma democracia não é necessariamente sã só quando os partidos não se falam, não estabelecem alianças, endurecem posições e não se desejam boa sorte. Com efeito, a democracia precisa de um espaço amplo de debate e troca de ideias na base de posições claras e enformadas por um compromisso com a ideia que cada um tem do que o País deve ser. A trajectória política de Yaqub Sibindy bem como o perfil político do partido que dirige nunca deram indicações de se tratar de uma força política com posições claras. Para além de demonstrar com a maior clareza possível o tipo de força política que o nosso País tende a produzir, Yaqub Sibindy e o seu PIMO são o exemplo claro daquilo que um político e um partido político não deviam ser.

Agora, a questão que se coloca é de saber quem dentro da Frelimo achou que estivesse a prestar um serviço ao partido e a Moçambique dando o destaque que se deu a Sibindy. Porque ninguém teve o bom senso de agradecer a oferta financeira, recusá-la e aconselhar Sibindy a investir os 17 mil Mtn directamente no combate à pobreza? Porque ninguém teve a ideia de aproveitar a atitude de Sibindy para reafirmar a posição da Frelimo em relação ao tipo de democracia que quer para o País? Que ganhos políticos é que alguns estrategas da Frelimo acham ter logrado com este espectáculo grotesco? Que argumentos trocaram entre si para decidirem que era do interesse da Frelimo aceitar a oferta e dar espaço de intervenção a este “político”?

Estas interrogações conduzem directamente ao tipo de conclusões que dão sustento aos receios de monopartidarização. Na verdade, o caso Sibindy mostra de forma desconcertante que algumas pessoas dentro da Frelimo têm uma concepção muito problemática de democracia, da oposição e do seu próprio papel no País. A ideia de democracia que parecem ter é de um espaço público feito de aquiescências. Há-de ser, de certeza, esta ideia que faz com que membros com capacidade de pensar no interior da Frelimo não se notabilizem pelo uso dessa faculdade. Há-de ser por causa desta ideia que muitos jovens ambiciosos e cheios de potencial e energia se juntam à Frelimo ou ao aparelho do Estado com a convicção forte de que o seu contributo consiste em dizer sim a tudo desde que singrem.


11

A concepção de oposição que têm é de gente subserviente que reconhece o papel dirigente da Frelimo. É daí que uma reflexão divergente do que a maioria no interior do partido pensa corra o risco de ser interpretada como um ataque. Esta concepção há-de explicar, de certeza, a fraca qualidade dos debates de fundo durante o Congresso. Na verdade, a vontade e determinação de combater a pobreza não se documentaram por um debate sério sobre o tipo de medidas que são necessárias para esse efeito. Não vi nenhuma reportagem sobre estratégias diferentes de combate a essa pobreza que tivessem sido alvo de acalorados debates nesse encontro. A qualidade do debate teve o nível que as reclamações do quotidiano têm. O exemplo disso foi a intervenção da Ministra do Trabalho Helena Taipo; foi também, curiosamente, a de Sérgio Vieira. Digo curiosamente porque, apesar disso, foi para mim, das melhores e mais profundas intervenções que houve durante o Congresso, tendo pecado justamente por abordar as questões ao nível do senso-comum.

Finalmente, a ideia que algumas pessoas dentro da Frelimo têm do seu próprio papel no País é de uma profunda identidade entre partido e Estado. Para eles a discussão sobre a governação do País constitui uma contribuição para os esforços da Frelimo de desenvolver o País. A Frelimo é o mar onde desaguam todos os rios. Não é um dos rios que vai desaguar no mar que é o Estado. É o contrário. Este tipo de atitude cria espaço para a intransparência, abuso do poder e prepotência, males, diga-se de passagem, que a Frelimo nos gloriosos tempos já tentou combater. É deprimente que um “político” do calibre de Sibindy tenha ajudado a expor estes problemas. Espero que Sibindy não escreva no jornal Zambeze que foi tudo uma farsa, que queria apenas demonstrar claramente que tipo de partido é a Frelimo... Os que se riram dele, riram-se cedo demais.


Thursday, February 15, 2007

Mais um artigo

Publico hoje mais um artigo da série sobre O Poder da Frelimo do Elisio Macamo.
Chamo a atenção para um longo texto, a propósito desta série, do Carlos Gil. Pode ser lido no blog dele (O Vazio) clicando no link que existe aqui mesmo ao lado.


O poder da Frelimo – Bons males (5)

Por E. Macamo

Ouvi Teodato Hunguana, membro do Conselho Constitucional, há algumas semanas a dizer que o País precisa de uma terceira força. Esta observação, vinda de uma pessoa que faz parte dos altos círculos da Frelimo, devia dar de pensar aos que privilegiam teorias de conspiração. Mas mais do que isso, a ideia documenta o desmoronamento da ilusão de uma oposição política da Renamo no País. As negociações e o Acordo de Roma é que fizeram a Renamo, dando-nos a impressão de se tratar de uma oposição política coerente. Os “trust funds” bem como a facilidade de ingressar em movimentos internacionais com rótulo político, a saber “democracia cristã”, conseguiram durante muito tempo camuflar essa impressão. O que os fundos externos e do Estado lograram fazer nos anos que se seguiram ao Acordo de Paz não foi transformar a Renamo num partido político, mas sim numa rede clientelista cuja lógica de actuação não é necessariamente a solução dos problemas do País, mas sim a sua própria sobrevivência parasita. Contrariamente ao que eu próprio pensei durante muito tempo, o enfraquecimento da Renamo não é algo necessariamente mau para a nossa democracia. Pode ser até uma benção.

Esse enfraquecimento não é, portanto, mau, mas a fraqueza da oposição, em geral, é. Há diferença. E é esta diferença que alguns estrategas da Frelimo ainda não perceberam, salvo a honrosa excepção de Teodato Hunguana. Da mesma forma que o Acordo de Roma criou a Renamo, ele contribuíu bastante para criar a impressão de que a captura do Estado por meios legítimos conferia prerrogativas ilimitadas ao vencedor. Isto tem um pouco a ver com a própria lógica das negociações de Roma. Enquanto que a Renamo vendeu a guerra em troca do reconhecimento político – e fundos para transformar a sua nomenclatura em chefes patrimoniais – a Frelimo vendeu a guerra em troca da promessa de captura do Estado que recebe auxílio ao desenvolvimento. Os doadores compraram e hoje se queixam. O que alguns estrategas da Frelimo ainda não perceberam é que a existência de uma Frelimo coerente e forte depende de um contexto social e institucional são.

O contexto social é são quando a intervenção política responde a interesses existentes na sociedade. Nenhum partido pode representar todos os interesses numa sociedade. É contraditório. Partido não é o todo. É parte. A Frelimo, portanto, tem que definir que interesses quer representar e defender no nosso País. As teses ao Nono Congresso, infelizmente, não fizeram isso, mas isso é outro assunto. O desiderato de uma representação universal cria incoerência e espaços de arbitrariedade. Ao lado dos esforços actuais da Frelimo de se afirmar na sociedade podem ser observados problemas de interesses divergentes no seu interior que só são resolvidos à custa da reprodução de um contexto institucional intransparente. Isto é uma outra maneira de dizer que os problemas de confusão entre Estado e Partido, corrupção, impunidade e indiferença constatados pelos vários estudos mencionados mais acima não são o resultado de uma conspiração obscura de forças invisíveis. Eles são o resultado de processos sociais concretos que podem ser descritos e analisados. Nem todos os membros da Frelimo se sentem à vontade com a proximidade de certos círculos de negócios; igualmente, nem todos os círculos de negócios se sentem à vontade com a dependência desta proximidade para se fazerem coisas. Este ambiente cria cumplicidade, não conspiração.

O País está a ficar cada vez mais maduro para o surgimento de forças sociais interessadas na transparência. E isso é bom porque a transparência tem que resultar de um impulso vindo do interior da sociedade. Os homens de negócios de Nampula que perdem um concurso em Maputo começam a ver que o melhor para todos deviam ser regras claras e transparentes, e não só a cunha. O ministro que tem que outorgar um concurso à empresa que melhor oferta faz, começa a ver que se protege melhor do empresário que paga para os cofres do partido com recurso às regras. O técnico no ministério convence melhor o seu ministro da


9

necessidade de dar licença a quem de facto pode explorar um determinado recurso – por exemplo, peixe – quando sabe que tem certos padrões de qualidade que tem que observar – por exemplo da União Europeia – e que um veterano qualquer por aí não pode.

Um partido forte e quase que invencível não é incompatível com a democracia. A experiência de muitos Países com democracias maduras já revelou isto. Nos Países escandinavos, por exemplo, os partidos sociais democratas dominaram a política durante décadas. Mesmo um ambiente político confuso não é incompatível com a democracia. A Itália só recentemente é que começou a clarificar a sua esfera pública. Dito de outro modo, a tendência de monopartidarização que muitos estudos e muitos observadores constatam em Moçambique não é necessariamente má. Em minha opinião, Guebuza faz muito bem em reforçar a Frelimo. De igual modo, se esse reforço implica o enfraquecimento da Renamo, tanto melhor, desde o momento que o reforço não consista essencialmente no enfraquecimento consciente da oposição. Para que isso aconteça, é necessário ter em conta, porém, que esse reforço deve ser acompanhado do fortalecimento das instituições estatais com regras transparentes e previsíveis. Fazendo isso, não haverá nenhuma necessidade de “criar” uma terceira força. A terceira força será a própria transparência

Saturday, February 10, 2007

Poder da Frelimo

Continuo hoje a publicar a série de textos de Elisio Macamo sobre o poder da Frelimo:

O poder da Frelimo: Libertar a Frelimo (4)

Por E. Macamo

Em minha opinião, a Frelimo está duplamente presa. Uma abordagem analítica dos nossos problemas políticos tem que partir deste pressuposto. No fundo, não é a Frelimo que tem o País nas mãos, mas sim o contrário. A análise dos nossos problemas só vai poder ser útil se tivermos a coragem de libertar a Frelimo de si própria e de todos nós. A Frelimo prisioneira de si própria é aquela que confunde a sua sorte com o destino do País. Essa Frelimo, na verdade pessoas de carne e osso, não vêem mal nenhum em usar o poder do Estado para cimentar o seu ascendente sobre a sociedade. Essa é a Frelimo dos medíocres, incompetentes e oportunistas. Essa Frelimo, na verdade essas pessoas, adoram a intransparência e a confusão institucional porque só assim conseguem dissimular as suas próprias insuficiências. Essa é a Frelimo dos que usam fundos do Estado para fazer trabalho do partido; dos que atribuem concursos de empreitada às empresas que mais contribuem para os cofres do partido; dos funcionários públicos que afixam anúncios descarados a informar sobre a sua ausência do local de trabalho em serviço do partido. Dos que têm medo de dizer o que pensam com receio de estarem a criticar a “Frelimo”.

Trata-se de uma “Frelimo” que documenta o País que somos. Somos um País com características muito específicas, a principal das quais é a nossa dependência do auxílio externo. A lógica política, mas também a lógica individual consistem, neste tipo de contexto, na instrumentalização desse auxílio. A classe política faz tudo para estar em conformidade com as exigências desse auxílio, muitas vezes não por convicção política, mas por conveniência pessoal. Nós os outros estamos à espreita de oportunidades, sejam elas consultorias, projectos ou mesmo empregos bem pagos. Para esse efeito, estamos preparados para dizer seja o que for que seja do agrado dos que nos ajudam. Convicções não contam muito. E se contam, ajustamos as nossas. Somos também um País em que o controlo do Estado determina o acesso a todo o tipo de recursos. Assim, muitos de nós alinhamos o nosso posicionamento pessoal de acordo com os que detêm o poder do Estado. Há lugares em Concelhos de Administração por distribuir, há direcções em ministérios, há ministérios, há projectos, etc. Neste ambiente dominado pela preocupação do “ter” – material – e no qual o “ser” – convicções – desempenha apenas um papel secundário – e é visto com hostilidade por muitos – não admira que haja muitos oportunistas que investem na ideia de uma Frelimo forte apenas com o intuito de tirar benefício individual.

O tipo de Frelimo em que essas pessoas investem precisa de se libertar de si própria porque a longo prazo os ganhos obtidos agora não vão perdurar. Serão ganhos píricos, isto é serão feitos à custa da destruição do próprio partido e do País. E para não dar a impressão de que estou a desfiar uma teoria de conspiração, apresso-me a dizer que a Frelimo prisioneira de si própria é uma Frelimo que é palco de conflitos internos, forças centrífugas e visões contrárias. É uma Frelimo que por receio do debate interno de ideias faz vista grossa às irregularidades e considera conveniente o que não prejudica o partido, mesmo se prejudica o País. Essa é, com efeito, a Frelimo generalizada, a Frelimo que está em cada um de nós. Quantos de nós preferimos a regra e norma burocrática ao espontâneo, familiar e partidário? Quantos de nós estamos preparados e dispostos a deixar passar para a frente o que é mais competente, tem maior brio profissional e se preocupa com a sorte dos mais fracos na sociedade? Uma ilustração simples disto é um sítio qualquer de atendimento público. Toda a gente que lá chega, mas toda sem excepção, passa imediatamente para a frente ignorando todos os outros.

Existe, contudo, também uma Frelimo prisioneira de todos nós. Essa é a Frelimo normal que não pode agir no seu próprio interesse. É uma Frelimo paralisada pelas nossas exigências. A preocupação do Presidente Guebuza em reforçar a Frelimo é legítima. Governar significa gerir o País em nome de ideais representativos do projecto que determinados grupos dentro da


7

sociedade têm em relação ao País. O dilema enfrentado por Guebuza, contudo, consiste na expectativa irrealística de muitos observadores nacionais e estrangeiros de que ele faça isso sem prejudicar a oposição. Na verdade, o perigo que a nossa democracia enfrenta não vem do reforço da Frelimo – que me parece necessário e oportuno – mas sim do facto de que o reforço da Frelimo põe a descoberto um dos grandes equívocos dos últimos anos, nomeadamente a ilusão de que a Renamo alguma vez representou um projecto político coerente e claro.

Tudo quanto pode servir de referência para avaliar a génese da Renamo indica com alguma segurança que ela foi coisa de bandidos. Opositores sensatos da Frelimo como Domingos Arouca ou Máximo Dias trataram de se distanciar dela assim que chegaram à mesma conclusão. As dificuldades que a Renamo tem em corresponder aos anseios dos muitos moçambicanos que decidiram depositar a sua confiança nela revelam justamente as linhas pelas quais este equívoco se coze. Portanto, manietar o reforço da Frelimo ao destino deste equívoco parece-me igual a hipotecar o destino do País à sorte de gente que não sabe de onde vem, nem para onde quer ir. Libertar a Frelimo de si própria, contudo, significa saudar o esforço do seu reforço para que se torne num verdadeiro partido, isto é numa entre várias forças políticas, comprometido com uma separação clara entre o partido e o Estado.


Thursday, February 08, 2007

Lei Eleitoral

Interrompo a série sobra a Frelimo para incluir um texto que recebi do Carlos Shenga sobre a Lei Eleitoral:

Novo Pacote Electoral: Melhoria/Estabilidade Democrática?

Como muitos dos cidadãos Moçambicanos deverão saber, a Assembleia da República (AR) aprovou na sua Segunda Sessão Ordinária de 2006 a nova lei eleitoral. A aprovação dessa lei foi referida como melhoria ou talvez aspecto da consolidação da jovem democracia Moçambicana. Enquanto que a anterior lei eleitoral baseava-se na aquisição de 5 porcento de votos para os partidos políticos adquirirem assentos ou representação parlamentar, a nova lei caracteriza-se pela inexistência de qualquer barreira no sistema eleitoral Moçambicano de Representação Proporcional (RP). Isso sugere que os pequenos partidos políticos, caracterizados pela fraca mobilização do eleitorado e fraca institucionalização ao longo do país entre outros aspectos, terão mais chances de obter assentos parlamentares. Na verdade, isso significará, por outro lado, maior competição política dado que mais forças políticas surgirão na arena política oferecendo bens diversificados ao eleitorado. Ainda, a maior competição política siginifica por sua vez maior mobilização eleitoral e consequentemente maior participação política.

Não há dúvidas que isso melhora uma democracia. Participação e competição política são considerados como um dos indicadores/dimensões chaves da qualidade de democracia (veja Assessing the Quality of Democracy editado por Larry Diamond e Leonardo Morlino). Quanto mais partidos políticos estiverem a competir oferecendo bens políticos e económicos durante ou entre as eleições maior mobilização pública estes farão e por conseguinte maior será a participação pública. O público participará apoiando este ou aquele competidor político em função da percepção sobre a qualidade dos seus bens politicos e económicos. Por outras palavras, quanto mais lojas de calçados existirem na praça, maior será a publicidade feita por elas sugerindo maior competição e finalmente maior clientela ou aderência/participação. Contudo, como estudante da democracia e sua consolidação, e ainda cometido à democracia questiono se uma simples remoção da barreira eleitoral melhora uma democracia, mas antes de tudo permitam-me brevemente analisar o funcionamento da instituição que aprova e revê e aprova as leis eleitorais, isto é, a AR.

Antecedentes

Na segunda legislatura multipartidária (2000-2004), a AR fez a revisão e aprovou as leis eleitorais. A apreciação e debate na especialidade ocorreu na commissão ad-hoc para a revisão da legislação eleitoral, a qual nesse processo consultou simplesmente a opinião das duas bancadas parlamentares representadas no parlamento (veja Strenghtening Parliamentary Democracy in SADC countries: Mozambique Country Report por João Pereira e Carlos Shenga). A opinião do eleitorado assim como dos pequenos partidos políticos foi marginalizada e excluída pela referida comissão ad hoc. Na legislatura multipartidária corrente (2005-2009), a AR extinguiu a comissão ad-hoc para a revisão da legislação eleitoral e passou as responsabilidades de apreciação e debate na especialidade à comissão (regimental) de agricultura, desenvolvimento regional, administração pública e poder local (CADRAPPL). Por influência das opiniões das entidades que funcionam à margem das instituições que caracterizam o poder do Estado, a CADRAPPL removeu a barreira dos 5 porcento no sistema eleitoral Moçambicano de RP. De recordar que o Electoral Institute for Southern Africa (EISA) promoveu alguns seminários e debates envolvendo políticos e especialistas para analizar as fraquezas da lei elitoral perante a democracia. Isso mostra que melhorias de governação são só possíveis quando ela é inclusiva, ou seja, aqueles que directamente participam na governação auscultam a opinião do resto da sociedade.

Terá a remoção da barreira eleitoral contribuido para a melhoria da democracia Moçambicana?

Voltando a anàlise do pacote eleitoral, avanço que este ainda está distante de contribuir positivamente para a democracia em Moçambique, especialmente competição e participação politicas, apesar da AR ter removido a barreira eleitoral de 5 porcento. O controle e o domínio de todas as instituições eleitorais (tais como conselho constitucional, CNE e STAE) pelo partido governante reduz o âmbito da competição política. As chances dos partidos da oposição de ganhar as eleições são mínimas, pois essas instituiçoes dominadas pelo partido governante tendem a irrelevar as irregularidades levantadas pela oposição e defender o partido no poder. Evidências sobre irregularidades podem ser encontradas nos relatórios e editais publicados pela AWEPA e Joseph Halon sobre as eleições de 2004. A consciencialização pública que as instituições eleitorais existentes favorecem o partido no poder tem estado a contribuir para a reducão de sua participação no processo político. De facto, desde as eleições fundadoras da democracia (1994) até as últimas (2004), o nível de participação política baixou significativamente. Os Moçambicanos devem estar desiludidos e desgastados com a forma como a reforma política tem sido conduzida pela elite política. Outro impacto negativo da redução do âmbito da competição política é o surgimento de manifestações violentas e sangrentas, instabilidade política e caos, tal como os acontecimentos de 9 de Novembro de 2000 em Montepuez, e Setembro de 2005 em Mocímboa da Praia.

Ainda, essa redução do âmbito da competição e participação políticas através do controle e domínio das instituições eleitorais reduz por sua vez a probabilidade de existência de alternância de poder, o qual é um outro aspecto importante para a consolidação democrática. Uma democracia consolida-se quanto mais houver alternância de partidos no governo e o anterior partido governante aceita a derrota, ou seja não contesta os resultados eleitorais.

Para finalizar, a redução da barreira eleitoral só pode contribuir para a estabilidade democrática especialmente competição e participação políticas e ainda alternância de poder no contexto moçambicano, se e só se todas as instituições eleitorais forem independentes e imparciais. Para tal é necessário que estas não sejam dominadas e controladas pelo partido governante; ou seja, é importante que a composição dos órgãos eleitorais não se baseie na quantidade de assentos parlamentares que cada partido tem. Moçambicanos devem estudar outra formula para a composição das instituções eleitorais. E acho que é aqui onde os doadores deveriam canalizar seus fundos e capacitar Moçambique para fortalecimento dessa democracia. “Consolidação democrática requer uma limitação na autoridade do Estado, não importa que partido ou facção política venha exercer o poder” (veja Problems of Democratic Transitions and Consolidation por Juan Linz e Alfred Stepan). A elite política deve estar cometida com esta ideia e implementá-la. Aliás, a constituição da Republica de Moçambique preceitua no seu artigo 135 que as eleições são supervisionadas por órgão indepedente e imparcial. Assim, questiono a constitucionalidade da existência de uma lei eleitoral que governamentaliza as instituições eleitorais. Relativamente ao conselho constitucional, que é um órgão com competências de “apreciar e declarar a inconstitucionalidade das leis e julgar as acções de inpugnação de eleições” (artigo 244 da constituição), questiono a governamentalização, partidarização e politização manifesta de um tribunal e ao mesmo tempo instituição eleitoral. Ainda, sendo o STAE uma instituição eleitoral também questiono a sua governaentalização.

Os problemas de adopção de instituições democráticas não estáveis não resultam apenas na redução do âmbito da competição e participação política, falta de altenância de poder e instabilidade política como observamos acima, mas também na ausência de governo pela lei/estado de direito e constitucionalidade. De facto, os altos níveis de corrupção (envolvendo a alegada elite intocável) e crime organizado, e ausência de prestação de contas e ou transparência em Moçambique indicam que a lei não é igualmente aplicada a todos. Contudo, este é um outro tema que não é abordado aqui detalhadamente.

Este pequeno artigo explorou o pacote eleitoral Moçambicano vigente e traz evidências que eleições sem instituições democráticas estáveis reduz competição e participação políticas, a probabilidade de ocorrência de alternância de poder, e provoca instabilidade política, manifestações políticas violentas e sangrentas e desordem. Se os Moçambicanos pretenderem viver numa sociedade pacífica, justa e livre deverão começar a procurar e apoiar a democracia e influenciar a elite política a cometer-se aos procedimentos democráticos, neste caso adoptar instituições eleitorais independententes e imparciais. A ausência de limitação da autoridade do Estado em Moçambique tem estado a contribuir negativamente para a democracia e sua sustentabilidade. Ainda, o artigo questiona a constitucionalidade das leis eleitorais, particularmente a da composição dos órgão eleitorais. Mas também recomenda a imparcialidade e indepedencia do conselho constitucional assim como do STAE. Por Carlos Shenga, cshenga@gmail.com

Sunday, February 04, 2007

De novo Macamo

Resolvidos uns arreliadores problemas tecnicos, aqui continua a série do Elisio Macamo sobre "O Poder da Frelimo":

O poder da Frelimo – Um equívoco colectivo (3)

Por E. Macamo

Vamos ver se conseguimos pensar menos mal partindo do pressuposto de que a Frelimo não existe. Isto é para tirar o medo. A Frelimo não existe, prontos, e se não existe, então não pode haver poder da Frelimo. Guebuza, Chissano, Marcelino dos Santos, Manuel Tomé, Alberto Chipande e tantos outros não existem. É importante partirmos deste pressuposto para podermos avançar na análise. Então, nem a Frelimo, nem estas pessoas existem, o que existe é Moçambique e nós, claro. Estou a imaginar Moçambique como o nosso quotidiano e as coisas que temos que fazer para não acordarmos mortos – isto é xangane – no dia seguinte. Temos que ir trabalhar – honesta ou não, pouco importa; temos que tratar formalidades; temos que comer. Estas três coisas bastam.

Para irmos trabalhar precisamos de emprego – ou, no caso dos ladrões, de ocasião. Se não temos emprego perguntamos porquê; se a polícia dorme, no caso dos desonestos, damos graças a Deus. Para tratarmos formalidades precisamos de conhecer as regras e normas; se não as conhecemos procuramos informarmo-nos. Para comermos precisamos de comida na mesa; se não temos comida na mesa procuramos saber porquê. Em tudo quanto fazemos no nosso dia a dia partimos da normalidade. Se as coisas andam normalmente, não nos preocupamos. Damos o mundo por adquirido. Só quando as coisas caiem fora do normal é que ficamos inseguros e começamos a procurar por uma explicação. A violência que cometemos na nossa esfera pública é de reduzir a complexidade da nossa vida a explicações que não nos ajudam em nada a resolver os problemas imediatos que temos. Com efeito, a nossa tendência natural é de responder às perguntas sobre o problemático no nosso quotidiano com o mais fácil e menos útil: a Frelimo. Não temos emprego por causa da Frelimo; não somos atendidos por causa da Frelimo; não comemos por causa da Frelimo.

O mundo é complicado. Não temos emprego porque a economia não anda, porque não temos formação adequada, porque há candidatos melhor formados, porque as instituições de direito funcionam mal, porque os funcionários públicos são nepotistas, porque somos preguiçosos, porque no último emprego que tivemos desviámos fundos públicos, etc. Cada uma destas razões encerra várias outras. Por exemplo, não temos emprego porque a nossa formação não é adequada porque o curso pós-laboral que fizemos numa universidade da praça foi mal-concebido, os professores estavam mal preparados, perdemos muitas aulas por causa de tolerâncias de ponto espontâneas ou porque confiámos no facto de termos costas quentes para passarmos de classe. Estou a tentar transmitir a riqueza da realidade social ao mesmo tempo que alerto para os perigos da simplificação. É verdade que é mais fácil responder a todas estas perguntas com recurso à Frelimo. E isso é, para mim, recusa de pensar.

Está bem. A Frelimo na verdade existe. A sua existência é necessária. Precisamos de um fundo de projecção dos nossos receios, incompreensões e insuficiências. A nossa necessidade é uma espécie de patologia. Precisamos da Frelimo para explicarmos as coisas da vida com recurso ao destino. É como o Deus dos crentes hostis à razão. Tivémos acidente porque Deus quiz; escapámos graças à Sua vontade. Nós próprios não temos nenhum protagonismo, somos apenas marionetas. É assim que funcionários mal formados ou que fazem mal o seu trabalho procuram compensar isso com uma maior aproximação à “Frelimo”; chefes que não entendem o que estão a fazer – e isto inclui mesmo os formados ao nível universitário – compensam as suas lacunas com recurso ao argumento de que os seus erros são no interesse da “Frelimo”; profissionais que não sabem como proceder num contexto institucional pouco claro ao invés de clarificar as regras burocráticas reflectem mais no que é do interesse da “Frelimo” e agem de acordo com as conclusões que eles tiram desse exercício; pessoas que doutro modo não teriam lugar na academia, no ministério, na empresa e por aí fora cultivam as suas credenciais


5

políticas para caírem nas boas graças da “Frelimo”; juízes, advogados e polícias com pouco brio profissional paralisam o sistema jurídico e judiciário com a falsa suposição segundo a qual a resolução de um caso iria prejudicar a “Frelimo”.

A “Frelimo” é um grande equívoco colectivo. Serve para dissimular a mediocridade, a falta de brio profissional, a ausência de coragem cívica e intelectual e contribui grandemente para paralisar o País. Durante o simpósio sobre a vida e obra de Samora Machel ouvi pessoas que trabalharam com ele a falar de como ele podia decidir espontaneamente que uma lei deixasse de existir; a sala toda ria-se nostalgicamente e nenhum de nós tinha a coragem de dizer que foram juristas com falta de brio profissional e integridade intelectual que deixaram coisas dessa natureza se passar; ninguém se sentiu incomodado com essas manifestações de desprezo pela legalidade. Como havíamos de nos sentir? A “Frelimo” queria assim. Um veterano da Frelimo entendeu mal a minha comunicação durante o mesmo simpósio, o que é natural, e discordou, o que é também natural. Uma participante esclareceu-lhe o equívoco e a coisa passou. Contudo, muito tempo depois fiquei com calafrios só de pensar que no glorioso passado que estivemos a pintar naquele simpósio, o mal-entendido teria sido uma razão forte para eu ser punido, no interesse, é claro, da “Frelimo”. Teria sido punido pela minha “indisciplina”.

A falta de clareza sobre o que a Frelimo é constitui uma das razões principais por detrás do tipo de desmandos que caracterizam a acção política no País. Não é conspiração. É um equívoco colectivo.